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Por: Fátima Bittencourt Durante muitos anos,
acreditou-se que a base para uma vida de sucesso era o quociente de
inteligência, ou QI, conceito 100% baseado na compreensão e manipulação de
símbolos matemáticos e lingüísticos. Nos anos 90, Daniel Goleman criou a
expressão “inteligência emocional” para descrever a necessidade de se
desenvolver o autoconhecimento, a autodisciplina e a empatia. Mais recentemente,
cientistas encontraram evidências de que o cérebro humano foi programado
biologicamente para fazer perguntas filosóficas e subjetivas, como: “Quem sou
eu?” ou “O que torna a vida digna de ser vivida?” O neuropsicólogo Michael
Persinger e o neurologista Vilayanu RamaChandran, ambos da Universidade da
Califórnia, identificaram no cérebro humano um ponto chamado de “ponto Deus” ou
“módulo Deus”, que aciona a necessidade humana de buscar um sentido para a vida.
Os cientistas preferem usar o termo Inteligência Supramental, porque
significa a inteligência além do mental. Tem a ver com nossos valores, virtudes,
e com os arquétipos que definem verdade, beleza, amor, justiça, bondade. Uma
inteligência mais ligada à intuição do que à razão.
Temos quatro tipos de percepções: a sensorial, no nível físico, a emoção, no
nível vital, energético, e o pensamento, no nível mental. E temos também a
percepção sutil, a intuição, no nível supramental. Quando dependemos apenas do
racional, que é a tendência hoje em dia, jogamos fora nosso aspecto emocional –
e, com ele, a nossa intuição. O aspecto sensorial nós não descartamos, porque
ele faz parte da relação física com o mundo, mas freqüentemente ignoramos
bastante a emoção e a intuição. Isso precisa mudar. Quando o aspecto intuitivo
se restringe, ficamos reduzidos em nossa maneira de pensar e em nossa busca de
significado.
Precisamos usar todas as nossas habilidades, e não apenas a razão, na nossa
inteligência. Nos últimos 50 anos, desenvolvemos uma visão de mundo
materialista, reforçando os lados sensorial e mental. Ainda acreditamos que o
mental faz parte do físico, que a mente é um fenômeno criado pelo cérebro. O que
proponho com meu trabalho é que, ao contrário, é a mente, a consciência, que
cria não só o cérebro, mas a vida, a realidade que percebemos. Da outra forma,
qualquer conceito que não possa ser definido pelo materialismo é negado. Valores
e virtudes – que nos levam as perguntas como “por que eu deveria ser uma boa
pessoa, apreciar a beleza, amar?” – são enigmas para o pensamento materialista.
Como não podem ser explicados, são desvalorizados. Vemos isso constantemente na
nossa sociedade hoje. As pessoas não são entusiásticas sobre as virtudes, estão
mais ligadas a qualidades negativas, como a avareza ou a competição.
É importante equilibrar as emoções negativas com qualidades positivas, que
podemos apenas intuir. É aí que a inteligência intuitiva, ou espiritual, se
torna uma noção poderosa para ser cultivada.
Que a consciência é à base da existência, não a matéria. Ao dar valor
primordial à consciência, podemos aprender todas as suas qualidades e
experiências, não só as experiências materiais, sensoriais, mas também o que
pensamos, sentimos e intuímos. Essa intuição é um fenômeno que se explica pelo
conceito de não-localidade, uma comunicação onde não há troca de sinais,
explicada pela física quântica. É um fenômeno em que moléculas, elétrons e
pessoas se comunicam mesmo a longas distâncias. Isso é a evolução do nosso
conceito de inteligência, porque previamente o argumento era que inteligência
era a maneira como usamos nosso computador cerebral.
Lógico que existe um componente no seu DNA que explica como você usa seu
cérebro, mas inteligência também é criatividade, como você vai além da mente,
além do conhecido. Quando integramos a intuição, a criatividade, à nossa razão,
aí ocorre a transformação que tanto precisamos.
Uma crise pessoal muitas vezes detona um processo de revisão de valores. Por
exemplo, há uma crise ecológica acontecendo no planeta, e muitos céticos sobre a
questão do aquecimento global estão se abrindo para visões alternativas. E a
tradição da ciência é formular teorias e realizar experimentos para verificar
essas teorias. Um novo conceito em ciência, por exemplo, o da não-localidade,
foi verificado. Cinco experimentos independentes provaram que pessoas podem se
comunicar, que seus cérebros podem se comunicar, sem estar presentes no mesmo
local. Existe uma comunicação não-local entre nossos cérebros, que é a
interconexão com o que chamamos de consciência.
Nossa consciência não está no nosso cérebro, não está na nossa
individualidade. Ela é cósmica e está em todos nós. Ou melhor, todos fazemos
parte dela.
Mas existe uma forma mais profunda de criatividade, onde vislumbramos esses
símbolos, não para escrever um poema ou pintar um quadro que todos podem
apreciar, mas para mudar nossa paisagem interior. Mudar o jeito da nossa mente.
Nossa paisagem interior às vezes nos traz sofrimento, porque é cheia de
ansiedade e angústia, provocadas por diversas coisas – a viagem que irei fazer,
os filhos que estão na rua e não sabemos na companhia de quem, a entrevista que
acabei de dar e na qual esqueci de falar disso ou daquilo. No lugar de sentir
ansiedade e angústia, acredito que todos gostariam de ser mais relaxados e
felizes. Ao trabalhar a criatividade interior, acessando o supramental e a
intuição, damos uma nova forma à nossa experiência interior. Podemos transformar
nosso comportamento quando começarmos a viver do jeito que intuímos.
A cultura materialista coloca muita ênfase na informação. E o papel da
informação é ajudar na experiência com o sentido, o significado. Senão, a
informação não tem valor. As pessoas hoje vivem na internet, correndo atrás de
informação, perdendo muito tempo para processar informação sem conteúdo, quando
poderiam estar vivendo sua vida de maneira mais voltada para o interior, para
sua subjetividade. Deveríamos dar muito mais atenção ao nosso mundo interior. A
informação é orientada para o trabalho, é cansativa, está no terreno do “fazer”.
Para quem quer desenvolver a criatividade, o “fazer” é importante, mas o
fundamental é “ser” – simplesmente relaxar, o que nos permite processar a nossa
consciência. A física quântica diz que, quando fazemos isso, infinitas
possibilidades se tornam disponíveis. Nossa experiência é gerada quando
escolhemos entre as possibilidades. Se as possibilidades não têm tempo de
proliferar, estaremos sempre escolhendo dentro de um repertório antigo. Se
queremos mudar, devemos permitir que novas possibilidades surjam na nossa
consciência, e essa permissão requer um estilo de vida mais tranqüilo, relaxado.
E essa é a grande mudança no estilo de vida que é provocada pela inteligência
espiritual.
*Este artigo é baseado na entrevista feita com cientista Amit Goswami.
Fátima Bittencourt é Psicóloga há mais de 25 anos. Sua base
teórica e vivencial reúne a filosofia oriental, neurociência e psicologia
integrada. Oferece consultoria e atendimento clínico no Rio de Janeiro - RJ.
E-mail: fatima@gruposanare.com
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