Por: Flávio Gikovate
Tenho ouvido muitas definições de amor e paixão:
"Amor é legal, paixão é doença"; "Paixão é imaturidade,
coisa de adolescente, mas amor é sentimento maduro"; "Amor é o que
sobra depois que acaba a paixão". Costumo defini-lo como um instinto,
separado do sexual, que busca a sua realização por meio do estabelecimento de
uma relação estável com outra pessoa. Ou seja, o amor é paz e harmonia ao
lado de alguém especial, com o qual voltamos a nos sentir completos – talvez
como estivemos um dia, no útero ou no colo de nossas mães. Quanto mais
qualidades esse escolhido tem, mais fortes ficam nossos sentimentos por ele.
Quanto mais defeitos, mais forças surgirão para nos afastar desta criatura.
Todos nós, ou quase todos, temos o sonho romântico de
mergulhar por inteiro numa relação desarmada com outra pessoa e, de uma certa
forma, reconstruirmos a simbiose uterina. Ao mesmo tempo morremos de medo desta
diluição, desta perda de limites e de individualidade na relação com o
outro.
Esse temor não é uma emoção ilógica e covarde. Nossa
individualidade fica efetivamente ameaçada na fusão romântica – o medo
reflete este perigo real. O que fazem as pessoas? Costumam se encantar por
alguém com uma certa quantidade de qualidades – fatores de atração – e
também uma certa dose de defeitos – fatores de repulsão. Desse modo se
compõe um equilíbrio estável, onde os defeitos são tão necessários quanto
as qualidades! Sim, porque eles nos afastam e garantem nossa identidade, nossa
individualidade.
A afirmação de que o amor é o que sobra quando acaba a
paixão tem sido na seguinte situação: uma pessoa se encanta por outra e fica
tão deslumbrada por ela que só vê suas qualidades. A emoção cresce e, com
ela, o medo de perder a individualidade. Esta forte emoção se chama paixão.
Porém, com o convívio, a pessoa vai deixando de ser tão cega e passa a ver os
defeitos do amado. Aí diminui a emoção e o medo da fusão com o outro. Acabou
a paixão e sobrou – quando "sobra" – o amor.
Vamos supor agora uma situação diferente. Não é nada
incomum que uma pessoa conheça e se encante por outra que efetivamente quase
não apresente defeitos (é claro que estou aqui chamando de defeito as coisas
que aborrecem, desagradam, irritam e subtraem a confiança da outra pessoa).
Surge o encantamento forte e ele tende a crescer cada vez mais, uma vez que não
existem problemas para agir como forças contrárias ao amor. O sentimento é
fortíssimo e o medo é brutal, porque parece que estamos sendo sugados pela
pessoa amada. Isto é paixão: a mistura de um amor de intensidade máxima com
um enorme medo. O coração não bate de amor, bate de pavor! Vivemos um estado
de alarme, quase de guerra.
Acordamos de madrugada já pensando nisto, não
conseguimos nos alimentar e pensamos obsessivamente no amado. Tememos perder
nossa individualidade e também o amado que, sabemos, vive pânico igual ao
nosso e pode não suportar a ameaça do amor e decidir romper a relação. Na
paixão não se suporta ficar junto nem separado! Ao estar junto, falta o ar. Ao
se afastar, falta o sentido da vida. Não é à toa que as pessoas se apaixonam
mais facilmente quando há obstáculos externos: distância geográficas,
pessoas que sejam casadas, etc. Eles garantem um certo espaço de afastamento e,
portanto, de exercício da individualidade.
Não é sem razão que a maioria das paixões não se
transforma em relação estável. Na ausência de defeitos, o amor não diminui,
nem o medo. Este último acaba por predominar e, sob vários pretextos, as
pessoas acabam se afastando dos seus amados. Não é sem razão também que a
maioria das pessoas se casa com parceiros ricos em defeitos e com os quais se
irritam bastante. É para que o sentimento que os une não seja forte o
suficiente para perturbar a individualidade. Palavras como imaturidade, doença
e outras que se usam para definir a paixão devem, também, ser estendidas para
o amor! Ainda temos muito o que aprender sobre este assunto.
Instituto de Psicoterapia em São Paulo: http://www.flaviogikovate.com.br/