Por: Flávio Gikovate
Tudo nos leva a supor que a capacidade de as pessoas
viverem sozinhas esteja aumentando. Ou seja, é cada vez maior o número de
homens e mulheres que se sentem razoavelmente em paz consigo mesmos, que são
capazes de se entreter com seus afazeres e interesses, que sabem ir a um cinema
ou bar sem se sentirem humilhados pela falta de companhia. Aliás, o aspecto
social, também muito importante, começa a ser alterado.
Até pouco tempo atrás, a pessoa solteira era
discriminada e rejeitada. Quem não estivesse casado era visto como portador de
status social inferior. Havia, portanto, uma forte pressão na direção do
casamento. Sempre que constato esse tipo de pressão sou tentado a desconfiar
das "delícias" do objetivo que se pretende impor. Se fosse tudo tão
bom não seria necessário pressionar tanto!
A capacidade para uma razoável auto-suficiência é uma
das mais importantes aquisições do homem contemporâneo. Ela é fruto do
empenho que tanto temos feito na direção do autoconhecimento e da
introspecção. O progresso tecnológico, que nos deu a televisão, o
videocassete e tantos outros equipamentos, também tem contribuído para que as
nossa horas solitárias sejam passadas de modo agradável e rico. Com tudo isso,
é natural que muitos de nós prefiram ficar sós a estar mal acompanhados. Maus
casamentos, suportados apenas em razão das inseguranças e medos de se
enfrentar um futuro incerto e eventualmente solitário, estão com os dias
contados.
As relações ricas, plenamente gratificantes, baseadas
no respeito mútuo, na compreensão e no desejo profundo de contibuir para que a
pessoa amada seja o mais feliz possível continuarão a existir e a florescer
como vida em comum. Isso, desde que não existam impedimentos externos
comprometedores (filhos de relacionamentos anteriores com atitude destrutiva,
graves dificuldades financeiras e divergências práticas ou filosóficas de
monta), que podem ir minando as bases da aliança afetiva. Mas quantos são
esses casamentos? Uns 10%? Talvez nem isso.
O que está ocorrendo, a meu ver, é uma importante
modificação nas pessoas capaz de levá-las a olhar melhor o fenômeno do amor
e a instituição casamento. Como não estão mais desesperadas para se unir a
alguém a qualquer custo, podem, em primeiro lugar, compreender que o amor é
uma coisa e o casamento é outra.
O amor é uma sensação de paz e aconchego que sentimos
quando estamos junto de uma pessoa, que por inúmeras razões, se tornou
especial e única para nós. O casamento é uma sociedade civil complicada,
ultimamente mal sucedida e geradora de conflitos. Ele terá de ser olhada à luz
da razão e não do ponto de vista do amor. É lógico que ninguém vai querer
morar junto com alguém que não provoque prazer romântico. Mas não é só
isso o que determinará o estabelecimento da sociedade conjugal.
Dificuldades práticas de convívio levarão as pessoas,
segundo creio, a estabelecer um convívio em termos de namoro: cada um viverá
em sua casa, com suas finanças próprias, seu estilo de vida e seus problemas
individuais. Se as dificuldades objetivas não existirem e se houver metas em
comum que justifiquem o estabelecimento do vínculo societário, aí então as
pessoas irão estabelecer matrimônio. É o caso, por exemplo, dos casais que
efetivamente desejam ter filhos e patrimônio em comum. A freqüência de
casamentos será muito menor, mas a qualidade deles tenderá a ser melhor. E
quem não quiser esse tipo de vida ficará sozinho e buscará a felicidade por
outros caminhos.
Instituto de Psicoterapia em São Paulo: http://www.flaviogikovate.com.br/