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Por que Brigamos Tanto uns com os Outros

  Por: Luís Vasconcellos

Esse é o dado cultural e civilizatório mais importante na diferenciação do homem face aos animais: tornamo-nos capazes de “conhecer a Árvore do Bem e do Mal”, tornamo-nos capazes de conhecer a nós mesmos e ao mundo que nos rodeia, tornamo-nos pequenos deuses (e/ou demônios), cada qual capaz de CRIAR PARA SI MESMO o mundo em que vive, ou de recriar, através de um ato de “percepção” e de “interpretação” o seu próprio habitat psicológico elegendo as suas formas (de ser, de pensar, de agir), suas concepções, suas fantasias, suas obras, suas realizações.

Em palavras simples podemos dizer que depende da “escolha” de cada um se vamos estar “de bem” ou “de mal” com o mundo, com a vida e com os outros. Ao realizar este ato - de natureza ONIPOTENTEMENTE divina - perdemos a noção de que, O QUE vemos, mas também O MODO como o vemos (ao mesmo tempo particular e herdado com que cada qual o percebe) é fruto de nossa “interpretação pessoal”. A chamada REALIDADE é, portanto, CONSTRUÍDA pela nossa percepção consciente.

Isto acontece porque nossa percepção é HISTORICAMENTE DETERMINADA, resultando da acumulação de séculos e séculos de contribuições culturais, raciais e familiares. Ela é educada e treinada para “interpretar” de formas prescritas o que somos - assim como aos outros, aos objetos, situações etc. De uma forma bastante imperiosa somos sugestionados (pelo meio cultural e familiar) a acreditar em uma espécie de fofoca - muito bem fundamentada - a respeito de nós mesmos e do mundo. De uma maneira inconsciente limitamo-nos a repetir o que nos é ensinado e percebemos a tudo e a todos dentro de uma ótica; ao mesmo tempo sentida como pessoal e própria mas que é, no fundo, coletiva e social.

Neste transe tão globalizante, não nos apercebemos de que estamos unipolarizados - não nos damos conta do prejuízo psicológico envolvido nisto – e assim, tornamo-nos egocentrados, específicos, singulares, com todo o nosso universo perceptu-al organizado dentro de nosso ponto de vista aparentemente pessoal e particular. Funcionamos como “Cyborgs” programados para respostas prontas diante de qualquer necessidade ou desafio pessoal. Temos assim explicações convenientes para tudo e sentimo-nos racionais, lógicos, inteligentes e coerentes enquanto agimos, pensamos e interpretamos tudo e todos sob nossa ótica pessoal/coletiva. Banimos de nossas controladas e disciplinadas vidas a dúvida, a perplexidade, a aventura perante o Desconhecido. Banimos também, de nossa vida, a possibilidade de crescimento psicológico...

Para completar nosso transe esquecemos, também, de confrontar continuamente nossas concepções com a REALIDADE VIVIDA e, deste modo, não nos damos conta de que o TODO, à nossa volta, não está no compromisso de se submeter às nossas muito PARTICULARES necessi-dades e limites, sequer nos damos conta de que os outros, as situações, o acaso e o destino - e porque não dizer o Universo - não foi avisado de que ele DEVERIA comportar-se direitinho para que não nos sintamos desadaptados, não nos sintamos em conflito com seus sig-nificados e experiências possíveis ou imagináveis.
Quanto a esta INADEQUAÇÃO do sistema explicativo adquirido para compreender o vivido vale a afirmativa:

Se a sua teoria ou modelo explicativo não é capaz de representar a totalidade das experiências e possibilidades da sua vida, então... dane-se a teoria! Em assim não sendo, esforçamo-nos para estreitar o nosso universo de experiência, reduzindo-o a alguma coisa menor, mais pessoal, mais controlável e manipulável, e sobretudo, procuramos manipular e controlar tudo e todos para conter nosso medo e nos proteger contra o Desconhecido, o Amplo, o Inconsciente.

Neste esforço fenomenal (porém não muito útil) enrijecemo-nos , contristamos nossos músculos, fechamo-nos no “mundinho familiar” que conseguimos englobar neste esforço, contentando-nos ou frustrando-nos com nossa própria criação. Nestes momentos, sempre repetidos, nos damos por satisfeitos por ter conseguido o nosso intento: o de reduzir o incomensurável e o desconhecido a algo manipulável e, por outro lado, choramos a liberdade, a aventura e a magia da visão primordial perdidas. A busca humana, de transcendência, é uma das tentativas de compensar estas perdas.

Se é assim no campo pessoal, no coletivo ainda mais se acentua a tendência manipuladora e uniformizadora de nossa época: Por exemplo, de forma humilde, a Ciência (o inventário de certezas da nossa época) tinha que dizer que qualquer teoria vigente é a menos errada para o momento e, no entanto, o que dizem é que estão absolutamente certos a respeito disso e também daquilo - seja o que for...
Simplória presunção que se apoia unicamente na repressão da insegurança do homem perante o desconhecido.

Foi em busca de uma plenitude de visão que os orientais se esforçaram tanto em demonstrar que a percepção humana é plena de ilusões a respeito de nós mesmos e da vida consciente e egóica. Suas práticas e manobras buscam limpar a percepção do homem (de suas ilusões) e reativar o elo com a sua "dimensão perdida", buscando REDESPER-TAR A CONSCIÊNCIA DE MAIA (No filme “O Pequeno Buda” atente-se para aquelas cenas em que Buda descobre um novo caminho através de uma frase de um barqueiro e quando ele, em profunda meditação, acalma a “tempestade de imagens mentais” que o assolam e finalmente conversa com aquele que é chamado de “Arquiteto”, sob uma Grande Árvore (por si mesma outro símbolo arquetípico).
A percepção da ação e da presença dos Opostos em nossa vida psicológica é o primeiro passo, na caminhada da consciência em busca do autoconhecimento.

NINGUÉM que seja unipolarizado pode perceber com clareza nem a si mesmo nem a ninguém. Conseguir clareza e abertura de visão para a compreensão do OUTRO é um desafio portentoso para os nossos EGOS (Arquitetos da Realidade), acostumados que estão em se deixar hipnotizar pelas suas próprias “criações”.
Confrontamos o mundo que nos chega com nossos “próprios e pessoais” pontos de vista (com origem nas experiências individuais ou coletivas) e, no mais das vezes, rejeitamos tudo aquilo que não nos sirva, tudo aquilo que seja diferente, não familiar, desconhecido, estranho, incompreensível...

A história da humanidade é a história de um combate incessante (guerras) entre antagonismos e separativismos egóicos - o que quer dizer, preconceitos de percepção e de julgamento oriundos da experiência pessoal (ou grupal), mas também predisposições de ser, sentir, pensar e agir de origem social (familiar / coletiva) - Estas são adquiridas, por imitação, nos lugares em que cada qual nasceu e se criou.
Através do empenho, sempre redobrado, de nossa consciência, vale o esforço para transcendermos estes “pontos de vista locais”, do nosso sistema de crenças adquirido e um dos mais altos degraus do entendimento é o de CONSEGUIR RELATIVIZA-LO. É preciso um esforço individual para conseguir acordar deste TRANSE COLETIVO.

Em alguns sentidos este é o ÚNICO RECURSO PALPÁVEL que a nossa consciência tem - e terá - para aplacar o acirramento dos ânimos e possibilitar a convivência dentro do âmbito de qualquer coletividade humana, hoje e sempre. Contudo, como se observa, assim que se desenvolvem e se estabelecem estes “folclores perceptivos”, surgem os inevitáveis nacionalismos, os antagonismos de natureza racial, classista, política ou religiosa.

Assim, rejeitamos - “COM A MAIOR NATURALIDADE” - possibilidades de experiência, valores, estéticas, concepções, visões, expressões artísticas e vivências que não tivemos pessoalmente e que, em assim sendo, não podemos compreender, nem aceitar, nem entender ou nem mesmo tolerar...

Não apenas rejeitamos “concepções”, mas pessoas, instituições, raças, práticas religiosas, teorias e/ou sistemas políticos, torcedores do time adversário, soldados do exército inimigo, nosso cônjuge, nossos familiares, nossos ex-amigos...
Ao nos afastarmos daquilo que nos incomodou, ao rejeitarmos sua existência e seu sentido, podemos assumir duas posições antagônicas a saber:
1) A passiva, que se traduz pelo reflexo de nos afastar do es-timulo desagradável e
2) A ativa, que nos leva a atacar e destruir o objeto, pessoa ou instituição ameaçadora (....da santa paz de Deus em nossas vidas).

O fato é que o mesmo se passa, tanto na esfera pessoal quanto na esfera maior, mais ampla, COLETIVA, abarcando um horizonte mais extenso, porém sempre se estabelece uma FRONTEIRA PSICOLÓGICA onde se delimita o FAMILIAR e, para além dela (e também DEVIDO a ela), reside a dimensão do OUTRO, do diferente, do ameaçador, do inimigo; pois é assim, DE FORMA EMOCIONALMENTE NEGATIVA, que são percebidas (e julgadas) as Polaridades Opostas àquelas com as quais nos identificamos.
Se assim é, no âmbito pessoal, também assim se comporta a CONSCIÊNCIA UNIPOLARIZADA perante o OUTRO. Quer este OUTRO seja um cônjuge, um outro tipo psicológico, um país ou uma organização oponente o mesmo fenômeno se repete. De ambos os lados de qualquer contenda ou conflito humano existem, no mínimo, dois indivíduos absolutamente convictos de possuírem TODA a razão.

Não me consta que se possa fazer qualquer alteração ou manipulação psicológica nos conflitos entre grupos, países ou raças, então, por enquanto o objeto que pode ser “tratado e curado” é o modo como cada indivíduo se propõe a comportar-se (se de modo totalitário ou democrático, por exemplo) nas relações interpessoais. A grande evolução começará individualmente e se tornará grupal na medida em que MUITOS acordarem do transe egóico.

Diante de cada um de nós se descortinam horizontes de experiências evolutivas através dos RELACIONAMENTOS nos quais nos envolvemos, suas decorrências naturais, seus palcos, suas ce-nografias, seus papéis, suas características de espaço e tempo historicamente determinados.

A possibilidade de viver uma aventura psicológica desta magnitude depende, é claro, de que a gente aceite o desafio. Este é um campo de experiência viva e acessível a qualquer um que queira se dispor a evoluir para além do plano meramente egóico.

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