Por: Flávio Gikovate
Aprendemos a pensar sobre as amizades como sendo um forte
elo emocional entre pessoas do mesmo sexo, que se caracteriza pela ausência de
interesse sexual, ao menos de forma explícita. Por essa perspectiva, a amizade
corresponderia ao fenômeno do amor, livre de ingredientes eróticos. Qualquer
intromissão do tipo seria fatal. A amizade desapareceria, transformando-se em
relacionamento amoroso.
Cabe registrar o caráter extremamente dramático
relacionado com a ruptura dos elos de amizade, em especial quando ela se dá por
uma inesperada decepção com o amigo. Além da frustração pelo fim da
relação gratificante, resta o gosto amargo de não se poder confiar em mais
ninguém, uma espécie de decepção com toda a humanidade. Sobra também a
desconfiança em relação a nós mesmos, que pensávamos ter um critério
apurado para saber quem é o outro e, de repente, somos surpreendidos por um
grave erro de avaliação.
A observação serve de deixa para que eu reafirme a
importância de distinguirmos entre um verdadeiro elo de amizade e as ligações
superficiais com pessoas conhecidas, que muitos chamam também de amigos.
Amizade é coisa séria; já os conhecidos são muitos e, quase sempre, nem os
conhecemos bem. Podemos ter uma impressão favorável de muitos deles, e até
mesmo desenvolver um relacionamento íntimo. Mas amigo é aquele em quem
confiamos plenamente. Como regra, a amizade não envolve coisas práticas, a
não ser pequenas trocas de favores ou ajuda em situações dramáticas. A
amizade deveria ser importante na escolha de parceiros e sócios em geral, mas
isso não corresponde aos fatos.
A partir dos anos 70, muitos dos nossos processos
íntimos se alteraram. Uma das causas da mudança é a crescente igualdade entre
os sexos. As amizades se tornaram freqüentes entre pessoas de sexos opostos.
Mas, nesse caso, pode surgir um ingrediente difícil de administrar – o do
desejo sexual. Refiro-me à verdadeira amizade, não àquilo que os paqueradores
chamam de “amizade colorida”, para sofisticar um discurso de sedução em
que o objetivo é a intimidade sexual descartável.
Para as pessoas mais sérias, e falando de amizade
verdadeira, cuja preservação é muito importante, o tema é intrigante. Só
por puro preconceito ou por medo um homem e uma mulher deixam de parecer
atraentes um para o outro em função da amizade. Era assim no passado, quando o
uso da palavra amigo determinava que a sexualidade inexistia. Gostar de estar
junto, de trocar idéias sobre as coisas relevantes e as sem importância, achar
graça na forma do outro ser, falar, rir etc. Tudo isso, em princípio, deveria
despertar o desejo de intimidade física. Será mais razoável termos intimidade
física com uma pessoa amiga e confiável do que com alguém desconhecido.
Na vida real, as coisas não acontecem assim por variadas
e complexas razões. Somos mais apegados aos preconceitos do que pensamos. E
amizade é algo que, por princípio, não inclui sexo. Ao pensar em intimidade
física entre amigos, surgem dois medos. O óbvio é o de perdemos o amigo, por
algum tipo de contratempo; e o outro, talvez o mais importante, é o de que a
amizade, com a introdução do elemento erótico, se torne uma paixão
fulminante. O tema é fascinante e ainda voltaremos a ele.
Instituto de Psicoterapia em São Paulo: http://www.flaviogikovate.com.br/