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Carl R. Rogers e a Abordagem Centrada no Cliente

   Por: Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Destacado pioneiro no desenvolvimento da chamada Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia - segundo a classificação de Abraham Maslow -, Carl R. Rogers (1902-1987) foi um dos principais responsáveis - embora quase nunca se fale nisso - pelo acesso e reconhecimento dos psicólogos ao universo clínico, antes dominado pela psiquiatria médica e pela psicanálise - que, nos EUA, era exercida exclusivamente por médicos até bem pouco tempo atrás. Sua postura enquanto terapêuta sempre esteve apoiada em sólidas pesquisas e observações clínicas, podendo-se, sem sombra de dúvida, dizer que o campo de pesquisas objetivas voltadas para o referencial teórico da Abordagem Centrada na Pessoa é formado por um número considerável de trabalhos, indo mesmo além que o número de pesquisas feitas sobre muitas outras abordagens, incluindo a psicanálise (Rogers & Kinget, 1977; Hart & Tomlinson, 1970; Hall & Lindzey, 1993).

Nascido em Oak Park, Ilinois, EUA, em 8 de janeiro de 1902, Carl Ranson Rogers era o filho do meio de uma grande família protestante, onde os valores tradicionais e religiosos (quase fundamentalistas), juntamente com o incentivo ao trabalho duro eram amplamente cultivados. Aos doze anos, Rogers e sua família mudam-se para uma fazenda, onde, em terreno tão fértil e estimulante, passou a se interessar por agricultura e ciências naturais. Posteriormente, na universidade, Rogers se dedicaria, inicialmente, ao aprofundamento de seus estudos em ciências físicas e biológicas. Logo após graduar-se na Universidade de Wisconsin, em 1924, Rogers passou, como era de se esperar diante das espectativas de sua família, a frequentar o Seminário Teológico Unido, em Nova York, onde, felizmente, recebeu uma liberal visão filosófica da religião. Transferindo-se para o Teachers College da Columbia University, foi introduzido na psicologia. Nesta mesma universidade obteve seus títulos de Mestre, 1928, e Doutor, 1931. Suas primeiras experiências clínicas, calcadas na tradição behaviorista e, ainda mais, psicanalista, foram feitas como interno do Institute for Child Guidance, onde sentiu a forte ruptura entre o pensamento especulativo freudiano e o mecanicismo medidor e estatístico do behaviorismo.

Depois de receber seu título de Doutor, Rogers passou a fazer parte da equipe do Rochester Center, do qual passaria a ser diretor. Neste período, Rogers muito tirou das idéias e exemplos de Otto Rank, que havia se separado da linha ortodoxa de Freud.

Foi trabalhando em Rochester que Rogers atingiu novos insights e percepções do tratamento psicoterpêutico que lhe liberou da forte amarra cadêmica e concentual que havia (e ainda há) no ensino e prática da piscologia:


A equipe era eclética, constituída de elementos de várias procedências, e nossas discussões sobre métodos de tratamento baseavam-se na nossa experiência pessoal diária com nossos clientes (crianças, jovens e adultos). Era o princípio de um esforço transdisciplinar que muito significou para mim, e com o qual podíamos descobrir a ordem que existe em nossas experiências ao trabalhar com pessoas (...)" (Rogers, 1977).

Em 1949, Rogers passou a ocupar a cátedra de Psicologia da Universidade de Ohio. Por ter passado muito tempo envolvido diretamente com a clínica, a passagem para o meio acadêmico foi muito dura para ele. Ficou claro que, durante seu trabalho ativo com clientes, ele tinha atingido novas formas de pensar a prática psicoterapêutica que eram muito diferentes das abordagens acadêmicas convencionais. De todo modo, as críticas iniciais a que foi submetido e o interesse que os estudantes demonstravam em sua teoria compeliu-o a explanar melhor seus pontos de vista, resultando uma série de livros, principalmente Counseling and psychoterapy (1942).

Em 1945, Carl Rogers tornou-se professor de Psicologia na Universidade de Chicago e secretário executivo do Centro de Aconselhamento Terapêutico, quando elaborou e definiu ainda mais seu método de terapia centrada no cliente, a partir do legado de outros teóricos, principalmente Kurt Goldstein (c.f. a home page Psicologia Holística), formulando uma teoria da personalidade e, ainda mais importante para o destaque de seu trabalho, conduzindo pesquisas sobre psicoterapia, o que muito pouco era feito com relação à abordagem do momento, a Psicanálise (Hall & Lindzey, 1993; Rogers, 1951; Rogers & Dymond, 1954).

Em 1957, Rogers passa a ensinar na Universidade em que se graduou, Winconsin, até 1963. Durante esses anos, ele liderou um grupo de pesquisadores que realizou um brilhante estudo intensivo e controlado, utilizando a psicoterapia centrada com pacientes esquizofrênicos, obtendo, em alguns pontos, muito material sobre a relação terapêutica e muitos outros dados de interesse científico, em termos estatísiticos, com estes e com seus familiares. De qualquer modo, foi o início de uma abordagem mais humana junto aos pacientes hospitalares.

Desde 1964, Rogers associou-se ao Centro de Estudos da Pessoa, em La Jolla, Califórina, entrando em contato com outros teóricos humanistas, como Maslow, e filósofos, como Buber e outros. Rogers passou a ser agraciado por muitos psicólogos pelo seu trabalho científico, e atacado por outros, que viam nele e em sua teoria uma abordagem tola e/ou perigosa para o status e o poder que tinham, principalmente nos meios médicos que se viram forçados a reconhecer, à custas das inúmeras pesquisas sérias levadas por Rogers e seus auxiliaraes, que o psicólogo pode ter tanto ou mais sucesso no tratamento piscoterapêutico quanto um psiquiatra ou psicanalista... É duro para a medicina perder um espaço que lhe diminui o poder político e mítico sobre a visão que dela têm as pessoas comuns.

Rogers foi, por duas vezes, eleito presidente da Associação Americana de Psicologia e recebeu desta mesma associação os prêmios de Melhor Contribuição Científica e o de Melhor Profissional.

Rogers morreu ativo, em 1987, aos 85 anos de idade.

O posicionamento filosófico de Rogers, e sua perspectiva e visão do ser humano foram bastante avançadas para a sua época, pois apresentam um entendimento altamente holista e sistêmico do homem, que fica estremamente claro em seus livros, e, em resumo, nesta passagem de Liberdade para aprender:


Sinto pouca simpatia pela idéia bastante generalizada de que o homem é, em princípio, fundamentalmente irracional e que os seus impulsos, quando não controlados, levam à destruição de si e dos outros. O comportamento humano é, no seu conjunto, extremamente racional, evoluindo com uma complexidade sutil e ordenada para os objetivos que o seu organismo, como um todo sistêmico, se esforça por atingir. A tragédia, para muitos de nós, deriva do fato de que as nossas defesas internas nos impedirem de surpreender essa racionalidade mais profunda, de modo que estamos conscientemente a caminhar numa direção, enquanto organicamente caminhamos em outra".

É extremamente interessante que Rogers se refira à lógica do organismo como um todo, intuindo um tipo de racionalidade orgânica que é muito mais sutil e mais profunda que o tipo de racionalidade intelectual e linear que ordinariamente se põe como a única coisa digna deste termo, racionalidade, e que, via de regra, se resume à capacidade de reter algumas informações ou habilidades técnicas, adestradas a partir da educação formal. Nisto, podemos lembra a célebre citação de Pascal de que "O Coração possui razões que a própria razão desconhece".

É este tipo de sabedoria interna ao organismo que se expressa no equilíbrio ecológico de todo o sistema vital do planeta. Assim como no amplo espectro do leque natural, a mesma racionalidade implícita à vida se expressa no homem, como tendência à auto-atualização, que é a tendência natural do organismo para atingir um grau de maior harmonia dinâmica interna e externa, exercitando suas potencialidades adaptivas de acordo com o seu desenvolvimento global junto ao meio em que vive. Diz Rogers: "É este impulso que é evidente em toda vida humana e orgânica - expandir-se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer - a tendência a expressar e ativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou o self" (c.f. Fadiman &Frager, 1986, p. 229). Desta forma, Rogers e sua teoria está inteiramente conforme à nova visão holística, ecológica, organísmica e sistêmica, dentro dos novos paradigmas orgânicos que surgem nas ciências físicas e biológicas, indo muito além do reducionismo simplista do Behaviorismo, ou do determinismo mecanicista da psicanálise e seu modelo hidráulico da psique humana, ainda muito aceito e comentado devido à mística da abordagem mecanicista na cultura acadêmica, sempre a última a se abrir aos avanços do pensamento humano. Assim mesmo, convém lembrar que Rogers sempre concordou com muitos pontos importantes destas duas escolas, e via em Freud um grande teórico.

Rogers, juntamente com outros teóricos, como Maslow, Goldenstein e outros, está convencido que, tal como ocorre com uma planta que, mesmo em locais insalubres, luta em busca do sol e da vida, embora os meios lhe sejam adversos, nós, os seres humanos, temos um impulso inerente ao organismo como um todo para nos direcionarmos ao desenvolvimento de nossas capacidades tanto quanto for possível, quer sejam físicas, intelectuais ou morais, em conjunto. Embora Rogers não tenha incluido formalmente uma dimensão religiosa ou transcendente em sua formulação da Tendência à Auto-Atualização, ele deixa claro suas percepções deste nível transpessoal em seus últimos livros, particularmente em "Um Jeito de Ser", e a grande aproximação entre seus insights do contato profundo e transcendente no encontro terapêutico com a nova visão de mundo da Física Moderna, que é um ponto comum à Psicologia Transpessoal, que é a abordagem mais sofisticada em termos de psicoterapia, atualmente. De qualquer forma, outros autores, como Campbell e McMahon estederam a teoria rogeriana para descrever alguns aspectos da experiência de percepção transcendental.

De um modo geral, as escolas humanistas de psicologia, na qual se insere o trabalho de Rogers e Maslow, opõem-se às concepções fragmantadoras da visão de homem de outras escolas. É por isso que elas criticam à psicanálise ortodoxa, por esta ter como visão de homem uma concepção semi-animalizada, onde a pessoa é movida muito mais por forças pulsionais ou, como na tradição anglo-saxônica, instinitvas de prazer e agressão, ao qual só por meio de muitas restrições culturais se pode, quando muito, aplicar um certo verniz de civilização e socialização precária, com um inevitável preço de frustrações e de Mal estar na Civilização. Maslow, especialmente, criticou vementemente a psicanálise ortodoxa freudiana por generalizar suas conclusões sobre o ser humano a partir da observação clínica de indivíduos emocionalmente perturbados, do que resultou uma visão pessimista da natureza humana (Maslow, 1993). Os humanistas também se recusam a aceitar a visão do behaviorismo radical de Skinner, que identifica o homem ao robô ou marionete do meio, cuja natureza comportamental é moldada, manipulada e controlada pelo condicionamento ambiental (idéia cara ao capitalismo e à propaganda). Seria um crasso erro, segundo os humanistas, a tendência exagerada a generalizar conclusões obtidas a partir de experimentos - muitos deles crueis e extremamente artificiais - realizados com animais; ou mesmo quando, ao se fazer experimentos com pessoas, ao fato de se reduzir (por princípio de visão de mundo) a aspectos fisiológicos ou outros mecanicistas, perdendo a dimensão psicológica propriamente dita.

Os psicólogos humanistas preferem o estudo do homem em seu potencial mais positivo e a abordar a Psicologia a partir do prisma da saúde e do crescimento psicológico.

Além deste aspecto teórico altamente positivo, a contribuição de Rogers para a psicoterapia é constituida pelos princípios de sua experiência terapêutica denominado propriamente de "Terapia Centrada na Pessoa", onde é de fundamental importância a ênfase na experiência atual, relacionado ao material trazido pelo cliente no momento do encontro terapêutico, e que é ligado à totalidade da experiência subjetiva vivenciada, o que se liga, igualmente, ao amplo oceano fluido e corrente dos sentimentos mais íntimos. Ela se refere ao que se é sentido imediatamente e que é implicitamente significativo para o sentimento que o sujeito experimenta ao ter uma experiência. O terapêuta, assim, age como um facilitador e um espelho para os sentimentos e pensamentos do cliente, que passa a tomar maior consciência e contato com o seu material vivencial, "percebendo" aspectos de sua personalidade e de seus comportamente que lhe escapavam anteriormente. Daí, o cliente, auxiliado pela ajuda terapêutica, acaba por modificar ou amadurecer o conceito que tem de si e, consequentemente, a reavaliar suas estratégias de vida e visão de mundo. No fundo, todo o processo, em seu andamente, é fruto da ação do próprio cliente, de sua imersão ou não no processo terapêutico e de seu grau de investimento no mesmo. Daí o nome "Abordagem Centrada no Cliente ou na Pessoa".

Sendo assim, os principais aspectos da abodagem rogeriana são:

Atenção ao impulso sutil, mas sempre existente, em direção ao crescimento, à saúde e ao ajustamento. A terapia nada mais é que a ajuda para a libertação do cliente em sua busca natural para o crescimento e o desenvolvimento normais.
Maior ênfase aos aspectos afetivos e existenciais, que são muito mais potentes que os intelectuais.
Maior ênfase ao material trazido pelo cliente e à sua situação imediata do que ao passado.
Grande ênfase no relacionamento terapêutico em si mesmo, que constitui um tipo de entidade orgânica que se forma a partir do encontro entre terapêuta e cliente e que, em si, traz uma forte força para a experiência de crescimento de ambos, cliente e terapêuta.

Muito apropriadamente, Rogers usa a palavra "cliente" ao invés do termo "paciente", carregado do ranço mecanicista da abordagem biomédica. Um paciente é visto como alguém doente que se submete à ação ativa de profissionais formados, que são mais "sábios" e competentes que ele mesmo. Um cliente é alguém que deseja um serviço que não pode executar sozinho, mas que está mais em pé de igualdade e, por isso, é menos "incompetente" que o paciente, ou seja, o cliente é visto como uma pessoa inerentemente capaz de entender e atuar sobre a sua própria situação. Há uma igualdade implícita no modelo terapêuta-cliente, que não existe na abordagem mecanicista médico-paciente: "O indivíduo tem dentro de si a capacidade, ao menos latente, de compreender os fatores de sua vida que lhe causam infelicidade e dor, e de reorganizar-se de forma a superar tais problemas". Rogers, portanto, entende a terapia como um processo que leva uma pessoa a descobrir as nuances de seu próprio dliema com o mínimo de ação por parte do terapêuta, que funciona como um espelho para o cliente. A terapia é "a liberação de capacidades já presentes em estado latente (...). Tais opiniões se opõem diretamente à concepção da terapia como uma manipulação, por um especialista, de um organismo mais ou menos passivo" (Rogers & Kinget, 1977, p. 192). Tal aspecto é fundamentalmente diferente da abordagens onde o terapêuta é visto como o "mecânico" apto a "consertar" o problema do "paciente".

Outra extraordinária contribuição de Rogers à psicoterapia foi sua dedicação à dinâmica da psicoterapia de grupo. Rogers compreendeu profundamente que os indívíduos em um grupo deixam-se envolver mais fortemente por um clima terapêutico, e que o grupo, em si, é um organismo, um sistema auto-regulador, onde cada indívíduo é parte fundamental constituinte do todo, ao mesmo tempo que também é um todo em si. Caracteristicamente, todos os grupos de encontro possuem um clima de segurança psicológica que encoraja a expressão de sentimentos à estímulos dos membros do próprio grupo, e abrange sempre o envolvimento afetivo como um todo. O modo como se dá o desenvolvimento do grupo é, quase sempre, imprevisível, mas segue, via de regra, um percurso aut-reguldor e auto-dirigente de uma criatividade impressionante, levando eficazmente a uma atuação terapêutica e cartática grupal, ligando os indíviduos do organismo coletivo, mesmo que haja um amplo amálgama de sentimentos díspares em momentos críticos do encontro coletivo. "Quando o material afetivo significatvo emerge, as pessoas começam a expressar umas às outras seus sentimentos imediatos, tanto positivos quanto negativos" (Fadiman & Frager, 1986, p. 243). Quanto mais expressões emocionais vêm à tona, maior o desenvolvimento da capacidade terapêutica do grupo auto-regulador. "As pessoas começam a fazer coisas que parecem ser de grande auxílio, que ajudam os outros a tomar consciência de sua própria experiência de uma forma não ameaçadora. O que o terapêuta bem treinado aprendeu a fazer durante anos de supervisão e prática, começa a emergir de modo espontâneo da própria situação" (Fadiman & Fragerm, 1986, p. 243-244). Ou seja, Rogers descobriu, em psicoperapia, a mesma tendência sistêmica à auto-organização que os modernos biólogos sistêmicos.

Por tudo isso, está claro que o legado de Rogers é de extrema importância e atualidade, não podendo certos representantes da corrente racionalista dominante, por uma questão simplória de poder, defini-lo como ultrapassado ou superficial. Diante das mazelas de nossa época tecnocrata, onde as coisas estão cada vez pipores em termos de qualidade de vida, não pode alguém que se diz representante de uma abordagem com 102 anos se arvorar como sabedor de toda a verdade, pois, apesar dela, o mundo está cada vez pior. Neste momento, o aspecto existencial e otimista da Psicoterapia Centrada no Cliente parece ser um método altamente positivo para nossa saúde psíquica. Cabe ao tempo, enfim, confirmar ou não tudo isso.

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