Apontamentos do Texto: A Razão na História
de Hegel
Por Ângelo Fornazari Batista .
“Na história, o pensamento está subordinado aos dados da realidade, que mais
tarde servem como guia e base para os historiadores. Por outro lado,
afirma-se que a filosofia produz suas idéias a partir da especulação, sem
levar em conta os dados fornecidos. Se a filosofia abordasse a história com
tais idéias, poder-se-ia sustentar que ela ameaçaria a história como sua
matária-prima, não a deixando como é, mas moldando-a conforme essas idéias,
contruindo-a, por assim dizer, a priori. Mas, como se supõe que a história
compreenda os acontecimentos e ações apenas pelo que são e foram e que,
quanto mais factual, mais verdadeira ela é, parece que o método da filosofia
estaria em contradição com a função da história.” (HEGEL, 2001:52) Ao
contrário de uma possível contradição metodológica entre essas ciências,
Hegel afirma que a história do mundo só pode ser contada e contemplada a
medida que ela se valha da filosofia.
É pela especulação e reflexão racional que a filosofia se sustenta. E haja
vista que “na história do mundo as coisas aconteceram racionalmente”,
(HEGEL, 2001: 53) vislumbramos o ínicio dessa união entre as ciências
supracitadas. Para provar a existência de uma razão no mundo, Hegel nos dá o
exemplo de Anaxágoras, cujo feito foi observar que há um sistema solar no
qual os planetas giram ao seu redor. Porém, diz Hegel, ao grego não foi
possível inferir qualquer racionalidade sendo contemplada, pois no seu tempo
ela estava ainda velada. Percebe-se claramente que a história do mundo
hegeliana visa, portanto, uma teleologia. Ora, sendo uma teleologia
comandada pela razão, não iria ela ser contra qualquer doutrina religiosa?
Não para Hegel, já que ele vê em Deus a Razão Absoluta. Aliás, Razão e Deus
são termos correlatos e, pode-se dizer, significam uma mesma coisa:
requisito lógico do mundo, cujas potencialidades inerentes se manifestam no
decorrer da história. Metodologicamente, Hegel assim compreende o estudo da
história do mundo: “devemos tentar seriamente reconhecer os caminhos da
providência, os seus significados e as suas manifestações na história, e seu
relacionamento com o nosso princípio universal[1]” (HEGEL, 2001:57)
(“Reconhecer os caminhos da providência” implica uma certa passividade
daquele que estuda ou quer conhecer a história passada; não é a toa que ele
emprega o verbo contemplar em sua obra.) Se assim é, qual o objetivo final
do mundo?
Dissemos acima que o mundo, para Hegel, deve ser pensado racionalmente, que
todos acontecimentos históricos passados foram necessários; donde seu
aspecto teleológico. Esse plano divino é manifestado ao mundo mediante o
“Espírito de um povo”, visando a Idéia de Liberdade. Ou seja, esta idéia é a
força motriz da história, ao passo que o Espírito de um povo é expressão de
uma realidade histórica finita, que por processos dialéticos busca
sobrepujar as potencialidades infinitas da Idéia.
Pelo caráter objetivo do “Espírito de um povo”, as subjetividades que
constituem uma nação e até mesmo as dos próprios indivíduos, são
consideradas por Hegel apenas como um primeiro passo do movimento dialético.
Todas as paixões particulares servem para serem aniquiladas, dando lugar a
universalidade de que a Idéia de Liberdade necessita. Nem mesmo os heróis,
aqueles que serviram de exemplo para uma mudança do Espírito de uma época à
outra, tinham consciência da objetividade de suas paixões, pois “a história
do mundo dá início ao seu objetivo geral – compreender a idéia de Espírito –
apenas em uma forma implícita (ansich), ou seja, como Natureza, como um
instinto muito profundo e inconsciente” (HEGEL, 2001: 71). Torna-se preciso,
então, compreender a ligação entre o particular e o universal, – entre o
subjetivo e o geral – cujo casamento propicia a história do mundo.
Sendo a Idéia[2], condição lógica para o mundo, ela não está contida nele.
Ou melhor, ela não necessita dele para sua preservação. Enquanto tese, a
Idéia “é o universal, o imanente, o representado” (HEGEL, 2001: 72), isto é,
ela não tem ao quê se comparar. É necessário, pois, um outro lado cujas
qualidades neguem o conteúdo da Idéia. Este outro lado é chamado por Hegel
de consciência, Ego, ou átomo. Estes conceitos são a “negatividade infinita”
da Idéia. Eles são sua finidade e sua forma. É desta lógica dialética que
Hegel vê surgir o mundo, como síntese entre a Idéia e o Ego[3].
O mundo é composto pela Natureza e pelo Espírito. O primeiro, o campo da
necessidade, o segundo da liberdade. Enquanto aquele se manifesta mediante a
natureza; este se caracteriza, em uma primeira instância, por meio do
indivíduo.
É pela característica da liberdade que o homem é um ser moral. Tal fato
implica “em que ele cumpra os deveres de sua posição social” (HEGEL,
2001:76), além de ter a consciência de pertencer a um determinado “Espírito
de um povo”. Pois “o indivíduo não cria o seu conteúdo, ele é o que é,
expressando tanto o conteúdo universal quanto o seu próprio conteúdo”.
(HEGEL, 2001: 77) . Ou seja, a ligação entre o subjetivo e o geral, dá-se
neste momento.
A união supracitada, segundo Hegel, só se manifesta por meio do Estado. Esta
instituição abarca todo o conjunto moral de seus indivíduos. Só através de
sua presença é possível falar em liberdade e autoconsciência no indivíduo.
Porque “a Idéia de liberdade necessariamente implica lei e moral”. (HEGEL,
2001, 92). O Estado é o campo das objetividades. Um espaço pontual no qual
podemos assinalar e nos referir quando pensamos na História do mundo.
Enquanto o indivíduo morre, o Estado, através de abstrações, permanece. Isto
é, apesar do Estado grego morrer com o povo grego, ele permance
historicamente. Sua “morte”, deu lugar, concordando com Hegel, a outro
Estado mais perfeito, mais consciente de si e tendo seus indívíduos com o
conceito da Idéia de Liberdade mais aflorado e rígido.
Por se tratar apenas de um texto de apontamentos sobre a referida obra de
Hegel, pararemos por aqui. Entretanto, deixaremos uma última citação de
Hegel que confirma a enorme função que o Estado tem para seu sistema
filosófico: “O Estado é a realização da Liberdade, do objetivo final
absoluto, e existe por si mesmo. Todo o valor que tem o homem, toda sua
realidade espiritual, ele só a tem através do Estado.(HEGEL, 2001:90)
Bibliografia:
HEGEL, G.W.F. A Razão na História – Uma Introdução geral à Filosofia da
História. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo. Ed. Centauro. 2001
[1] Este princípio é de que a Razão sempre esteve no mundo.
[2] Já mencionamos que a Razão é condição lógica do mundo. No texto em
questão, Razão, Deus e Idéia são conceitos de mesmas qualidades. Portanto,
Idéia é, obviamente, fundamento lógico para criação do mundo.
[3] Sabemos que Hegel nunca mencionou termos como tese, síntese e antítese.
Porém, para esclarecer essa árida passagem do texto, optamos por esses
vocábulos tão comuns quando se trata em explicar a dialética hegeliana.