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Religiosidade
Sob o Ponto de Vista Psicológico
Por: Luís Vasconcellos
A religiosidade é uma experiência de contato com o
inconsciente profundo, quando EXPERIMENTAMOS que há uma força que a tudo
une, que a tudo estrutura, e que esta força tem meios, às vezes
misteriosos, de compor a natureza (o universo do qual fazemos parte). Não
se trata de uma outra consciência, mas sim de processos energéticos
naturais e que fogem à nossa compreensão... Neles nos encontramos
inseridos e enquanto inconscientes deles, nada nos resta senão seguir seus
comandos ocultos.
Não nos recusemos a lembrar que a humanidade viveu, por milhares de anos,
inteiramente submissa ao pensamento silencioso e não verbal.
Para transmitir a "sabedoria vivida e não verbal" o homem primitivo criou
sagas e epopéias que, como modo cerimonioso e ritualístico tiveram seu
ápice - como estilo de se transmitir conhecimento - em um período em que a
transmissão do conhecimento era basicamente oral, na ausência da escrita
formal.
Os rituais associados à religiosidade eram comumente não verbais, gestuais
e cerimoniais. Esta "transmissão de informação" se dava sempre através da
criação de uma situação piloto (ritualística), onde se reunia a
comunidade, para comungar de um estado de consciência; atingido, até
então, pelos "ancestrais sábios e maduros" e pelos responsáveis pela
continuidade e preservação da cultura e da tradição do povo.
Deste modo, se fazia com que as crianças (e adultos em geral) se sentissem
"pertencendo" ao todo, à comunidade, à cultura local, em um estado de
sintonia e de sincronia.
Todos os envolvidos nesta experiência comungavam, então, daquelas
"compreensões do vivido" explicitadas pelos rituais, danças e cantos.
MELHOR E MAIS PROFUNDAMENTE COMUNGAVAM, DA CERIMÔNIA, TODOS AQUELES
CAPAZES DE "ENTENDIMENTO" DO SENTIDO E DO VALOR VIVENCIAL IMPLÍCITO
NAQUELE RITUAL CERIMONIAL.
Rituais mágicos, lendas e mitos foram construídos, ao longo do tempo, por
pessoas ou comunidades inteiras, traduzindo, no mais das vezes, uma
construção coletiva, carregada de especificidades culturais e históricas,
pois nada modificará o fato de serem homens EXPERIENTES interpretando o
vivido a partir de seus recursos específicos, biológica e geneticamente
herdados. Em todas as culturas, de todas as épocas, as cerimônias
religiosas (alegóricas, servindo-se da parábola e estabelecendo uma
analogia com a vida) foram muito importantes, de forma a poder abordar
temas complexos, sem se perder em um "processo discursivo e explicativo",
tão mais comum nos dias de hoje.
Foi um passo realmente grandioso - o do desenvolvimento e do exercício do
pensamento
discursivo/linear/dirigido - mas não devemos nos enganar quanto ao fato de
que o pensamento silencioso está por trás de tudo que tornamos
lógico/formal/dirigido. Qualquer construção mental do cérebro moderno
também se baseia, quando não se origina, em estruturas cerebrais mais
antigas.
Na medida em que crescemos em consciência e nos apercebemos sabendo algo
mais sobre a natureza e funcionamento destes processos, descobrimos a
alegria de confiar, a de se entregar e a de participar mais ativamente de
processos mais amplos do que o nosso simples universo pessoal. Aprendemos
o prazer de comungar com as forcas impessoais que influem sobre o nosso
"caminhar" nesta terra. Podemos, com o tempo e a experiência, aprender a
cooperar com o sentido e a direção que a energia psíquica aponta e, assim,
nos tornamos mais disponíveis às demandas e solicitações inconscientes ou,
como diriam os "antigos": seguindo a vontade divina.
Esta forte conexão (com o Inconsciente) se manifestou (e se manifesta) de
inúmeras maneiras, através de mitologia/religião/práticas mágicas e a
correspondente, e conseqüente, construção de uma visão de mundo, na qual o
homem se via (vê) uno com Deus, uno com a Natureza, como um elemento
integrante de um todo.
Devíamos chamar de consciência apenas a esta força aglutinadora que nos
permite congregar UM OLHAR para o mundo exterior, a UMA ABERTURA para o
mundo íntimo, com a intenção de encontrar ou desenvolver algo "sábio" para
fazer, para dizer ou para ser. Quando nos ligamos a esta dimensão
integradora atingimos o estado da razão e não mais somos vítimas da
racionalização, dos métodos explicativos ou das "receitas" que estão
espalhadas por todo lado. Quando isto acontece aprendemos não O QUÊ
PENSAR, mas a PENSAR...
O que nos faz COMPLETAMENTE HUMANOS é a possibilidade - raramente exercida
- de entender / compreender tanto as demandas (necessidades, carências,
pressões) externas quanto as internas. Necessitamos DESENVOLVER E ATIVAR
uma função central, uma função que seja orientadora e que nos faça ter que
responder tanto às demandas externas - originadas no nosso meio externo -
quanto às internas - originadas em nosso processo psicológico vital.
Nós só devíamos chamar de CONSCIÊNCIA aquela função capaz de lidar não
apenas com uma, mas com ambas as dimensões de nós mesmos. Religiosidade é
uma experiência que se dá na "ponte de ligação" com o INCONSCIENTE e a
CONSCIÊNCIA precisa abdicar de falsos conceitos a respeito de si própria e
livrar-se das ilusões de poder e de controle sobre si mesma e sobre o
mundo percebido (filtro percebedor / intencionalidade).
Quem entende, POR EXEMPLO, o que os sonhos querem dizer?!?!??
O psicólogo que trabalha com sonhos nota que temos MAIS DE UMA dimensão
ativa dentro de nosso processo de CONSCIÊNCIA. Os pares de opostos estão
sempre presentes nos sonhos e os sonhos muitas vezes assumem uma
polarização compensatória para com as identificações do consciente. Com o
predomínio - aliás excessivo - do "piloto automático" que é como parece
funcionar o nosso plano consciente individual, a nossa possibilidade de
atingir o SABER por nossos próprios meios, torna-se tímida e insegura,
apequenada e retraída.
Tirar o Plano Consciente dos estreitos ALCANCES, em que ele limitou,
historicamente, o seu funcionamento, constitui boa parte do trabalho
terapêutico. É necessário, senão imprescindível, dar à CONSCIÊNCIA
EMERGENTE uma OUTRA interpretação, mais expansiva; dar novos "ares" para
respirar e acrescentar mais energia vital para movimentar. Isto, claro, só
ocorre depois de serem eliminados alguns gastos inúteis de preciosa
energia psíquica, que se esvai em conflitos insolúveis e dissonâncias
desnecessárias.
O processo conceitual consciente é inadequado para a compreensão do que se
passa na ponte entre o consciente e o inconsciente. Os conceitos emanados
do consciente servem à sua defesa renitente mais do que a uma integração
com o inconsciente.
Este tipo de pensamento (Consciente), na sua recém conquistada autonomia,
ainda sente, como muito viva, a ameaça de se ver, a qualquer momento,
reabsorvido pelos processos de um pensamento vitalizado pelas forças do
plano Inconsciente. Este é o perigo de todos: cair na tentação de
defender-se do contato com o processo inconsciente propriamente dito - sua
"vida autônoma" - seu modo escorregadio de atuar e sua relativa
imprevisibilidade...
A força do pensamento discursivo, controlador, manipulativo e dirigido do
homem gerou todo tipo de técnica, gerou domínio sobre o planeta e sobre a
matéria, mas também gerou uma espécie de orfandade psíquica, pois o homem
moderno sente-se cada vez mais desvinculado da natureza, do universo e de
si mesmo.
A necessidade do homem, de projetar-se no desconhecido, é inesgotável e é
a mesma que o homem sente, de revelar o oculto e de desbravar reinos, que
estão além da compreensão do seu pensamento consciente/lógico/discursivo.
Sempre haverá este choque. Por mais que expliquemos tudo e todos em nosso
familiar mundo, basta levantarmos os olhos e veremos o imenso desconhecido
diante de nós.
Do mesmo modo basta que abandonemos os estreitos limites do nosso
pensamento racional e discursivo para que possamos descortinar horizontes
amplificados, de pensar e de interpretar o mundo, e que apontam o que está
além daquilo que a gente possa explicar.
O mundo, conforme construído sob a perspectiva estrita do Pensamento
Dirigido nos traz algum conforto, porém aí reside o perigo - o de ficarmos
presos a concepções "familiares e convenientes" e assim nos afastarmos do
horizonte que nos aguarda, para além das fronteiras confortáveis das
construções e explicações que nutrimos a respeito de nós mesmos, a
respeito do que somos, nossas origens e o POSSÍVEL SENTIDO ou FINALIDADE
da existência humana.
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