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Golpe de Estado na Psique

  Por: Luís Vasconcellos

Enquanto o Ego primitivo sentia-se unido/participante das demais forças e instâncias da psique, o Homem sentiu-se participando do paraíso original. No momento em que, na história da humanidade, acabamos expostos ao paradoxo de separar os pares de opostos, de Bem e do Mal, de Homem e Mulher, de Masculino e Feminino... Neste momento desperta a consciência egóica da humanidade e ela nunca mais será UMA com o Criador (na inconsciência de sua própria existência, como os animais). Isto posto, o desafio moderno e futuro é o de desenvolver uma sintonia com o criador, mas não mais como submissão inconsciente às suas leis e regulamentos e, sim, através de ser capaz de comungar com o sentido e o propósito da vida, de cuja existência desconfiamos, porém sem poder explicá-la ou prová-la.
O golpe de Estado na Psique não está para ocorrer, ele já ocorreu - no momento em que surgiu e subiu ao poder o Ego Ditador - e agora temos que ser capazes de restituir ao plano psíquico algum Equilíbrio, Harmonia, Totalidade, Plenitude, Paz... Não como ele foi no passado, mas algo de realmente novo, diferente, transformado...

A existência dos pares de opostos complementares é indiscutível, pois pertence ao vivido assim como o respirar, o comer, a sexualidade, Vida e Morte, Prazer e Dor, Deus e o Diabo, Bem e Mal; todos no mesmo nível de importância...
Também me parece indiscutível a necessidade que o Ego Humano tem, de quebrar o par de opostos, para poder funcionar a contento... Chamo a isto de Identidade Parcial do Ego e abordo este tema mais a fundo em outro artigo aqui mesmo neste. portal.
O ego separativo esqueceu-se progressivamente da experiência de união com o universo e com o mundo. Este tipo de “força separativa” veio crescendo aos poucos (como nunca!), na história da humanidade, nos últimos quatro ou cinco séculos.
Este processo traduz algo de muito importante para o desenvolvimento da espécie humana, contudo ninguém escapará dos exageros e desequilíbrios desta posição/atitude específica diante da vida, a menos que desperte sua consciência individual para a compreensão do processo que está em curso...
Talvez fosse justo, com a espécie humana em geral, se ela se autodenominasse “Homo talvez Sapiens” e a palavra “talvez” poderia ser outra como “possivelmente” ou “eventualmente” o que jamais acontecerá devido à arrogância típica das classificações e dos preconceitos altamente elaborados da mentalidade européia do passado e de agora (que acredita piamente no absolutismo da lógica e na objetividade do raciocínio linear).
Contudo, uma denominação como esta FALTARIA BEM MENOS COM A VERDADE!

Na modernidade estamos enfrentando os desafios e defeitos deste tipo de mentalidade. Já que todo o empenho foi colocado em algo que poderíamos chamar de INDIVIDUAL (em termos europeu/ocidentais), o que vivemos - na prática - é a submissão/desaparecimento da pessoa humana no plano COLETIVO.

É o par de opostos negado (Coletivo) no âmbito individual que, na verdade, comanda os rumos do processo e detém o poder de ditar caminhos e escolhas.
Falamos e sentimos como EU, eu, eu e eu, porém seguimos, inconscientemente, todo tipo e qualidade de regulamento que nos é impingido, como fazem todos os tipos de rebanhos de animais existentes na natureza.

O número de seguidores/conformados é sempre muito superior ao de divergentes/rebeldes...
Hoje valorizamos excessivamente a liberdade e a invenção, idolatramos aqueles que as exerçam, não porque estejamos todos a exercê-la igualmente, mas porque admiramos e invejamos aqueles que tiveram a ousadia de fazê-lo, apesar de todos os regulamentos e prescrições que, sem dúvida, receberam em suas vidas...
Quantos acreditam que a rebeldia é a mais sagrada das forças criativas? E estão todos enganados... Quantos condenam o conformismo como se fosse o maior pecado da existência? Estão também enganados, pois o que nos mata é o desequilíbrio entre os opostos, o que nos torna doentes é a fixação em um dos lados da questão e o vício de repetir indefinidamente o que aprendemos pela experiência, especialmente a de natureza dolorosa. Nossas vidas - apesar de uma possível ideologia rebelde/transformista - estão quase sempre enterradas em conformismo e em hábitos adquiridos, vulgo condicionamentos...

Você alguma vez disse a alguém:
"Eu sou assim e pronto”!!!
"Eu penso assim e assunto encerrado”!!!;
"Você tem que gostar de mim desse jeito”!!!
"Eu sempre fui assim e não vai ser agora que vou mudar”!!!

Nossos heróis, especialmente no cinema, são pessoas que seguem seu instinto, jamais ligando muito para regulamentos e para “pensamentos fixos e indiscutíveis” que poluem a mente da maioria das pessoas comuns. Nos filmes os heróis agem, transformam, fazem valer seus valores pessoais, modificam o mundo e assim por diante... Ou seja: tudo aquilo que parece impossível à pessoa comum.
Justifica-se a idolatria e a inveja sentida, pois, ao contrário da pessoa comum, geralmente presa ao piloto automático, eles (os heróis das histórias e dos filmes) experimentam a liberdade de seguir seu próprio senso de valores quer seja este comungado pelos outros ou não.

Esquecemos, todos, de agradecer ao PLANO INDIVIDUAL das pessoas que ajudaram a transformar o mundo naquilo que ele é hoje... Suas experiências íntimas raramente foram sossegadas, tranqüilas, e sim, conturbadas e tempestuosas...
Amamos/odiamos e idolatramos/repudiamos os seres capazes de criatividade e de individualidade. Ao mesmo tempo assistimos com igual espanto à enorme quantidade de ídolos que não se sustentam em seus processos criativos sendo reabsorvidos pelo plano coletivo através de suas instituições (mídia, empresas, prisões, hospitais, família).
Quantos ídolos criativos morreram muito cedo?
Quantos “divergentes revoltados” se suicidaram antes da primeira metade da vida?
Quantos seres originais e inventivos a própria instituição humana cuidou para que desaparecessem (censura, repressão, reclusão, exílio, expulsão)?

Enquanto a maioria de nós costuma se matar uns aos outros pelos motivos mais estúpidos que se possa imaginar, a minoria consciente (ou quase-consciente!) se esforça por caminhar uma trilha diferente, primeiro por parecer algo ideologicamente válido, depois por descobrir que se trata, na verdade, de uma experiência psicológica e íntima: a da integração das partes em um todo funcional.
Entramos então naquela fase da vida em que a busca de Integração entre a Personalidade e o Inconsciente (experiência/possibilidade humana a que Jung denominou de “O Self”, “o Si mesmo”). Surge então um instinto que aponta a necessidade de integrar as várias partes do Todo, que se encontram esfaceladas na vida do Ego.
Vivemos o mundo das “Partes” e das “Especializações” enquanto a nossa mente se contenta com idéias estanques e conceitos compartimentados.
Passamos a viver o mundo do “Todo” quando somos capazes de ir além do Ego, de ampliar nosso horizonte, antes meramente circunscrito ao mundinho particular. Abre-se então aos nossos olhos míopes, a possibilidade da clareza, da compreensão, da integração e a do perdão...

É a inconsciência de nós mesmos que nos leva a ignorar/repudiar e a não compreender a existência real dos OUTROS (Eu(s), forças, planos, tipos etc.).
É só quando desenvolvemos consciência da existência de nossas particularidades que passamos a almejar algo mais, passamos a querer respirar ares mais limpos (menos poluição mental e mais silêncio interior) e a desejar, de todo coração, atingir aquele grau de consciência a que se denominou “sabedoria” ou “maturidade”. De certo modo, significa “estar acima das picuinhas e preconceitos arraigados do Ego”.
Geralmente significa, em poucas palavras, sair do processo automático da explicação/julgamento/condenação para o “muito mais complexo funcionamento mental” da compreensão e da visão integrativa...

Mas há um transe a ser superado: o transe da prisão ao Ego...
E o mais interessante é que ele tem que morrer, para continuar a existir e a funcionar, porém de um outro modo: Ele então deixará de ser o “Senhor Totalitário” e o “Ditador absolutista”, para se tornar um elemento importante do Reino Psíquico, ao lado de outros, tão importantes quanto ele (ou até mais... vitais).
Sintetizando em uma imagem, digamos, institucional e política, posso dizer: o Ego precisa se redimir e entregar o poder ao Senhor (o Self, o centro da psique) passando a cumprir a função de ministro, general, comandante (do Executivo, principalmente)... E é aí que a maioria de nós sucumbe e surge a frustração de não ter sido capaz de se deixar conduzir a uma real transformação...

P.S.: Convém lembrar aqui que esta experiência (a da Integração Personalidade/Inconsciente) não é do tipo que “cai do céu” e pode ser obtida “de mão beijada” ou “por obra e graça do Senhor” e sim, do tipo que exige anos de esforços, persistência, consistência na procura e muita (mas muita mesmo!) busca...
Uma psicoterapia que persiga o firme propósito de ativar potenciais emergentes também pode ajudar...
Se, cumpridos estes pré-requisitos, você também for dotado de um pouco de sorte, então estará tudo resolvido e não há o que temer...

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