Por: Carlos Antonio Fragoso Guimarães
O presidente norte-americano, George W. Bush - que, desde
o início de sua questionável vitória na confusa última eleição americana,
tinha um alto índice de IMpopularidade e a "má" (???) sorte de
assumir o governo num período de crescente recessão, mas com sólidos
vínculos as empresas petrolíferas norte-americanas - vomitou palavras de forte
caráter fundamentalista após a triste terça-feira 11 de setembro: "A
luta é do bem (América) contra o mal (terrorismo islâmico, ou, do jeito que a
coisa vai indo, todo o islã). Ou se é contra o terrorismo e a favor da
América, ou se é contra os Estados Unidos e contra a América". O projeto
de retaliação originalmente se chamaria "Justiça Infinita", mas
diante de termos quase messiânicos e diante de pressões, foi mudado para
"Liberdade Duradora" - mas liberdade para quem? Para todo os povos do
mundo? Geralmente, Bush ao fazer sus discursos sobre sua luta contra o
terrorismo, sempre termina com a frase "Deus Salva a América". Bin
Laden, pro sua vez, usa praticamente os mesmos termos, dizendo que a guerra é
entre o bem (o islamismo tal como ele o entende) e o mal (a América). Ele
também termina seus discursos dizendo "Graça e gratidão a Deus".
Resta saber em nome de que Deus ambos falam... Do Deus dos exércitos, que
prefere rios de sangue e dor ao perdão e a compreensão? Não parece haver
realmente diferença qualitativa de quem responde ao terror com terror....
Como fala com muita lucidez Leonardo Boff:
"Bush interpretou a barbárie de 11 de setembro como
guerra contra a humanidade, contra o bem e o mal, contra a democracia e a
economia globalizada de mercado, que tantos benefícios (na pressuposição
dele, chefe da nação mais poderosa e hegemônica) trouxeram para a humanidade.
Quem for contra tal leitura, é inimigo, é o outro, é o diferente e o
estrangeiro que cabe combater e eliminar. Tal estratégia pode levar violência
para dentro dos EUA e para todos os quadrantes do mundo. Há uma globalização
do inimigo (antes, era a ex-União Soviética), que tem traços árabes, como
já teve traços japoneses, vietnamitas, latinos da América-Central, etc. É a
violência total do sistema contra todos os seus críticos e opositores."
(veja os textos de Leonardo Boff sobre os diversos fundamentalismos e os
acontecimentos decorrentes do dia 11 de setembro em www.leonardoboff.com).
Leonardo Boff também observa a existência de um outro
tipo de fundamentalismo, intelectual, que comparece no paradigma científico
moderno:
"Ele está assentado sobre a violência contra a
natureza. Bem dizia Francis Bacon, pai da moderna metodologia científica: há
de se torturar a natureza como o faz o inquisidor com seu inquirido, até que
ela entregue todos os seus segredos. Impõe-se esse método violento, fundado no
corte e na compartimentação da realidade una e diversa, como a única forma
aceitável de acesso ao real. Desmoralizam-se outras formas de conhecimento que
vão além ou ficam aquém dos caminhos da razão
instrumental-analítica-mecanicista. Ocorre que o projeto da tecno-ciência
gestou o princípio da auto-destruição da vida. A máquina de morte já
construída pode pôr fim à biosfera e impossibilitar o projeto planetário
humano. Na guerra bacteriológica, basta meio quilo de toxina do botulismo para
matar um bilhão de pessoas. Existem atualmente, segundo fontes oficiais, cerca
de trinta quilos de toxina de botulismo nos estoques de armas químicas nas
chamadas grandes potências".
As formas de recrutamento e sedução destes grupos
fundamentalistas (atualmente unindo religião e política) por meio de seitas
são extraordinariamente simples e eficazes: diante das dificuldades do mundo
atual (muitas delas criados por grupos econômicos calvinistas), basta aceitar e
aderir a alguma de suas Igrejas, professando a aceitação do Cristo segundo
suas interpretações, integrando-se plenamente à comunidade dos fiés - e a
pessoa se sente emocionalmente amparada e se sentindo parte de uma grande
família, naquilo que é chamado de Conformismo pela Psicologia da
Gestalt-Terapia que também diz que ao lado desta vem quase sempre o mecanismo
neurótico de defesa chamado de Confluência, ou seja, se me sinto inseguro ou
emocionalmente fraco, procuro suprir isto com a opinião de uma congregação,
que poderá me dar a impressão de suprir e dar forças. A opinião desta será
então a minha opinião e assim me confundo com uma causa do grupo, podendo
surgir daí o sectarismo e o fanatismo religioso. Também existe a questão do
poder econômico da seita, já que o postulante terá de se esforçar para
converter outras pessoas e pagar, com estas, a obrigação do dízimo. Desta
forma, segundo a idéia deles, se tem o céu garantido e a salvação da alma
como uma certeza, já que apenas os escolhidos se dão conta do "verdadeiro
Deus" que, claro, é o deles. As demais pessoas estão perdidas,
equivocadas ou condenadas, dependendo de como elas se posicionam ante eles, os
eleitos, e cabem a estes fazer de tudo para expandir sua verdade e salvar a
humanidade...
Existem, pois, vários fundamentalismos, atualmente, e
todos têm em comum serem agressivos, rudes e parciais, competitivos e
desumanos. No entanto, o fundamentalismo religioso é o mais falado.
O mais recente fato , porém, que despertou a
susceptibilidade intolerante e alienante dos radicais religiosos cristãos foi o
sucesso (e a cosenqüente resistência) à obra literária e -mais ainda, por
ser mais popular - ao filme Harry Potter, personagem criado pela escritora
britânica J. K. Rowling. Não importa que estórias infantis dos Grimms, de
Hans Christian Andersen, de Monteiro Lobato, de John Tolkien e tantos outros
falem de magia, elfos, duendes, fadas e sacis-pererês. Na guerra das "electronics
Churchs" para se ter domínio do universo intelectual de milhões, se uma
obra acaba por se tranformar em um sucesso e, de alguma forma, faz as pessoas
pensarem (e não foram poucos os que conseguiram perceber e pesquisar, a partir
de livros como Harry Potter, que os chamados bruxos e bruxas - os originais, da
Europa Pré-Cristã não passavam de homens e mulheres que cultivavam uma
religião apenas diferente da cristã e possuiam conhecimentos vastos em
fitoterapia e medicina natural. Vários livros de acadêmicos e historiadores
já falavam sobre isso, mas como eram lidos por poucos, as "pequenas
Igrejas, Grandes Negócios" e mega-instituições religiosas pouco lhes
deram crédito. O horror da época da "caça às bruxas", tanto por
católicos quanto por protestantes, em especial contra as figuras femininas,
podem ser melhor avaliados em averrações históricas, como no caso da cidade
de Trier, na Alemanha, que no século XV mandou para a fogueira, em uma só
semana, 798 das 800 mulheres da cidade! Salém, nos EUA, é também um outro
caso famoso).
Se levarmos em conta os números absurdos que apontam o
sucesso da obra Harry Potter (mais de 130 milhões de exemplares vendidos, sendo
o filme assistido por mais de 25 milhões), começamos a enteder o incômdo e a
movimentação destes setores conservadores. Ora, para muitas "pequenas
igrejas, grandes negócios" e outras maiores, já multinacionais e
mercantilizadoras do intelecto e da autocrítica de seus fiéis, isso é aviso
de que é necessário garantir a disputa do dízimo, ou melhor, da mente dos
seus fiéis, impondo a sua verdade como se impõe a superioridade de um time de
futebol: e nesse caso, quanto mais barulho, melhor. Também é bom se salientar
que boa parte da reação contrária ao imaginário mágico de Potter e outras
obras advém da ética protestante puritana norte-americana, de base calvinista,
com suas ramificações no Brasil e no mundo (a já citada Igreja Adventista,
Testemunhas de Jeová, e outras de cunho milenarista/fundamentalista), e da ala
católica mais tradicionalista e mais ligada ao capitalismo, numa comprovação
do que já dizia o sociólogo Max Weber no início do século XX em seu
conhecido A Ética Protestante e o Espirito do Capitalismo. Weber demonstrou
como a ética ascética dos puritanos ajudou a construir o sistema capitalista,
em seu afã pelo trabalho para escapar das tentações mundanas, eles
reinvestiam os lucros obtidos novamente no trabalho. Claro que chegou um tempo
em que a máquina funcionava de tal forma, que a motivação religiosa original
foi quase esquecida. Porém, a própria máquina poderia ser utilizada no
próprio âmbito religioso: quanto mais racionalizado e insípido, portanto,
"desencantado" o mundo, mais fácil ater a atenção na produção e
controle ideológico de fiéis, portanto, maiores os lucros econômicos e
políticos passíveis de serem obtidos, já que o trabalho e adequação
disciplinar aqui, neste mundo de pecados, preparam o fiel para o Reino de Deus -
Reino este que mais lhes convêm interpretar. O sonhar e o imaginar devem ser
sacrificados ao altar da submissão da autoridade do sujeito supostamente
detentor de um conhecimento divino e mecânico sobre o mundo.
Ainda pior que tudo, a luta por uma uniformização do
pensamento espiritual de algumas seitas evangélicas, da TFP, dos Arautos de
Deus e de parte da Renovação Carismática Católica passa ao largo (mesmo
sabendo ou reconhecendo) dos estudos de psicologia profunda e da Mitologia, em
especial com Carl Gustav Jung, Mircea Eliade e Joseph Campbell, que demonstram a
importância da fantasia, da imaginação mítica, para a maturação psíquica
profunda do indivíduo, em especial nas imagens arquetípicas que possuem uma
significação simbólica que desperta forças latentes do inconsciente e que
são encontradas em todas as tradições do mundo, que incluem sempre
invariavelmente figuras como o Rei Sábio, a Grande Mãe, O Mago, A Bruxa, e, em
especial, o Herói: aquela pessoa que aparentemente simples é chamada para uma
série de desafios onde passa por provações de toda a sorte, morrendo e
renascendo simbolicamente, mas sempre conquistando sua individuação e
sabedorias próprias para, enfim, ao regressar ao lar, repassar o que aprendeu.
Este é o enredo tanto das histórias dos tempos homéricos (A Odisséia),
quando dos tempos medievais (o ciclo de contos do Rei Arthur), quanto da
modernidade (o maravilhoso O Senhor dos Anéis). Desprezar isso é querer
reduzir o ser humano a uma máquina programada por um sistema (e o sistema
evangélico norte-americano, com seus empresários tele-evangelistas e
tele-radialistas são bastante competentes nisso, servindo de modelo aos
imitadores do Brasil), onde não se tolera uma visão de mundo diferente daquele
do sistema dominante. Não esquecendo que o Capitalismo teve, em suas origens,
um grande incentivo dos puritanos protestantes, vemos que a alienada e violenta
(portanto, bem pouco cristã) reação contra a literatura mítica e a filmes
como Potter e o Senhor dos Anéis parece ser ais uma das facetas terríveis da
Globalização econômica que exige uma forma de pensamento insípido. Caberia
perguntar se o tal Anticristo que estes ilustres "doutores" tanto
vêem fora não estaria realmente, como mecanismo de projeção, em suas mentes
sedentas de poder.
Seria bom que se começassem a dar um crédito de
confiança na capacidade das pessoas de pensarem por sí-próprias. Caso
contrário, pulularam cada vez mais intermediários e intérpretes da VERDADE,
ganhando bastante e fazendo muito barulho por nada. Espero que outros filmes,
como O Senhor dos Anéis, e antigos seriados como A Feiticeira e Jeannie é um
Gênio também possam escapar das garras da inquisição do século XXI.