O Humanismo Cristão, Rota para Deus I

Por Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

 

A Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos tem por meta uma filosofia que revele “o homem brasileiro dentro de sua realidade”.1

A Dimensão Vertical Metafísico-Ética conduz então à observação acurada, profunda do problema da afirmação de Deus na sociedade nacional diante do fenômeno do ateísmo no mundo de hoje.

O humanismo cristão é uma das vias importantes, sobretudo no Brasil, que poderá obviar a atual onda do ateísmo.

 

O ateísmo contemporâneo

Numa rápida síntese verifica-se que o ateísmo contemporâneo nos países evoluídos de civilização cristã se distingue do ateísmo de outros tempos e de outras civilizações, mormente, por sua amplitude.

Na antigüidade, Demócrito, Epicuro, Lucrécio divulgavam já os princípios do materialismo ateu. O poeta e filósofo Diágoras foi obrigado, por causa de sua impiedade, a fugir de Atenas. Cícero refere-nos que Protágoras de Abdero teve que sair também  de Atenas porque ensinava em suas obras que Deus não existe, tendo, por isto, seus livros queimados em público.2

Raríssimo na Idade Média, o ateísmo tornou-se mais freqüente desde o século XVI. Combatido por Descartes, recomeçou depois. Propagado então por escritores, poetas, cientistas e políticos eivados de ceticismo, de materialismo ou de idealismo, diversifica-se daquele que ocorrera antes por atingir nos mais diversos países uma escala digna de nota.

 Não mais o fato de alguns indivíduos em ruptura com a estrutura social, nem o privilégio de uma minoria, como no século XVIII, que se julgava particularmente esclarecida. É uma parte notável de nossos contemporâneos que adere ao ateísmo que tende a se fazer norma aceitável por toda a parte. Intelectuais, massa operária, camponeses mostram, em índice mais elevado que outrora, uma atitude que se torna comum. Esta situação, constatada sobretudo na Europa, tem reflexos no Brasil.

 

A realidade brasileira

Uma análise global leva a esta assertiva: a crença em Deus não é colocada em dúvida pela maioria absoluta do povo, mesmo levando-se em consideração a classe culta. Crê-se em um Criador do mundo e na imortalidade da alma. A revelação contida na Bíblia fala ainda mais alto do que as provas filosóficas. Acredita-se, porém,  mormente por tradição religiosa. Pergunta-se, porém: esta fé em Deus é bastante forte, bem fundamentada se sustentar perante a investida materialista de hoje?

Os meios de comunicação, através de artigos científicos ou insinuações, direta ou indiretamente, vão lançando a semente da descrença.

Expressões tendenciosas, por exemplo, “Deus é a explicação do inexplicável”, trazem em si a rejeição do Criador, o Qual vai se ofuscando à medida que a ciência explica fatos, antes imputados a forças sobrenaturais.

Além disto, a figura de Deus é, de fato, muitas vezes, deturpada, falsificada, e, como tal,  não resiste a uma análise de espíritos críticos.

 

Deus não é evidente

A tese impõe-se óbvia: o ateísmo, que é uma possibilidade da mente humana, se torna hoje um perigo iminente. Se Deus não é evidente nem para a razão retamente conduzida, nem para a fé a mais sábia e a mais santa, compreende-se melhor que o ateísmo seja uma disposição permanente para o homem, ligado aos limites próprios de sua contingência. O ateísmo faz parte das aparências que Deus parece ter colocado contra Ele no universo. Deus não é para o espírito humano uma verdade patente, mas problema doloroso que exige, para ser resolvido, reflexão, exercício, paciência, labor. O utrum Deus sit é uma árdua, dura e trabalhosa perquirição para a inteligência. A fé soluciona tais inquirições, mas não pode nunca estar alicerçada em quimeras.

É preciso, pois, uma base sólida, para que destes valores que são a aceitação de Deus e o senso religioso se passe não para a descrença, mas para a crença autêntica, bem fundamentada em argumentos sérios.

A verdadeira concepção do Ens a se é sempre atraente para o homem sincero e isto deve ser explorado com sabedoria, oferecendo argumentos adequados que satisfaçam à inteligência.

 

Característica do ateísmo contemporâneo

Convém notar que o ateísmo contemporâneo quer ser um humanismo.

Há um leit motiv comum: os ateus de hoje procuram na negação de Deus uma afirmação total do homem.

Baseiam-se no enganoso pressuposto de que crer em Deus é inversamente desumanizar o ser racional. É a fórmula de todas as modalidades de ateísmo hodiernos. Eles querem oferecer a salvação do homem pelo homem e para o homem. O ser racional  almeja se tornar para si mesmo o  ser supremo. É ele a medida das ciências e da moral. Elimina Deus para entrar na posse de sua personalidade. O culto a Deus é desterrado a favor da idolatria do ente humano. A sabedoria deste substitui, orgulhosamente, a fé divina. O jovem universitário brasileiro, mesmo sem ter lido existencialistas ateus, ostenta-se identificado com as doutrinas de Sartre, de Camus e de outros autores, em suas assertivas antiteístas. Ante a morte, as catástrofes,  a angústia, a culpa, os cataclimos, o erro, a dor e o pecado,  há uma espécie de revolta latente, que aflora, às vezes, sob termos violentos. Surgem à tona expressões que condenam o destino trágico do homem, cujo futuro, dizem, é incerto, o qual ele vai construindo na perplexidade. Existência “jetée-là” como pura eventualidade, sem causa e fundamento racional. Percebe-se aí uma certa incoerência com o próprio assentimento à existência de Deus e à imortalidade. Há, no fundo, um certo ressentimento contra Deus que a explicação do pecado original não consegue dissipar.