Sobre a noção de dominação da natureza no contexto de O conceito de Esclarecimento

Por Ângelo Fornazari Batista

 

“Dominação da natureza” e “esclarecimento” são momentos históricos que se necessitam mutuamente, dificultando, assim, uma avaliação na precedência – temporal e lógica – entre um e outro. Enquanto “o programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo” a “sua meta era dissolver o mitos e substituir a imaginação pelo saber”.[1] Nada disso seria possível sem o jugo do homem pela natureza. Tal jugo e programa são manifestados, segundo os autores, por uma nova epistemologia: deixamos de lado a mitologia para abraçar a ciência positivista.

Em épocas passadas “o mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também expor, fixar, explicar”.[2] Apesar do esclarecimento já estar contido no bojo do mito, a projeção do subjetivo na natureza dá a este um caráter de obscuridade, resultando em sua não total compreensão, gerando desta maneira o medo. A explicação do porquê de uma má colheita dava-se antigamente pela ausência ou pela falta de sacrifícios e preces para com os deuses correspondentes; hoje é devida ao baixo índice de sais minerais e vitaminas contidas no solo: o medo respeitoso frente a natureza é desnudado; em seu lugar estão agora o cálculo, a ordenação, o dado. Isso, que seria um sinal evidente de progresso é, concordando com Adorno e Horkeimer, o contrário: “a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”.[3] Pois, atualmente mais que ontem, saber é poder. Poder sobre a natureza, poder sobre o homem. “A história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a historia da subjugação do homem pelo homem”,[4] dirá Horkheimer poucos anos depois. A razão na era mítica queria dizer uma verdade, sua atividade visava fins objetivos; hoje, subjetizada, ela é operation, instrumento: transformada em ideologia somente para o mote da auto-conservação humana.

O mesmo que dissemos sobre o esclarecimento e dominação da natureza no que respeita a afirmar com precisão qual é a causa e o efeito entre um e outro, vale também quando pensamos a subjugação da natureza exercida pelo homem, vista isoladamente. Isso porque os autores a distinguem em dois tipos. Dominar a natureza exterior ao homem é pensar padrões, sintetizar universal e particular em um bloco homogêneo livre de contradições: “o esclarecimento só reconhece como ser e acontecer o que se deixar captar pela unidade”.[5] O domínio interior natural é a repressão do ego. Deixar a diferença que individua cada ser humano para agarrar-se ao igual, àquilo que velha a ser o sempre-igual.

Desta maneira conseguimos compreender a tese dos autores estudamos em questão: “toda tentativa de romper as imposições da natureza rompendo a natureza, resulta numa submissão ainda mais profunda às imposições da natureza”[6], isto é, o esclarecimento, arma contra a mitologia, é mitológico; assim como o mito, primeiro arauto da razão frente a natureza, já é esclarecimento.

Como sair desse circulo vicioso? A crítica dos autores no que respeita a noção de “domínio da natureza” não deve ser entendida como “absoluta”. Isso porque tal domínio é essencial para a constituição do homem enquanto sujeito, àquele que nega sua própria natureza para se tornar um agente produtivo. Não houvesse este distanciamento a historia não existiria, não teria sentido algum. O pernicioso, e mesmo incoerente, é uma teoria do conhecimento que inibe a conquista – ou ao menos que fecha a porta para ela não poder ser nem desejada – da verdade, paralisando o movimento; ao invés dos seres humanos se distanciarem do que lhe é diferente para assim poderem se entregar sem reservas, dissolvendo-se no objeto: [7]“somente então o conceito de comunicação encontraria seu lugar de direito como algo objetivo. O atual é tão vergonhoso porque trai o melhor, o potencial de um entendimento entre homem e coisas, para entregá-lo à comunicação entre sujeitos, conforme os requerimentos da razão subjetiva. Em seu lugar de direito estaria, também do ponto de vista da teoria do conhecimento, a relação entre sujeito e objeto na paz realizada, tanto entre os homens como entre eles, e o outro que não eles. Paz é um estado de diferenciação sem dominação, no qual o diferente é compartido”.

Bibliografia:
Adorno, T. / Horkheimer, M. “O conceito de esclarecimento”. In: Dialética do esclarecimento – fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 1985
Horkheimer, M. “A revolta da natureza”. In: Eclipse da Razão. São Paulo. Centauro Ed. 2002
Adorno, T. “Sobre sujeito e objeto”. In: Palavras e Sinais – Modelos críticos 2. Petrópolis, RJ. Vozes Ed. 1995