Sören Aaybye Kierkegaard

Por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 
Sören Aaybye Kierkegaard nasceu em 5 de maio de 1813, em Copenhague, Dinamarca. Era filho de um comerciante casado em segundas núpcias com uma doméstica. Deste segundo casamento, nasceram sete filhos, do qual Sören foi o último sendo seus pais já relativamente idosos. Cinco de seus irmãos morreram antes dele e o próprio Sören viveu apenas 42 anos. O único sobrevivente dos irmãos tornou-se bispo luterano.

Em sua família, sobretudo em relação à figura do pai, Kierkegaard julgava ver a marca de um destino trágico e misterioso. Ele falava que seu pai possuia uma obscura culpa, e foi a descoberta desta que, segundo Kierkegaard, constituiu-se no "grande terremoto" de sua vida. Não temos certeza do que tenha sido esta culpa paterna, mas, seja lá o que fosse, ao determinar um relacionamento mais complexo e doído com seu pai, acabaria por representar uma espécie de lâmpada no escuro, permitindo-lhe desenvolver uma compreensão "existencialista" de sua vida.

Herdeiro de uma melancolia religiosa quase doentia que impregnava sua família, este "espinho na carne", essa busca de se entregar ao verdadeiro sentido divino da existência, levou Kierkegaard a renunciar a realização de seu ideal ético e humano de se casar com a bela e doce Regina Olsen. Mesmo apaixonado, Kierkegaard pensava que "um penitente como eu, com a minha vida ante acta e a minha melancolia... já devia ser suficiente", ou seja, ele não queria expor sua amada à angustia de sua busca espiritual, nem queria que o casamento fosse impecilho a isto, o que não o impediu de sofrer amargamente até o fim da vida a perda de sua paixão: "eu serei teu ou te será permitido me ferir tão profundamente, no mais íntimo de minha melancolia e de minha relação com Deus que, ainda que de ti separado, continuo sento teu". Para ele, um penitente, alguém que se entrega ao ideal cristão da vida, com toda a radical seriedade que isto implica, não poderia viver a serena existência de um homem casado. Ele não poderia aceitar a sua inscrição na ordem constituída. Não poderia ser mais um homem entre tantos outros homens. Ele queria ser, antes de tudo, cristão. Regina, mais tarde, casou-se com outra pessoa, mas Kierkegaard nunca a esqueceu, e nutria a cândida esperança de que a oposição ferrenha do mundo à sua filosofia pudesse conferir ao olhos de Regina um novo valor à sua vida, e pudesse, assim, perdoá-lo pelos sofrimentos decorrentes do rompimento do noivado que, ademais, foi o suficiente para por quase toda a burguesia de Copenhague contra ele.

Desde muito cedo, Kierkegaard foi vítima de chacotas e toda de sorte de agressividade. Tudo isso por causa de sua ferrenha crítica de toda a cultura européia e da filosofia hegeliana, bem como da filosofia romântica, naquilo em que elas demonstraram ser excessivamente parciais: a ênfase quase que exclusiva no universal e no coletivo em detrimento do individual. Isto parecia tirar - e, de fato, formava um pretexto ideal para tirar mesmo - a responsabilidade individual perante a própria vida, responsabilidade essa que também influi no social. Kierkegaard costumava dizer que seu tempo se caracterizava por uma ingênua aceitação das premissas burguesas e de idéias vindas de cima para baixo, sem questionamento. Tempo em que não se via quase nenhuma paixão e engajamento em valores espiritualmente significativos, criticando, por isso, a atitude preguiçosa e acomodada da Igreja. Ser cristão, para ele, significara seguir, de verdade, na prática, toda a práxis deixada por Jesus:"O Cristianismo é de uma seriedade trmenda (...). Ser Cristão é sê-lo no espírito, é a inquietude mais elevada do espírito (...)". O que há é uma disputa calculada para se manter o poder de consciências, e Kierkegaard se choca diante da realidade última de que, dentre todas as chamadas heresias, ninguém se dê conta da mais perigosa e sutil de todas: a de "fingir ou brincar de cristianismo".

Bibliografia

Real, Giovanni & Antiseri, Dario - História da Filosofia, Vol. III. Editora Paulos, São Paulo, 1996.
Gaarder, Jostein. - O Mundo de Sofia. Companhia das Letras, São Paulo, 1995.
Kierkegaard, Soren A. - Diário de Um Sedutor e outras obras. Coleção "Os Pensadores", Ed. Abril, São Paulo, 1989.