Por: Flávio Gikovate
Do ponto de vista teórico, os casamentos
com altos e duradouros lances de romantismo deveriam ser muito mais freqüentes
que aqueles baseados em uma sexualidade rica e exuberante. Mas, na prática,
isso não ocorre. Não quero dizer que sejam tão comuns as uniões sexualmente
satisfatórias, mas que são raríssimos os casais que conseguem viver, ao longo
de várias décadas, uma experiência sentimental bonita, daquelas de encher o
coração de alegria e os olhos de lágrimas, de tanta emoção.
As coisas costumam ser mal colocadas desde o começo. A grande maioria dos
casamentos ocorre entre uma pessoa apaixonada e outra que prefere ser objeto da
paixão. Enquanto a primeira – mais generosa – oferece, a segunda – mais
egoísta – recebe. A mais generosa tem coragem de amar. A egoísta tem medo de
sofrer e se protege da dor do amor ao não se abrir demais para a relação. As
uniões desse tipo apresentam momentos bonitos, é claro. Possibilitam até
mesmo uma vida sexual de permanente conquista. Sim, porque o egoísta nunca se
entrega totalmente ao outro, de modo que o generoso estará sempre tentando
conquistá-lo. Esse fenômeno costuma gerar alguns instantes de profundo
encontro, mas são momentos vãos, que logo se desfazem. E o corre-corre das
brigas e da luta pela conquista volta.
No entanto, esse é apenas um dos aspectos da questão. Outro fator de peso está
nas diferenças de temperamento (generosos e egoístas são bastante
diferentes), de gosto e interesses. Na vida prática, no dia-a-dia, as divergências
de opinião e a falta de um projeto comum provocam irritação permanente. E
isso não vale só para as grandes diferenças. O cotidiano se faz realmente nas
pequenas coisas: Onde vamos jantar? Que amigos vamos convidar? Onde vamos passar
as férias? A que filme vamos assistir? Como agiremos com as crianças? O que
faremos com os parentes? E assim por diante. São justamente estas pequenas
contradições que provocam a irritação, a raiva e, portanto, a maioria das
brigas. As afinidades aproximam as pessoas, enquanto as diferenças as afastam.
Além do mais, a oposição é a raiz da inveja: o baixo inveja o alto; o gordo,
o magro; o preguiçoso, o determinado; o introvertido, o sociável. E a inveja
é inimiga do diálogo. Nesse tipo de união, as brigas serão o normal no
relacionamento, e os momentos de encontro e harmonia serão exceções cada vez
mais raras.
Eu disse que, do ponto de vista teórico, a felicidade romântica no casamento
poderia ser bastante comum porque o amor não padece do desejo de novidade que
tanto agrada ao sexo. Ao contrário, o amor é apego, é vontade de aconchego,
de tranqüila intimidade. Trata-se de um sentimento que floresce e frutifica
melhor quando tudo é exatamente igual e antigo. Gostamos da nossa casa, daquela
velha roupa que nos agasalha tão bem. Gostamos de voltar aos mesmos lugares do
passado, da nossa cidade, do nosso país. Queremos também sentir essa solidez e
estabilidade com o nosso parceiro amoroso. Amor é paz e descanso e deriva
justamente do fato de uma pessoa conhecer e entender bem a outra. Por isso, é
importante que as afinidades, as semelhanças, predominem sobre as diferenças
de temperamento, caráter e projetos de vida. Seres humanos parecidos poderão
viver uma história de amor rica e de duração ilimitada. Não terão motivos
para divergências. Não sentirão inveja.
Um último alerta – além da lição que se pode tirar da experiência, acima
descrita, dos raros casais que vivem harmoniosamente – é que cada um deve
procurar se unir a seu igual. Só assim o amor não será um momento fugaz. Para
que a intimidade não se transforme em tédio e continue a ser rica e
estimulante, é necessário que o casal faça planos em comum e que depois se
empenhe em executá-los. De nada adianta fugir para uma ilha deserta para curtir
a paixão maior. Quem fizer isso provavelmente voltará, depois de dois meses,
decepcionado com a vida e com o amor. A vida é um veículo de duas rodas: só
se equilibra em movimento. Para que duas pessoas se tornem uma unidade é
preciso criar um objetivo: ter filhos, construir uma casa, um patrimônio, uma
carreira profissional, um ideal… o conteúdo em si não interessa. Seja qual
for, é a cumplicidade que o transforma em algo fundamental. Fazer planos é
sempre uma aventura excitante. É sobre eles que mais adoramos sonhar juntos.
Instituto de Psicoterapia em São Paulo: http://www.flaviogikovate.com.br/