A Mensagem de Plotino

Por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 

Plotino, segundo Jostein Gaarder, via o mundo fenomênico e humano como algo que está entre dois polos: Numa extremidade está o divino, de onde tudo vem e para onde tudo vai, ao qual ele chamava de Uno. Plotino abraçava uma concepção holística do universo (é pena que a palvra holismo esteja, hoje em dia, misturada com uma falácia de lixo pseudo-místico, que lhe tiram o signficado real). Às vezes Plotino chamava o Uno de Deus. Na outra extremidade estaria aquilo que Plotino chamava de reino das sombras, onde apenas uma fração ínfima da luz divina chegava. Mas Plotino usava estas metáforas apenas como uma figuração didática. Ele dizia, por exemplo, que estas trevas não tinham uma existência concreta. Elas eram apenas a ausência momentânea da Luz Divina, como mais tarde Mestre Eckhart diria que a matéria era a condensação de algo espiritual. Assim, sendo este extremo apenas ausência de luz, as trevas não são. Elas apenas estão na escuridão. A única existência real é a existência da odem implícita que causa o mundo fenomênico mutável. Assim, só Deus é o real. Mas, assim como uma fonte de luz pouco a pouco se perde na escuridão, também podemos imaginar um lugar onde os raios divinos chegam muito fracos, o que Plotino identificava com a matéria. Mas até mesmo a matéria possui um pouco da luz divina. Sabemos hoje em dia, pela Física, que a matéria nada mais é que uma condensação de algo mais sutil: a nergia.

Eis um belo resumo das analogias poéticas da obra de Plotino (e, por ligação, de Amônio Sacas) dada por Jostein Gaarder:
"Imagine uma enorme fogueira creptando no meio da noite. Do meio do fogo saltam centelhas em todas as direções. Numa amplo círculo ao redor do fogo a noite é iluminada, e a alguns quilômetros de distância ainda é possível ver o leve brilho desta fogueira. À medida que nos afastamos, a fogueira vai se transformando num minúsculo ponto de luz, como uma lanterna fraca na noite. E se nos afastarmos mais ainda, chegaremos a um ponto em que a luz do fogo não mais consegue nos alcançar. Em algum lugar os raios lumiosos se perdem na noite e se estiver muito escuro não vamos enxergar nada. Nesse momento, contornos e sombras deixam de existir".
"Agora imagine a realidade como sendo esta enorme fogueira. O que arde é Deus - e as trevas que estão lá fora são a matéria fria, onde a luz está fraca, da qual são feitos homens e animais. Junto a Deus estão as idéias eternas, as causas de todas as criaturas. Sobretudo, a alma humana é uma 'centelha do fogo'. Mas por toda a parte na natureza aparece uma pouco desta luz divina. Podemos vê-la em todos os seres vivos; sim até mesmo uma rosa ou uma campânula possuem um brilho divino. No ponto mais distante do Deus vivo está a matéria inanimada".

"Digo que tudo o que vemos tem um pouco do mistério divino. Podemos ver o brilho desta alguma coisa num girassol ou numa papoula. Percebemos um pouco mais deste insondável mistério numa borboleta que pousou num galho, ou num peixinho dourado que nada no aquário. Mas o ponto mais próximo em que nos encontramos de Deus é dentro de nossa própria alma. Só lá é que podemos nos re-unir com o grande mistério da vida. De fato, em alguns raros momentos" - como falam Jung e Maslow - "podemos sentir que somos, nós mesmos, este mistério divino". O psicólogo americano Abraham Maslow fez exaustivos estudos provando a existência destas experiências culminantes, frequentemente impossíveis de serem expressas em palavras sem que se percam grande parte de sua força extraordinariamente bela e luminosa, e o onde a sensação de íntimo encontro com algo transcendete é o leitmotiv dominante.

As imagens que Plotino usa, e que Jostein Gaarder acabou de resumir, nos remetem ao mito da caverna de Platão. Mas enquanto Platão é dualista, distinguido de forma estanque a oposição entre o espírito e a matéria, Plotino nos aponta para a realidade de que o isto está também ligado ao aquilo (como também falava Buda), que o universo é uma imensa rede de relações onde tudo tem sua razão de ser no conjunto, no holos. Tudo está ligado a tudo, e tudo é Um, pois tudo concorre para o andamento da obra de Deus. Até mesmo as sombras têm uma tênue parte desta "Unidade" ((holismo)).

Em alguns momentos de sua vida, Plotino experimentou a vívida sensação de unir, fundir sua alma com Deus. Em nosso século, Abraham Maslow fez uma enorme pesquisa para provar que as pessoas mais saudáveis e carismáticas experimentaram, pelo menos uma vez na vida, uma espécie de experiência de pico (as Peak Experiences de Maslow) onde parece que as divisões convencionais do intelecto humano parecem perder todo o sentido, e a pessoa sente-se plena de uma paz e de um contato mais íntimo com algo transcendetal. Chamamos a este tipo de experiência de experiência mística. Plotino, porém, como sabemos, não foi único a viver essa experiência. Como nos fala Jostein Gaarder, pessoas de todas as culturas, em todos os tempos, têm relatado experiências semelhantes. Hoje o estudo dessas experiências é feito pela Psicologia Transpessoal. E um ponto básico destes relatos é o de que, embora ocorram variantes na descrição desses fenômenos - devido ao pano de fundo cultural e às crenças do sujeito -, esses relatos têm muitos e supreendentes pontos em comum.

Misticismo

Em praticamente todos os relatos sobre os chamados êxtases místicos, desde Plotino (e mesmo antes dele) até os dias de hoje com os pacientes/clientes da psicoterapia transpessoal, o que vemos é uma espécie de união íntima com algo que transcende nossos conceitos de realidade, que é difícil de por em palavras. Na nossa cultura cristã - embora o próprio Cristo tenha relatado muitas vezes que ele se sentia um com o Pai, de dizer que "vós sois deuses" e de que "O Reino está em vós" - o padres, pastores e teólogos vários nos inculcam que Deus fez o mundo sem que se envolvesse com o mundo, ou seja, que há um abismo entre Deus e sua criação. Deus teria feito as coisas e estaria apenas observando o andamento do drama universal, às vezes interferindo momentâneamente em algo, nos chamados milagres. Mas no oriente, especialmente no budismo e no taoísmo, e no ocidente, nas religiões originais dos celtas e gauleses (druidas), bem como em alguns de nossos índios da América do Norte e do Sul, em em todos os místicos de qualquer religião, o que se vivencia é uma sensação de união, onde este abismo é desconhecido (veja-se os relatos de Teresa D'Ávila e Juan de la Cruz). O que ele - ou ela - conhece é uma elevação a Deuss (Gaarder, 1995; Grof, 1988; LeShan, 1994).

Carl Gustav Jung e Joseph Campbell, bem como Plotino, nos dizem que aquilo que chamamos comumente de "eu" não é nosso eu verdadeiro, é apenas uma máscara, o ego. Em momentos de profundo amor e/ou emoção ou paz podemos sentir rapidamente uma espécie de contato com um eu mais profundo, que Jung chamava de self, e que alguns místicos chamam de Cristo interior. Alguns vão ainda mais além, e se sentem unidos ao próprio Deus, ou a uma "consciência cósmica" - termo muito utilizado na Psicologia Transpessoal. O místico cristão Angelus Silesius (1624-1677) assim se expressou sobre esta experiência: "A pequena gota (o indivíduo) se transforma em mar quando chega até ele; e assim a alma se transforma em Deus quando é nele acolhida" (Gaarder, 1995, p. 154).
Ora, o ego pode se revoltar contra a possibilidade de perder o controle e a pessoa se "perder a si mesma" nesta fusão íntima com a consciência cósmica, mas, como muito bem disse Jostein Gaarder, esta pseudo-perda (na verdade o ego não é eliminado, continua a existir) é algo muito insignificante diante daquilo que se ganha (veja-se a parábola de Jesus sobre o semeador que encontra uma pérola no campo, e vende tudo o que tem para comprar aquele campo). O místico perebe que seu ego é apenas uma parte ínfima de si mesmo. Compreende que o "eu" real é algo infinitamente maior. Compreende que faz parte do universo inteiro, que é Deus. É por isso que os hindus dizem que o Eu é o maior amigo do ego, mas o ego é o pior inimigo do Eu. Ora, como nos diz Jostein Gaarder, se tememos nos perder enquanto indivíduos num mundo que para nós é a realidade (o mundo comum), talvez sirva de consolo e estímulo saber que um dia de qualquer forma termos de perder este "eu cotidiano" de uma forma ou de outra. Por que não tentar experimentar o verdadeiro Eu conseguindo-se se libertar do jugo de um eu egóico? "Aquele que quiser conservar sua vida, perde-la-á, e aquele que quiser perder sua vida, por amor à verdade, a ganhará", já dizia o Cristo.

Jostein Gaarder aponta com muita propriedade que encontramos vertentes místicas em todas as grandes religiões do mundo. "E tudo o que os místicos escrevem sobre suas experiências apresenta visíveis semelhanças, a despeito de todas as diferenças culturais. Somente quando o místico tenta uma interpretação religiosa ou filosófica para a sua experiência é que se evidencia o pano de fundo cultural". (Jostein Gaarder, O Mundo de Sofia, 1995, p. 155).

Pelos trabalhos em Psicologia, especialmente na Psicologia Junguiana, na Gestalt Terapia e nas terapias humanistas, e principalmente nas Psicoterapias de orientação Transpessoal, sabemos que pessoas que não pertencem a nenhuma religião têm passado e relatados experiências místicas. Elas experiementam espontâneamente algo que chamam, entre outras coisas, de "consciência cósmica" ou, como Freud chamava, de "experiências oceânicas": neste momento, tempo e espaço e outras limitações físicas não passam de figurações fantasiosas da percepção humana. A única coisa que existe é a sensação de completude e consciência de se estar imerso e lúcido de uma realidade maior e mais bela.

Bibliografia Sugerida

Campbell, Joseph, O Poder do Mito, Palas Athenas São Paulo, 1990
Porfírio. Vida de Plotino/Eneadas I-II, Editora Gredos, Madrid, 1996.
Grof, Stanislav. Além do Cérebro - Nascimento, Morte e Transcendência em Psicoterapia, McGraw-Hill, São Paulo, 1988
Reale, Giovanni & Antiseri, Dario. História da Filosofia Vol. I, Ed. Paulus, São Paulo, 1990
Gaarder, Jostein. O Mundo de Sofia, Companhia das Letras, São Paulo, 1995
LeSham, Lawrence. O Médium, o místico e o físico, Summus Editorial, São Paulo, 1993