A Teoria Crítica tem como instrumentos
metodológicos a dialética de Hegel e alguns conceitos encontrados nas
obras de Marx, tais como mais-valia, mercadoria e relação de troca.
Podemos dizer que para ela, a dialética é sua forca motriz, enquanto os
conceitos marxistas supracitados servem de apoio e mesmo corroboração de
suas teses.seu objeto de estudo é efetivamente a sociedade burguesa
contemporânea, tal como concebida e idealizada pela Revolução Francesa.
Neste sentido a afirmação de Horkheimer é esclarecedora: ´´… a Teoria
Crítica é em sua totalidade um único juízo de existência desenvolvido“. O
referido juízo abarca o objeto individual e real. Mostra as peculiaridades
que o forma, recusando, num certo sentido, o caráter hipotético de
deduções no que diz respeito à construção de seu conhecimento. De fato, a
preocupação do individuo somente com a sua auto-conservação; a síntese de
conhecimentos caracterizada por uma razão instrumentalizada; a eliminação
de conceitos por fórmulas; o eficácia do tempo livre dirigido por outrem;
as associações intersubjetivas marcadas por relações de trocas – entre
outras determinações – são todos sintomas de nossa sociedade e que
de nenhuma maneira devem ser analisados fora deste mesmo âmbito
político e social. As qualidades de totalidade e unicidade que este juízo
comporta remetem, portanto, aos variados indícios de uma mesma realidade.
Indícios estes impregnados de contradições objetivas e subjetivas.
O cientista tradicional, o teórico
(neo)positivista e o senso comum fecham os olhos para tais contradições.
Enquanto uns vêem suas atividades como absolutamente independizadas de
outras ao seu redor, outros vêem na realidade a aparência do concreto. O
cientista de nossa época não é capaz de enxergar que seu fazer está
conectado com outras ciências. Pensa que é independente também em relação
ao status quo: sequer imagina que suas descobertas estão sendo
exigidas e manipuladas pela economia e o Estado burguês. O teórico atual
olha para um mundo imóvel e dado. Sua compulsão por números chega a ser
passível de uma analise psicanalítica. Olhar, classificar, ordenar,
quantificar, expressar em gráficos: tal é sua fascinação. Ao senso comum
já está tudo como tem de estar ou como deve estar. Até mesmo a força que
Marx via no proletariado, hoje já não há mais como ser pensada a rigor:
esta classe social já se atomizou e dissolveu-se no establishment
mediante a propaganda e fetichização dos bens de consumo e produção.
A Teoria Crítica, ou o juízo de existência
desenvolvido, tenta entender por que as contradições não são
progressivamente superadas sem que invariavelmente tenha-se de voltar a
elas. Dito de outra forma, estudar o por que de estarmos na barbárie, se
todas as ferramentas objetivas necessárias para a conquista da liberdade
concreta humana estão em nossa época disponíveis. Já apontamos, no
parágrafo acima, algumas razões enunciadas por Horkheimer. Iremos,
entretanto, nos demorar um pouco mais na concepção que o teórico
tradicional tem de si. Com relação a ele, Horkheimer observa: “o dualismo
entre pensar e ser, entendimento e percepção, é para ele natural“.
A dicotomia entre res cogitans e
res extensa foi formal e materialmente explicitada por Descartes. O
existir do cogito é substancial. A relação entre o pensar e o existir
dá-se abstratamente, necessitando da mediação divina para o objeto
concreto se perfazer. A filosofia cartesiana foi incorporada à vida
social, tornou-se práxis, porém sem nenhuma mediação, pois a sociedade que
serviria de mediadora é vista sem vida: é movimentada mecanicamente.
Enquanto o teórico crítico compreende o pensar, o formular a teoria em
permanente contato com o ser, com o acontecer fático, com o agir. (Adorno
dirá outrora: ´´Pensar é um agir; teoria é uma forma de práxis.“) Para o
outro teórico, sua teoria deve obedecer aos fatos. Essa associação
hierárquica supõe o fato como conseqüência de um destino ahistórico e,
portanto, alheio à sociedade. Uma instituição qualquer não é vista como
reflexo de uma atividade social sociedade, não é, por assim dizer, um
fazer humano, é tão somente algo que já está concluído, impassível de
contradições. Do mesmo modo, a separação entre entendimento e percepção
dá-se porque o objeto é pensado post factum, i. e., como
necessariamente lógico, mas não como uma imanente necessidade objetiva ou
concreta. O caráter natural que Horkheimer atribui a estas separações
deve-se por conta do teórico e mesmo de todos os outros indivíduos de
nossa sociedade não estarem mais aptos a fazer experiências. Se tolhida a
experiência, inevitavelmente todo e qualquer objeto já está concebido.
A dialética hegeliana não serve para
Horkheimer enfatizar que existe um Espírito o qual comanda a história do
mundo, nem para identificar o particular com o geral. Antes, mostrar que a
práxis humana deve corresponder a uma sociedade igualmente humana. Em
nossa sociedade – ´´felizmente´´ vislumbrada por Marx – não há
possibilidade alguma de identificação entre contingente e necessário:
somente a exposição e denuncia das contradições.