|
Platão
Por: Carlos Antonio Fragoso
Guimarães
Platão,
cujo verdadeiro nome era Aristócles, nasceu em Atenas, em 428/427 a.C., e
lá morreu em 347 a.C. Platão é um nome que, segundo alguns, derivou de seu
vigor físico e da largueza de seus ombros (platos significa
largueza). Ele era filho de uma abastada família, aparentada com famosos
políticos importantes, por isso não espanta que a primeira paixão de
Platão tenha sido a política.
Inicialmente, Platão parece ter sido discípulo de Crátilo, seguidor de
Heráclito, um dos grandes filósofos pré-Socráticos. Posteriormente, Platão
entra em contato com Sócrates, tornando-se seu discípulo, com
aproximadamente vinte anos de idade e com o objetivo de se preparar melhor
para a vida política. Mas os acontecimentos acabariam por orientar sua
vida para a filosofia como a finalidade de sua vida.
Platão tinha cerca de vinte e nove anos quando Sócrates foi condenado à
beber o cálice de cicuta (veneno fortíssimo). Ele havia acompanhado de
perto o processo de seu mestre, e o relata na Apologia de Sócrates.
O fato de Atenas, a mais iluminada das cidades-estados gregas, ter
condenado à morte "o mais sábio e o mais justo dos homens" - como falara
mediunicamente o oráculo de Apolo, em Delfos - lhe deixou marcas profundas
que determinariam as linhas mestras de toda a sua atividade de filósofo.
Acredia-se que todas, ou uma boa parte da obra de Platão nos chegou
inteira. Além de cartas e da Apologia de Sócrates, Platão escreveu
cerca de trinta Diálogos que têm sempre invariavelmente Sócrates
como protagonista. Nestas obras excepcionais, Platão tenta reproduzir a
magia do diálogo socrático, imitando o jogo de perguntas e respostas, com
todos os meandros da dúvida, com as fugazes e imprevistas revelações que
impulsionam para a verdade, sem, contudo, revela-la de modo direto. O
motivo pelo qual sua obra nos chegou praticamente intácta reside no fato
de Platão ter fundado uma escola que se tornou famosa, e que era dedicada
ao herói Academos. Daí o nome Academia.
Platão foi o responsável pela formulação de uma nova ciência, ou, para ser
mais exato, de uma nova maneira de pensar e perceber o mundo. Este ponto
fundamental consiste na descoberta de uma realidade causal supra-sensível,
não material, antes apenas esboçada e não muito bem delineada por aluguns
filósofos, embora tenha sido um pouco mais burilada por Sócrates. Antes de
Sócrates, era comum tentar-se explicar os fenômenos naturais a partir de
causas físicas e mecânicas. Platão observa que Anaxágoras, um dos
pré-socráticos, tinha atinado para a necessidade de introduzir uma
Inteligência universal para conseguir explicar o porquê das coisas, mas
não soube levar muito adiante esta sua intuição, continuando a atribuir
peso preponderante às causas físicas. Entretanto, se perguntava Platão,
será que as causas de caráter físico e mecânico representam as
"verdadeiras causas" ou, ao contrário, representam simples "concausas", ou
seja, causas a serviço de causas mais elevadas? Não seria o visível fruto
de algo mais sutil?
Para encontrar a resposta às suas dúvidas, Platão empreendeu aquilo que
chamou simbolicamente de "a segunda navegação". A primeira navegação seria
o percurso da filosofia naturalista. A segunda navegação seria a
orientação metafísica de uma filosofia espiritualista, do inteligível. O
sentido do que seja essa segunda navegação fica claro nos exemplos dados
pelo próprio Platão.
Se se deseja explicar por que uma coisa é bela, um materialista diria que
os elementos físicos como o volume, a cor e o recorte são bem
proporcionais e causam sensções prazerosas e agradáveis aos sentidos. Já
Platão diria que tudo isso seria apenas qualidades que evocariam uma
lembrança de algo ainda mais belo, vista pela alma no plano espirtiual,
mas que não está acessível ao plano físico. O objeto seria apenas uma
cópia imperfeita, por ser material, de uma "Idéia" ou forma pura do belo
em si.
Vejamos um outro exemplo:
Sócrates está preso, aguardando a sua condenação. Por que está preso? A
explicação mecanicista diria que é porque Sócrates possui um corpo
corpulento, composto de ossos e nervos, etc, que lhes possibilitam e lhe
permitiram locomover-se e se deslocar por toda a vida, até que, por ter
cometido algum erro, tenha-se dirigido à prisão, onde lhe sejam postas as
amarras. Ora, qualuer pessoa sabe a simplificação desse tipo de argumento,
mas é justamente assim que falam o materialistas-mecanicistas até os dias
de hoje. Mas este tipo de explicação não oferece o verdadeiro "porquê", a
razão pela qual Sócrates está preso, explicando apenas o meio pelo qual
pode uma pessoa ser posta num cárcere devido ao seu corpo. Explica o ato,
descrevendo-o, e não suas causas. A verdadeira causa pela qual Sócrates
foi preso não é de ordem mecânica e material, mas de ordem superior, da
mesma forma que um computador não executa um complexo cálculo matemático
pela ação de seus componentes em si, mas devido a algo de ordem superior e
mais abstrato: o seu programa, o software. Sócrates foi condenado
devido a um julgamento de valor moral usado a pretexto de justiça para
encobrir ressentimentos e manobras políticas das pessoas que o odiavam.
Ele, Sócrates, decidiu acatar o veredicto dos juízes e submerter-se à lei
de Atenas, por acreditar que isso era o correto e o conveniente, pois ele
era cidadão de Atenas, mesmo ciente da injustiça de sua condenação. E, em
conseqüência disto, dessa escolha de ordem moral e espritual, ele,
em seguida, moveu os músculos e as pernas e se dirigiu ao cárcere, onde se
deixou ficar prisioneiro.
A segunda navegação, portanto, leva ao conhecimento de dois níveis ou
planos do ser: um, fenomênico e visível (a nível do hardware, como
diríamos em linguagem de computação); outro, invisível e metafenomênico,
(a nível do software), inteligível e compreensível pela razão e
pela intuição.
Podemos
afirmar, como falam Reale & Antiseri, que a segunda navegação platônica
constitui uma conquista e assinala, ao mesmo tempo, a fundação e a etapa
mais importante da história da metafísica. Todo o pensamento ocidental
seria condicionado defintiviamente por essa "distinção" entre o físico (o
hardware) e o causal (o software, a ordem implicada que
causa a ordem explicada), tanto na medida da sua aceitação quanto de sua
não aceitação através da história. Se ela não é aceita, a pessoa que não a
aceita terá de justificar a sua não aceitação, gerando uma polêmica que
continuará dialeticamente a ser condicionada ao fato de que existe - ao
menos filosoficamente - algo que se chama metafísica.
Só após a "segunda navegação" platônica é que se pode falar de material e
espiritual. E é à luz dessas categorias que os físicos anteriores a
Sócrates, e muitos físicos modernos, podem ser tachados e materialistas,
mas agora a natureza não pode mais ser vista como a totalidade das coisas
que existem, mas como a totalidade das coisas que aparecem. Como diria o
Físico David Bohm, a ordem explícita é apenas conseqüência de uma ordem
implícita, superior e invisível. O "verdadeiro" ser é constituído pela
"realidade inteligente" e "inteligível" que lhe é transcendente.
O Mito da Caverna
É o próprio
Platão quem nos dá uma idéia magnifica sobre a questão da ordem implícita
e explícita no seu célebre "Mito da Caverna" que se encontra no
centro do Diálogo A República. Vejamos o que nos diz Platão,
através da boca de Sócrates:
Imaginemos homens que vivam numa caverna cuja entrada se abre para a luz
em toda a sua largura, com um amplo saguão de acesso. Imaginemos que esta
caverna seja habitada, e seus habitantes tenham as pernas e o pescoço
amarrados de tal modo que não possam mudar de posição e tenham de olhar
apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede. Imaginemos ainda que,
bem em frente da entrada da caverna, exista um pequeno muro da altura de
um homem e que, por trás desse muro, se movam homens carregando sobre os
ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira, representando os mais
diversos tipos de coisas. Imaginemos também que, por lá, no alto, brilhe o
sol. Finalmente, imaginemos que a caverna produza ecos e que os homens que
passam por trás do muro estejam falando de modo que suas vozes ecoem no
fundo da caverna.
Se fosse assim, certamente os habitantes da caverna nada poderiam ver além
das sombras das pequenas estátuas projetadas no fundo da caverna e
ouviriam apenas o eco das vozes. Entretanto, por nunca terem visto outra
coisa, eles acreditariam que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas
de objetos reais, eram a única e verdadeira realidade e que o eco das
vozes seriam o som real das vozes emitidas pelas sombras. Suponhamos,
agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das correntes que o
prendem. Com muita dificuldade e sentindo-se frequentemente tonto, ele se
voltaria para a luz e começaria a subir até a entrada da caverna. Com
muita dificuldade e sentindo-se perdido, ele começaria a se habituar à
nova visão com a qual se deparava. Habituando os olhos e os ouvidos, ele
veria as estatuetas moverem-se por sobre o muro e, após formular inúmera
hipóteses, por fim compreenderia que elas possuem mais detalhes e são
muito mais belas que as sombras que antes via na caverna, e que agora lhes
parece algo irreal ou limitado. Suponhamos que alguém o traga para o outro
lado do muro. Primeiramente ele ficaria ofuscado e amedrontado pelo
excesso de luz; depois, habituando-se, veria as várias coisas em si
mesmas; e, por último, veria a própria luz do sol refletida em todas as
coisas. Compreenderia, então, que estas e somente estas coisas seriam a
realidade e que o sol seria a causa de todas as outras coisas. Mas ele se
entristeceria se seus companheiros da caverna ficassem ainda em sua
obscura ignorância acerca das causas últimas das coisas. Assim, ele, por
amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo da
ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é
recebido como um louco que não reconhece ou não mais se adpata à realidade
que eles pensam ser a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles
o desprezariam....
Qualquer semelhança com a vida dos grandes gênios e reformadores de todas
as áreas da humanidade não é mera coincidência.
Voltar para
Filósofos -
Voltar para Pagina Inicial
|