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Por:
Fabricio Fonseca Moraes
Recentemente, eu estava vendo o mecanismo de estatística do WordPress
e ao ver a lista de termos procurados (e que trouxeram visitantes ao Blog) um
dos termos me chamou a atenção, e era este “Psicologia Analítica Cristã”.
Eu estudo psicologia analítica de
Jung há pouco mais de 10 anos, mas, antes de conhecer Jung, eu já me interessava
por tópicos relacionados a psicologia e religião(ou da religião), em especial
leituras de Mircea Eliade, importante historiador das religiões, esses estudos
favoreceram minha aproximação ao pensamento junguiano, que era frequentemente
citado, algum tempo depois, estudando “Psicologia da Personalidade III”, com a
Prof. Dra. Kathy Marcondes, pude enfim começar a conhecer a Psicologia
Analítica. A interface com a religião sempre me chamou atenção. Apesar de ter me
afastado da temática durante alguns anos, a prática clínica sempre nos leva a
nos confrontar com fenômenos associados a função religiosa e
religiosidade/religião de nossos clientes
Como interessado pelo estudo da
religião, a idéia de uma “psicologia analítica cristã” me causou uma certa
preocupação. Antes de falar de forma específica de religião, devemos considerar
alguns pontos…: Em primeiro lugar, quando falamos de uma “psicologia cristã”
(ampliando para toda e qualquer abordagem) estamos também abrindo a
possibilidade para pensarmos uma “psicologia neo-pagã”, uma “psicologia budista”
ou “psicologia muçulmana” gerando toda sorte misturas entre religião e
psicologia que tem como principal consequência a descaracterização de ambas
ambas.
Pessoalmente, acredito que
considerar a psicologia e a religião como opostas, inimigas ou mesmo
“concorrentes” não só é um erro como é uma concepção ultrapassada.
O fundamental é percebermos que a
psicologia lida com fenômenos de ordem natural, a religião com o que é
sobrenatural, com o divino. Isso pode parecer óbvio, mas, mas, quando unimos
psicologia e religião não nos apercebemos disso. Ao pensarmos uma “psicologia
religiosa” não estamos ampliando a percepção para ao divino, mas, estamos
submetendo a psicologia à teologia, isto é, a uma dada compreensão doutrinária
acerca do divino. O que implicaria não em pensar uma “psicologia cristã”, mas,
“psicologia cristã batista”, “psicologia cristã adventista”, “psicologia cristã
católica”, psicologia cristã presbiteriana” etc… Perde-se de vista, que o
fundamento ultimo de da cristandade é a experiência individual com Deus.
Por outro lado, pensar uma
“religião psicologizada” isto é, trazendo elementos da psicologia as práticas
religiosas, ou mesmo, que utiliza dos argumentos psicológicos para fundamentar
algumas de suas doutrinas. É de causar espanto quantos lideres religiosos buscam
na ciência (em especial na psicologia e psicanálise) elementos para melhorar
sua “prática”, como se a religião em si não fosse suficiente dentro de seu
próprio contexto.
A tentativa de muitos em fazer ou
buscar uma psicologia cristã ou uma ciência cristã, me chama atenção, pois, a
“teoria(teologia) cristã” muitas vezes se torna mais importante (se sobrepondo)
a vivência ou experiência espiritual cristã. Eu me recordo de Tertuliano, um dos
grandes apologistas dos primeiros séculos da cristandade, que utilizava
amplamente sua formação filosófica e jurídica na defesa do cristianismo, não
obstante, propunha o questionamento aos cristãos “Quid ergo Athenis et
Hierosolymis? Quid academiæ et ecclesiæ?” (“Que têm em comum Atenas e
Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja?”), como uma preocupação com a invasão da
filosofia na cristandade. Esse questionamento, serve de base para se compreender
o célebre “Credo Quia Absurdum Est”(Creio porque é absurdo), na
verdade Tertuliano nunca pronunciou essa sentença, mas, em seu De Carne
Christi, lançou fundamentos para essa frase, segundo ele "O Filho
de Deus nasceu: não há vergonha, porque é vergonhoso.E o Filho de Deus morreu: é
totalmente credível, porque não é sólido. E, enterrado, ressuscitou: é certo,
porque impossível.” Essas afirmações implicam na independência da
religião no que tange as lógica e a racionalidade. A essência da religião não
está em seu aspecto racional, mas, no irracional, que Rudolf Otto denominou de
numinoso – que poderíamos também chamar de “aspecto sobrenatural” – ou mais
precisamente, da experiência numinosa.que não se dobra a argumentação
científica.
Por isso, é necessário tomar
cuidado com essas misturas. Seria como misturar água com o vinho. Eles se
misturam, mas, nunca num ponto de mantermos as qualidades de ambos, sempre
perderemos as melhores características. O “vinho aguado” perderá seu sabor, a
“água com vinho” será turva, perderá a clareza. Assim, eu vejo uma “psicologia
religiosa”(ou psicologia cristã) perde sua efetividade e amplitude de ação,
restringida pelo olhar teológico, a “religião psicologizada” se atém ao humano,
se afastando do divino.
Desde o momento em que eu li no
wordpress “psicologia analítica cristã” me veio a mente as palavras de Ernst
Gombrich, em sua História da Arte, ele começa seu livro dizendo : “UMA COISA QUE
realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente
artistas.” Na minha opinião, “UMA COISA QUE realmente não existe é aquilo que
se dá o nome “Psicologia Cristã”. Existem somente ‘psicólogos que são
cristãos’”. Isso significa dizer, que a na experiência pessoal de cada um pode
conciliar a profissão de psicólogo com a sua fé. A questão é como equilibra-las,
como “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, para que não haja
perdas nem de um lado nem de outro.
Psicologia Analítica e o
Cristianismo
Não se pode negar que o
Cristianismo desempenhou um papel determinante para a C.G.Jung, filho, sobrinho
e neto de pastores, ele cresceu respirando discussões bíblicas e teológicas. Em
suas memórias, ele relata como essa vivência era delicada para ele e para sua
família – basta lembrar que seu pai, o advertiu que ele poderia seguir qualquer
profissão menos a de teólogo (pastor).
Mas, não devemos reduzir as
influencias do cristianismo à experiência pessoal de Jung, o cristianismo faz
parte da construção de quem somos ocidente. James Hillman, em entrevista a Laura
Pozzo, nos oferece um ponto de reflexão interessante:
J.H. (…)Veja, por que foi
necessário para Jung – ou Nietzsche ou Kierkegaard – passar toda uma vida
trabalhando com o cristianismo, ou para Freud inventar novos mitos como hordas
primordiais ou aquela criança gorducha e polimorfa da sexualidade e as três
Pessoas Invisíveis da psique: Ego, Id e Superego? eles estavam tentando
encontrar saídas para a sobrecarga cristã. Vai nos tomar pelo menos dez horas
de papo só pra começar a falar dessa grande questão que é o efeito de dois mil
anos de cristianismo nos casos individuais que encontramos em psicologia. Nem
você nem eu podemos fazer nada, somos cristãos.
L.P. Nós não somos cristãos praticantes…
J.H. Sim, somos, porque somos
cristãos comportamentais, nós nos comportamos como cristãos – sofremos de modo
cristão, julgamos de modo cristão, nos encaramos de uma maneira cristã. Temos
que enxergar isto, ou permaneceremos inconscientes, e isto significa que nossa
inconsciência é fundamentalmente o cristianismo. A psicoterapia não pode
modificar nada, ninguém em lugar algum até que ela encare esta inconsciência
cristã, e foi por isso que Freud teve de atacar a religião e Jung teve de
tentar modificar o cristianismo. Até Lacan disse que se a religião triunfar, e
ele acredita que triunfará, será o fim da psicanálise. (HILLMAN, 1989,
p.85-86)
Na fala de Hillman, só faltou ele
comentar que não só agimos de modo cristão, mas, também criticamos o
cristianismo de modo tipicamente cristão, se olharmos a forma como das várias
denominações se criticam mutuamente em discussões doutrinárias e teológicas.
Hillman toca no ponto fundamental : o problema da inconsciência do
cristianismo.
Um dos grandes problemas que a
psicologia analítica traz é a necessidade como conciliar ou integrar os opostos.
Na medida que somos inconscientes do cristianismo em nós, nos tornamos
indiferenciados, vivemos apenas o peso do cristandade (da culpa, do pecado,
angustia do afastamento de Deus) sem a possibilidade de redenção. Não vivemos o
mito que nos constitui. No meio acadêmico e científico a inconsciência do
cristianismo (ou da religião) produz em alguns uma sombra “fanática”, dogmática
cuja crença na efetividade das teorias (isso me refiro especialmente na
psicologia) produz uma atitude que só posso chamar de “religiosa”.
A psicologia analítica surgiu no
contexto marcado pelo cristianismo (não podemos esquecer que a Suíça, em
especial, Zurique, foi por muito tempo uma cidadela da reforma protestante),o
dialogo com a religião (não só a cristã) é uma forma de não cair na armadilha da
negação, da inconsciência e unilateralidade (que são três elementos que
frequentemente constituem uma atitude neurótica). A psicologia analítica não
defende o cristianismo ou qualquer religião, justamente porque não se ocupa do
“sobrenatural” ou de “verdades divinas” , mas, apenas dos fenômenos
compreendidos na esfera natural e relacionados com a psique humana. Deus e a
Religião são compreendidos pela teoria como realidade psíquica, isso não
significa um posicionamento teista ou ateísta, mas, que até aonde a psicologia
pode chegar, idéia de Deus e as idéias religiosas produzem efeitos sobre a
psique do individuo. As discussões sobre Deus e sua existência e afins ficam a
cargo da teologia.
Se a psicologia analítica não
está compromissada com o cristianismo, o mesmo não podemos dizer dos
profissionais junguianos em sua individualidade. Cada um vivencia sua
religiosidade da forma lhe for mais adequada . Frente ao cliente, ele deve ter
plena consciência de sua relação com sua matriz religiosa, para ter clareza de
seus limites e, assim, respeitar o cliente em sua vivência religiosa, sem impor
sua própria perspectiva religiosa ao cliente.
Referencias Bibliograficas
Hillman, J. Pozzo, L. Entre
Vistas: Sumus Editorial:São Paulo, 1999
Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana,
Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia
Clínica e da Familia (Saberes, ES). Atua em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. |
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