O objetivo deste capítulo é
enfocar a Universidade hoje, segundo os valores evangélicos que permitam uma
orientação que obvie as funestas distorções conducentes a uma
neo-escravização do ser racional, as quais impedem uma ordem que favoreça o
desenvolvimento integral do homem, nem propiciam condições para que ele se
situe no mundo a fim de, com seu agir e operar, transformá-lo,
humanizando-o.
O pensador cristão tem uma
tarefa específica na sociedade, donde ser urgente que ele se conscientize de
sua missão no que tange à elaboração de um projeto para um novo contexto
histórico.
O impacto tecnológico exige
uma retomada dos princípios que embasam a autêntica dignidade da pessoa
humana, postergada em função de bens materiais. Uma reavaliação ontológica
do homem é que se impõe e um crédito nas suas possibilidades. Vancourt cita
Heidegger que, na obra Kant e o problema da metafísica, afirma:
“Nenhuma época acumulou sobre o homem conhecimentos tão numerosos e tão
diversos como a nossa. Mas também nenhuma época soube menos o que é homem”.1
A filosofia Cristã, além de
estabelecer os fundamentos metafísicos da pessoa humana, leva o homem a
aderir às realidades últimas, o que imprime ritmo a uma existência que
visualiza uma meta: porvir em construção.
Tudo isto conseqüências
imediatas para a organização universitária, à qual fazer entrever opções que
ensejem a plena humanização do meio no qual o homem atua.
O papel do intelectual cristão
Muito se discute qual seja o lídimo múnus do intelectual.
Francis Bacon2
lançou uma idéia cuja aplicação utilitária suscita uma posição profundamente
danosa e que desvirtua a incumbência daquele que é culto. Conforme o
filósofo inglês o conhecimento implica em poder. Sob este
prisma a cultura estaria a serviço da superioridade nacional e sob o jugo de
ideologias. Não poderia, portanto, jamais conduzir o magno empreendimento a
que os mais talentosos são realmente chamado. A Universidade estaria
atrelada a estruturas político-econômicas e o poder tecnológico arrastaria a
um endeusamento das ciências que mais diretamente proporcionam domínio
econômico do universo e daí levaria à supervalorização da máquina.
Sócrates opõe-se
diametralmente a Bacon. Para o filósofo grego a sabedoria se liga à
virtude (areté)3. Platão e Aristóteles desenvolveram este
pensamento e almejaram atingir a Verdade, o Belo, o Bem. Ideal válido, sem
dúvida, mas vago, pouco operativo, posicionamento por demais
intelectualista, que aliena do concreto, o que não se coaduna com uma
situação funcional e realistica.
Outros julgam ser encargo do
sábio, através do emprego do método científico, sujeitar não apenas o setor
não-humano, mas ainda o humano. Assim raciocinam: que adianta ao homem poder
controlar o átomo, percorrer fantásticas distâncias no espaço sideral,
subjugar a natureza biológica, se ele não sabe como controlar suas paixões,
suas angústias, suas fobias, seus conflitos. Opinião ponderável, mas
lacunosa, pois omite o aspecto social do problema que resta, assim, mal
equacionado.
A visão correta do ofício
especial de quem se dedica à cultura flui de uma maneira democrática de
conceber a educação e o ensino, firmada na filosofia cristã que leva a uma
formação humanística, voltada para o praticável. O homem, cônscio de seu
valor, preparado para o exercício autônomo e criativo de suas ações sociais.
Serviço universal no qual não obstaculiza nem a ciência, nem a técnica.
Como, porém, de si, nem uma, nem outra podem estruturar a práxis, elas são
apenas direcionadas para uma sociedade, de fato, humana dentro de uma
perspectiva antropológica que habilita para a organização de uma genuína
comunidade. Isto decorre de uma concepção cristã do homem.
Visão cristã do homem
A dignidade da pessoa humana
Os maiores filósofos da
antigüidade não tiveram uma exata imagem do homem. Acidente de uma idéia
eterna para Platão, membro de uma espécie para Aristóteles, o sentido
perfeito de pessoa humana era-lhes impossível. Predomina na mentalidade
grega o indivíduo. No pensamento filosófico cristão, como fruto opimo
doutrina pregada por Cristo, surgiu a conceituação precisa da pessoa humana.
Como mostra Louis Lavelle, “com o cristianismo tudo muda. A consideração do
ser é substituída pela de pessoa”.4 Daí corolários muito bem
sintetizados por Jean Mourroux: “como espírito que enforma um corpo, a
pessoa segue as condições da criatura espiritual: exprime relação direta a
Deus e ultrapassa a espécie feita para ela”.5 Donde resulta que a
pessoa humana não pode ser absorvida no coletivo, nem estar sob qualquer
pressão externa que induz, de modo subliminar, um modus vivendi. Toda
ordem econômica deve estar em sua órbita, sendo inconcebível um ser dotado
de alma sujeito ao que é material. É todo um posicionamento que cumpre seja
revisto. Seu valor extraordinário, a Pessoa não o recebe nem de sua família,
nem de sua fortuna. Todo homem vale por si mesmo, seja qual for sua origem
ou condição social. O que interessa é o estar-bem no mundo e não o
bem-estar outorgado pelo mundo. O bem-estar identifica-se com algo
passageiro, efêmero, temporâneo, propiciado por um conforto exterior. O
estar-bem é um valor permanente, instalado dentro de cada um e independe do
meio físico, das coisas perecíveis. O bem-estar pode ser conseguido com
dinheiro, o estar-bem só se obtém com a reflexão. O bem-estar lisonjeia a
carne, o estar-bem inebria o espírito. Para o bem-estar é o lugar que faz o
homem, para o estar-bem é o homem quem faz o lugar. O bem-estar consome
bens, o estar-bem espalha valores. O bem-estar é um compromisso com o corpo,
o estar-bem é uma obrigação com a alma. Para o bem-estar é preciso que haja
energia que passem pelos circuitos corporais, para o estar-bem as forças
passam pelas vias espirituais. Bem-estar é ter, estar-bem é ser e viver. Com
efeito, ser e viver é estar-bem com a consciência, voz que fala no âmago de
cada um; com Deus no qual tudo está imerso; com os outros que estão do outro
lado da porta e batem sequiosos daquela riqueza que cada um pode intuir,
quando, colocando entre parênteses o mundo sensível, depara, pela razão, o
Bem, a Verdade, o Belo.
Estar-bem é possuir e
vivenciar tudo isto. Valores buscados pela mente que abre regiões interiores
que se iluminam e se exteriorizam em comportamentos que edificam. Aliás,
pertinente o dito socrático, “vida sem reflexão não merece ser vivida”.
É a procura do
aperfeiçoamento do próprio ser no pensar, no querer, no sentir e no operar.
É o crescimento do todo do ser racional em todas as suas
dimensões. O ato de valorar tem influições transordinárias, uma vez que pode
fazer ver aos outros a bondade, a verdade, o amor. Os valores que moram no
coração são atemporais e, por isto, sua base está na categoria do que valem
e, assim, justamente por valerem é que trazem benefícios práticos e
existenciais. Nem todos os conhecem, vivem e intuem.
É mister descobri-los lá no
íntimo pela via da contemplação, isto leva a dar uma orientação à vida e
conduz à venturosa atuação que redunda na autoformação. Donde a eutimia,
vida plenificada, conjuntura prevista por São Paulo6 de sucesso
total e gratificante. Cristo falou claramente: “O homem bom, do bom tesouro
de seu coração tira o bem”7 e o bem no dizer de Santo Tomás de
Aquino, é de si difusivo. Eis porque Jacques Maritain sentenciou com razão:
“a procura da felicidade na terra é a procura não das vantagens materiais,
porém da retidão moral, do vigor e perfeição da alma, com condições
materiais e sociais que isto implica”.8 É que o homem está no
mundo, mas não está nele contramurado. Tem um destino transcendente. Nossa
era, porém, tende a despersonalizar, a desumanizar, a desespiritualizar o
homem, pois as estruturas para as quais, como suporte, estão poderosos meios
de comunicação, manipulam, massificam. Assim, mentalizar o homem de sua
importância ontológica é obra educacional inadiável que resulta na
preservação dos bens sobrenaturais. É esta colocação metafísica da natureza
da pessoa humana, tal como a apresenta a filosofia cristã, a única capaz de
sustentar a valia do ser humano em todos os setores.