Mundividência

Por Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho 

 

            A concepção do universo é de suma importância para o ser racional.  Da  cosmovisão depende  o sentido que cada um dá ao mundo, à própria vida. A mundividência conduz  à percepção completa  da essência, do valor, do significado do cosmo e da existência humana.

 Não é possível, evidentemente, uma teleologia que impeça a angústia existencial sem uma visão correta de tudo que circunda o ente dotado de inteligência. São questões  fundamentais que o homem deve se propor: “De onde vim? Onde estou? Para onde vou? Que me é lícito esperar?” Não se trata de uma percepção aparente do universo, mas, sim, de apreender a finalidade última de tudo que existe.

Neste caso a mundividência vai além daquilo que as ciências apresentam. Trata-se de um posicionamento ontológico que ultrapassa o mundo sensível, visível. Penetra o universo dos valores que dão um rumo vivencial a um ser que não está contramurado em fronteiras terrenas. É lógico que, dentro destas considerações, a mundividência leva irreversivelmente ao Ser Supremo.

Se existem seres finitos, contingentes que não têm em si mesmos sua explicação, é óbvio que deve haver um Ente Necessário, Infinito. Do não-ser nada pode vir; ora existem seres; logo, um Ser Eterno é a Causa Eficiente de tudo quanto existe e nele a essência coincide com a existência. Dada a ordem cósmica, as leis que regem o macrocosmos e microcosmos mostram que  este Ser é  Inteligente. Mais ainda, quando se penetra nos domínios da metafísica  só se pode concluir que este Ser é a Inteligência Suprema.

 A Deus leva, irreversivelmente, a  metafísica do ser e do valor . Esta repele o ateísmo, o panteísmo, o agnosticismo, uma vez que o Criador do universo necessariamente é um Ser pessoal inteiramente distinto do mundo, mas que o rege com sua Providência.

 De tudo isto se conclui que pela razão o homem pode e deve chegar uma concepção do universo que fatalmente o conduz a uma visão tal que confere um sentido a tudo que existe, projetando o ser racional na plena realização de si mesmo. Embora imperfeitamente, filósofos  que desconheceram a Revelação divina chegaram a ter uma noção do projeto divino global.

A mundividência não está fundamentada numa revelação religiosa. Para o crente ela é sumamente útil, pois alimenta a fé. Foi a postura  de Anselmo de Cantuária intelligo ut credam, credo ut intelligam - creio para entender e entendo para crer ou fides quaerens intellectum - a fé procurando a inteligência. A razão pode, realmente, confirmar as verdades da fé com argumentos prováveis, embora não demostrativos. Os dados da fé tornam-se racionais, elucidados do ponto de vista lógico, no seu conteúdo e no seu travamento e sistematizados de modo a poderem deduzir-se um dos outros e, assim, serem entendidos mais profundamente. É um processo que informa logicamente o patrimônio da fé.

Portanto, a mundividência é de vital importância para o ser pensante. Não apenas, deste modo, como um auxílio a uma crença esclarecida, como também, e sobretudo, para que o indivíduo possa ter uma filosofia de vida. Quem atinge pela seu intelecto as raízes do Ser Supremo e nele contempla a sede da Sabedoria Infinita só pode dar rumos a sua existência e, portanto, é capaz de tudo orientar t dentro de uma ordem tal que partureje a felicidade geral. Todas as desordens morais são banidas e quem se insere no projeto divino é o grande construtor de um mundo humano, justo, equilibrado, fazendo florir aqueles valores supremos que engrandecem um ser criado à imagem e semelhança de Deus.

 

Importância desta reflexão

 

 Num contexto histórico no qual as maiores aberrações são cometidas e, mormente, o desrespeito à vida esta reflexão filosófica demonstra que a pior de todas as situações humanas é ignorar o fim último de tudo. Deste modo se pode superar a tragicidade  que é imanente a todo ser finito,  que é, portanto, quer queira, quer não, ontologicamente dependente do Criador, tenha ou não  consciência disto. É esta venturosa ultrapassagem para o Infinito que engrandece o homem.

Quando este depara com o plano criador e adere ao mesmo só pode conhecer aquele equilíbrio que o leva uma total beatitude existencial. Dá-se a síntese finitude/infinitude e o homem passa a fazer de sua liberdade um trampolim para grandes realizações. É lógico que, se tudo isto está iluminado pela fé, a mundividência atinge sua luminosidadde máxima e então surgem os gênios da virtude que honram a humanidade na prática das ações mais extraordinárias. Toda tensão existencial fica inteiramente superada sobretudo naqueles que têm uma concepção do universo conjugando filosofia e fé.

A transcendência a que leva à cosmovisão conduz ainda à fuga da futilidade do ser, além do finito circundante. Está afastado assim o pejo da total arbitrariedade  e superfluidade da contingência radical da existência real, porque, quem se coloca em função do Ser Supremo, inocula em tudo uma tal finalidade que cada ação, cada ato de pensar, cada manifestação psico-somática ganha um significado. Não se amaldiçoa então a existência e até os desafios se tornam taumaturgos.

 É assim que cada um pode desvelar a própria existência como algo de previamente justificado e afirmado. Situa a vida para além da angústia, numa auto-superação  firmada em Deus.  É o alargamento do coração humano que bane as neuroses, as frustrações, as depressões, os culposos auto-enganos, frutos  de toda filosofia de vida que, desconhecendo o Criador, mata lastimavelmente  o ser criado. Nada engrandece tanto o homem como o reconhecimento de sua dependência ontológica do Ser Supremo!.