Praticando o Dharma Através da Meditação - Parte II

Por: Lama Padma Samten

Visão do caminho da meditação

Há três formas de introdução ao Darma pelo caminho da meditação. A primeira diz respeito à motivação, a segunda diz respeito à felicidade, e a terceira diz respeito à descrição do caminho espiritual nos termos utilizados pelos mestres.

Motivação

Para quem esta abordagem é útil? Para os seres em perigo iminente ou sensação de desgraça, ele não funciona. Por exemplo, para alguém que é atropelado, se esvaindo numa estrada, não adianta dizer "sente em meditação" - não vai funcionar. Outras práticas podem ser boas nesse caso, P'howa ou alguma outra, mas essa não vai funcionar. Ou a pessoa está faminta, sem comer há dois dias, e chega a um centro de Darma: "hoje você vai receber instruções Mahayana". Não serve, é claro. Ou uma pessoa que levou um tiro, por exemplo. Elas querem um prato de comida, querem cuidados médicos, nada de meditação para elas. Quando olhamos em volta, vemos muitos seres com a experiência de atropelamento, metaforicamente falando. Nós mesmos, entre um atropelamento e outro, entramos aqui. Somos realmente felizardos...

Depois há seres que não estão soterrados sob quatro montanhas, eles não têm sensação de desgraça, apenas propósitos muito definidos. Estão sobre o domínio de um conjunto de idéias que os impede de avançar, todo o tipo de ideologias e fanatismos. Isto inclui seres que estão sobre o domínio de outros. Eventualmente os maridos, as esposas, namorados, pais, mães, filhos, as pessoas próximas a nós, estão em situações desse tipo.

Depois há os seres que estão no reino dos deuses. Se o sofrimento impede a prática dos seres sob quatro montanhas que experimentam o inferno, a felicidade dos seres na condição do reino dos deuses também a impossibilita. Tanto a felicidade quanto o sofrimento nos aprisionam, nos tornam insensíveis ao processo de meditação. Curiosamente isso inclui processos internos e externos de felicidade, ou seja, inclui também os estados meditativos equivocados.

Então para o quarto conjunto de seres, aqueles que conscientemente desejam a felicidade de um tipo mais permanente, e que conscientemente desejam se afastar do sofrimento, para esses seres é dirigido o ensinamento.

Na conclusão da explicação sobre a motivação, incluímos a perspectiva Mahayana ampla de querer tudo isso não só para si próprio, mas para todos os seres.

Nessa motivação jamais pensamos em causar mal aos outros ou obter benefício próprio a custa de sofrimento dos outros. A princípio apenas queremos a felicidade para nós e nos afastar do sofrimento, é o primeiro ponto e realmente é muito difícil.

Felicidade

Aprofundando o conceito de felicidade, podemos dividi-lo em dois grupos. A felicidade que está na dependência de fatores transitórios, e a experiência de felicidade estável que está além das construções. O segredo da motivação budista quanto a felicidade é buscar a segunda opção, por razões óbvias. A felicidade transitória obtemos hoje, amanhã se torna sofrimento.

Há um casal se separando - por que acontece? É muito doloroso. Eles se amavam e tinham uma conexão, uma casa bonita, dois filhos, uma porção de coisas funcionando e produzindo felicidade. Na separação, cada uma dessas coisas vira elemento de sofrimento: filhos, amigos, conta bancária. Se ficam com um, se dividem, se ficam com o outro, em todos os casos sofrimento. Tudo que a pessoa tem vira ponto de sofrimento, isso é a roda da vida, a felicidade na dependência de condições. Quando a roda gira, e estamos embaixo, tudo que causava felicidade traz agora sofrimento. Assim vemos inúmeras situações. A pessoa funda uma empresa, tem um sócio, todos fazem aquilo crescer, num certo momento as diferenças causam a separação. O amigo era solidez, agora é apenas inimigo. Se a empresa fica na mão do outro, ele deseja que ela afunde. "Ele está usando minha energia vital, não é justo". Centenas de casos como este.

Assim é a roda da vida. Não é que aconteça só conosco ou só com os outros - não é uma crise pessoal - a roda da vida é simplesmente assim. Quando isso acontece conosco, o melhor que temos a fazer é rir, "de novo a mesma coisa". Se quisermos satanizar o outro, isso não fica muito bem. Por pior que seja, melhor rir. Seria uma ingenuidade raciocinar em termos de contraposição. Por isso dizemos que quando pensamos em felicidade estável em dependência de fatores externos, é ingenuidade. Buscamos aquilo que está além das construções. Com isso cobrimos os dois primeiros itens, motivação e felicidade.

Caminho espiritual

Aqui sete formas breves de descrever o caminho espiritual:

1. Se alguém pergunta o que é o caminho budista, dizemos que é o Nobre Caminho de Oito Passos. Essa resposta é completa.

2. Se quisermos explicar de outra maneira, podemos dizer que é a remoção dos obstáculos que criam a experiência cíclica. Essa experiência é o que cria o aspecto de solidez do que vemos. No entanto sempre estivemos livres da experiência cíclica, da mesma forma que a tela do cinema está naturalmente livre das explosões que exibe.

3. Podemos colocar isso de forma mais direta, a natureza de nossa mente já é perfeitamente luminosa e livre. Então, o caminho budista é o caminho que descortina a natureza de nossa mente como luminosa, leve, livre. É o caminho que nada adiciona, que nada cria, nada treina, e nada estabiliza. Dito assim pode parecer estranho, sempre nos pareceu que estivemos treinando, estabilizando, etc. O que fazemos na verdade é criar uma espécie de "veículo de praticante", e esse veículo vai ser abandonado mais tarde. Com nosso veículo usual ordinário, em geral não atingimos a liberação.

No meio do filme nos tornamos Charles Bronson, então alguém argumenta que você pelo menos tem raivas justas, estando na forma de Charles Bronson. O caso é que não achamos justo sentir nenhum tipo de raiva, mas inevitavelmente acabamos operando dentro daquela lógica. Por essa razão criamos um elemento transitório. Não negamos a coerência daquilo, faz parte de ajudar os outros seres perceber a coerência com que eles agem. Só que é indispensável perceber que essa coerência é construída, que existe uma liberdade adicional. Se negamos a coerência com que os outros estão atuando, retiramos o chão de seus pés. Por essa razão devemos evitar a visão filosófica. Ela tenta estabelecer uma nova visão, mas isso apenas polariza o processo. O melhor é dizer que o ser está certo, mas perceber que existem alternativas. Nossa habilidade é reconhecer a liberdade dos outros.

Esses são os vários corolários do caminho espiritual, várias formas de descrever o processo. "Basta remover as construções sobrepostas, dissolver uma por uma as transitoriedades". Esse processo é dramático, as realidades se sustentam dessa forma.

4. Outra forma de explicar é como o caminho de tranqüilizar a mente. Normalmente ela apenas pula incessantemente de um lugar para outro, interrompendo esse processo de giro ela retoma seu ponto de equilíbrio natural. A mente não é um processo estável, quase sempre está ligada ao processo do galo.

5. Outra forma de explicar o caminho inteiro é dizer que é uma purificação de corpo, fala e mente, até que se tornem corpo vajra, fala vajra e mente vajra. O corpo, fala e mente então manifestam os três corpos da iluminação, nirmanakaya, sambhogakaya e Darmakaya.

6. Garab Dorje, o primeiro guru humano da linhagem nyingma diz: "o caminho inteiro tem três etapas, na primeira etapa ouvimos e geramos a visão, depois meditamos com o poder da visão, e então, tendo liberado os obstáculos agimos de forma livre para benefício de todos os seres". Podemos explicar o caminho budista dessa forma: ouvir, meditar e agir.

7. Outra forma ainda baseia-se em quatro etapas de treinamento da mente que fazemos incessantemente. Pensamos nos ensinamentos, contemplamos nossa vida, ações e objetos mentais sobre o ponto desses ensinamentos, meditamos focando as coisas a partir da natureza não-construída, e finalmente dissolvemos as aparências e nos liberamos da aparência condicionada que as coisas manifestam.

Essas são várias formas de visão do caminho inteiro. Isso completa a terceira parte desse sobrevôo da visão pelo caminho Mahayana.