Diante deste modo de ver a
pessoa humana, surge esta realidade: enquanto corpo, está o homem na esfera
do tempo; espírito, o cronos é sua história. Há no mais profundo de
cada homem uma tensão, porque possui um viver que lhe exige uma decisão para
realizar a plenitude de seu ser. Segundo Lima Vaz, “é a historicidade da
consciência que permite a projeção de um sentido histórico ou inteligilidade
histórica na experiência temporal do ser”.9 Aí, exatamente, o
papel da educação que é o processo pelo qual se organiza o homem como ser
histórico. Creuza Capalbo escreveu que “educação não é uma obra já feita mas
a ser feita”.10 Não é a existência em si, mas como deve ser. O
homem é chamado, no decorrer de sua vida, a alcançar perfeição crescente,
sendo o progresso pessoal uma sucessão ininterrupta de esforços para esta
meta da autoperfeição. De fato, o homem pode sempre se aprimorar. Está
colocado entre o que foi e o porvir. O instante presente está prenhe do
passado e refletirá irreversivelmente no futuro. Bernard Häring assegura: “a
herança do passado (herança biológica, cultural, ético-religiosa) representa
a trama já tecida e a tecer ainda, a qual solicita agora a liberdade
humana”.11 O livre arbítrio está empenhado num fado histórico. É
esta a conclusão de Lapassade12 na sua tese na qual vislumbra o
homem como um ser inacabado, revelando como, por ser temporal, sua educação
é a primeira maneira para administrar a temporalidade vivida, para que seja
completa e autenticamente significativa. Dotado de liberdade, ele pode atuar
sobre a sua vida pretérita. Dá rotas à sua história. O que virá depende
precisamente deste procedimento. Cada um é responsável pelo que há de lhe
advir. Eis por que a cada momento se constrói o futuro. Cada decisão em
direção ao bem influencia positivamente opções seguintes. O inverso se dá
quando a metodologia empregada negou valores, pois isto representa acumular
obstáculos. É apanágio do homem poder, por nova modalidade de pensar,
influir no que lhe aconteceu. Isto vai depender das inspirações que dirigem
seus anseios, sua captação de respostas às suas inquietantes perquirições.
Deste modo, ele refaz posições anteriores e imprime segura marcha para
frente. Por ser livre, cada um é senhor de sua sina, mas o uso desta
prerrogativa está ligado a todo um conjunto de atitudes educacionais. Graças
à alma, transcende o tempo. Impõe-se-lhe então tome consciência deste
privilégio para dirigir com êxito o desenrolar de sua passagem terrena.
A Filosofia Cristã leva,
assim, cada um ao contato com as questões escatológicas. É a solução à
indagação incoercível: qual o fim de todo este processo? Cada módulo
existencial ganha proporções que transpõem a contagem temporal. Há,
portanto, um necessário liame com Aquele que É. Isto dá uma conotação
peculiar à educação e informa in totum o comportamento, evitando
tergiversações ante a ambivalência conatural perante o bem e o mal.
Percebe-se que no apogeu do fenômeno histórico, quando Thanatos
significará um aprimoramento ontológico, será no ritmo de uma vivência plena
que cada um constatará que sua trajetória individual foi uma consumação
feliz, porque Eros foi transfigurado através de Ágape,
direcionado para riqueza mais alta.
Concepção cristã da universidade
Dentro deste prisma, a
Universidade deve quebrar a divisão entre escolas humanistas e escolas
técnicas, segmentação antidemocrática, que faz com que apareça estruturação
em castas herméticas e hierarquizadas, e anti-social por impedir a muitos
uma luz superior que salva, unifica, liberta e penhora um agir comunitário
humanista. No caso desta dicotomia a Universidade não teria um sustentáculo
viável que adestrasse aqueles que estejam aptos a orientar e a guiar,
“homens de grande saber, preparados para enfrentarem tarefas de maior
responsabilidade na sociedade...”.13 Trairia sua vocação
educativa. Todas as vezes que isto ocorre, há um exclusivismo mutilador com
o risco do predomínio do cientismo e surgem agressões tecnológicas. É que,
quando há tal separação, o universitário é levado “a uma forma sofisticada
de incultura e barbárie intelectual que é a especialização ciosamente
fechada em seu próprio domínio”.14 Adolpho Crippa diagnosticou
com precisão este ângulo, demonstrando que a Universidade precisa voltar a
ser laboratório de humanismo: “É a partir de uma idéia exata e comum do
Homem que as atividades universitárias recebem unidade e justificação. Fora
do mundo criado por uma coerente do homem teremos multi-universidade ou
di-versidade, jamais uni-versidade. A unidade deve nascer de um único foco
iluminador, de uma fonte doadora de sentido. Somente o humanismo pode ser
este foco e esta fonte”.15 Maritain que aponta como objetivo da
Universidade “complementar a formação da juventude, conduzindo ao seu termo
a aquisição da força e maturidade do raciocínio e das virtudes intelectuais”16,
advoga este humanismo, patenteando que “a educação tem essência e finalidade
próprias. Essa essência e estas finalidades se relacionam com a formação do
homem e a libertação interior da pessoa humana e devem ser mantidas,
quaisquer que seja as tarefas impostas”.17
Cabe à Universidade, de
fato, nortear, harmonizando a ciência e a educação. Ainda agora, no dia 17
de outubro, o Editorial de La Nacion18, lançava de Buenos Aires
um repúdio ao “homo tecnocraticus” e evidenciava que as Faculdades
não podem apenas “preparar homens que fazem”. Os estudantes, apregoa
este Editorial, devem deixar de serem “facultativos” para se tornarem
“universitários”, homens que percebam problemas totais ainda que encargo
seja a decisão sobre facetas parciais. Mais de uma vez se tem dito que os
dirigentes devem sair das universidades. No atual governo britânico, 17 de
seus 22 componentes são graduados em Oxford e Cambridge.
Eis por que é essencial que
a Universidade cresça horizontal e verticalmente. Que focalize o homem em
sua totalidade e unidade, isto é, “em sua inteireza ontológica, sujeito de
ciência e consciência, de cultura e civilização, de trabalho e produção, de
esperança e fé, de tempo e eternidade”.19 Expressivo o
ensinamento do Papa Pio XI: “o assunto educação é o homem global e inteiro,
alma unida ao corpo em unidade de natureza, com todas as suas faculdades
naturais, tal como a razão justa e a revelação lhe mostraram que fosse ...”20.
Otávio Nicolás Derisi, com propriedade, denuncia que “tal foi o desvio
fundamental da Universidade e, em geral, da educação na idade moderna:
haver cultivado unilateralmente a profissão e a investigação, mas não
havê-lo feito sobre a base de uma cultura autêntica integralmente humana, no
sentido do desenvolvimento harmônico e total de todo o homem, na tríplice
dimensão espiritual que constitui o âmbito de seu mundo humano e pessoal;
haver preparado para a ciência, para a profissão, mas não haver preparado
para a vida...”.21 Trata-se de apoiar “o desabrochar e o
desenvolvimento do todo do homem em todas as suas dimensões”22 e
é a Filosofia Cristã que entrevê a pessoa humana em sua uniformidade. Ora,
também o universitário tem direito a esta educação integral, porque o homem
é um ser inacabado, aperfeiçoável, perfectível que até o último sopro de
vida está numa “metabléica” constante. Citando E. Bloch, Pierre Furter opina
que a “educação é necessária porque o homem é um “ser de carência”23.
Não há marca de chegada à maturação, pois a caminhada é diuturna até o
momento final da permanência fora da eternidade. Se assim é, a formação
científica não pode estar dissociada nunca da humanística, sob pena de haver
uma desintegração com a prevalência do material sobre o espiritual,
perdendo-se o significado, a diretriz histórica, o senso da existência. É,
pois, imprescindível o ensino da iniciação filosófica, da história das
idéias, da antropologia cultural, ministradas em consonância com as matérias
especializadas.
Apenas a Universidade, que
tem tal percepção, realiza seu múnus, encarnando, de fato, a cultura de um
povo. Forma aqueles que fixam as novas veredas que ensejam a humanidade a
obstar os males a serem urgentemente atalhados, os quais já mancham
inditosamente uma fase da História, mas cujos reflexos se podem antever
ainda mais terríveis nos campos físicos e morais. Missão libertadora que se
compromete a uma atividade efetiva na certeza de que não basta SER, é
preciso VIVER.