Ética e Política de Aristóteles

Por Alex Campos Furtado

 

Ética a Nicômaco • A virtude é um hábito

Esse texto do célebre tratado aristotélico de ética pode ser contrastado com o Mênon (ver p.3l), pois enquanto Platão afirma a impossibilidade de se ensinar a virtude, Aristóteles sustenta que a virtude é um hábito e, portanto, não só pode, más também deve ser ensinada, constituindo-se talvez numa das tarefas mais importantes da edu­cação do homem.

Como já vimos, há duas espécies de excelência: a intelectual e a moral. Em grande parte a excelência intelectual deve tanto o seu nascimento quanto o seu desenvolvimento à instrução (por isto ela requer experiência e tempo); quanto à excelência moral, ela é o produto do hábito, razão pela qual seu nome é derivado, com uma ligeira variação, da palavra "hábito". É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito. Por exemplo, a pedra, que por natureza se move para baixo, não pode ser habituada a mover-se para cima, ainda que alguém tente habituá-la jogando-a dez mil vezes para cima; tampouco o fogo pode ser habituado a mover-se para baixo, nem qualquer outra coisa que por natureza se comporta de certa maneira pode ser habituada a comportar-se de maneira diferente. Portanto, nem por natureza nem contraria­mente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la. e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito.

Além disto, em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e somente mais tarde exibimos a atividade (isto é claro no caso dos sentidos, pois não foi por ver repetidamente ou repeti­damente ouvir que adquirimos estes sentidos; ao contrário, já os tínhamos antes de começar a usufruí-los, e não passamos a tê-los por usufruí-los); quanto às várias formas de excelência moral. todavia, adquirimo-las por havê-las efetiva­mente praticado. tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as - por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Esta asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fazerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que não a põem corretamente em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má.

Ademais, toda excelência moral é produzida e destruída pelas mesmas causas e pelos mesmos meios. tal como acontece com toda arte. pois é tocando a cítara que se formam tanto os bons quanto os maus citaristas, e uma afirmação análoga se aplica aos construtores e a todos os profissionais: os homens são bons ou maus construtores por construírem bem ou mal. Com efeito, se não fosse assim não haveria necessidade de professores, pois todos os homens teriam nascido bem ou mal dotados para as suas profissões. Logo, acontece o mesmo com as várias formas de excelência moral; na prática de atos em que temos de engajar-nos dentro de nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; na prática de atos em situações perigosas, e adquirindo o hábito de sentir receio ou confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes. O mesmo se aplica aos desejos e à ira: algumas pessoas se tornam moderadas e amáveis. enquanto outras se tornam concupiscentes ou irascíveis, por se comportarem de maneiras diferentes nas mesmas circunstâncias. Em uma palavra, nossas disposições morais resultam das atividades correspondentes às mesmas. É por isto que devemos desenvolver nossas atividades de uma maneira predeterminada, pois nossas disposições mo­rais correspondem às diferenças entre nossas atividades. Não será pequena a diferença, então, se formarmos os hábitos de uma maneira ou de outra desde nossa infância; ao contrário, ela será muito grande, ou melhor, ela será decisiva.

Política • O homem é um animal político

O texto aristotélico da Política teve uma grande influência no desenvolvimento da ciência política em nossa tradição e faz parte de um conjunto de estudos que inclui o exame de um grande número de constituições das cidades-estados gregas da época, das quais só chegou até nós A Constituição de Atenas. A passagem selecionada contém a célebre definição aristotélica do homem como "animal político" (zoon politikón).

É evidente que a cidade faz parte das coisas naturais. e que o homem é por natureza um animal político. E aquele que por natureza, e não simplesmente por  acidente, se encontra fora da cidade ou é um ser degradado ou um ser acima dos homens, segundo Homero (Ilíada IX, 63) denuncia, tratando-se de alguém: sem linhagem, sem lei, sem lar:

Aquele que é naturalmente um marginal ama a guerra, e pode ser comparado a uma peça fora do jogo. Daí a evidência de que o homem é um animal político mais ainda que as abelhas ou que qualquer outro animal gregário. Como dizemos freqüentemente, a natureza não faz nada em vão; ora, o homem é o único entre os animais a ter linguagem [lagos]. O simples som é uma indicação do prazer ou da dor, estando portanto presente em outros animais, pois a natureza destes consiste em sentir o prazer e a dor e em expressá-las. Mas a linguagem tem como objetivo a manifestação do vantajoso e do desvantajoso, e portanto do justo e do injusto. Trata-se de uma característica do homem ser ele o único que tem o senso do bom e do mau, do justo e do injusto, bem como de outras noções deste tipo. É a associação dos que têm em comum essas noções que constitui a família e o estado.

ATIVIDADE


1.      Como você interpreta a afirmação de Aristóteles segundo a qual a virtude é um hábito?
2.      Por que, segundo Aristóteles, devemos afirmar que o homem é um animal político?
3.      Qual a importância da linguagem para Aristóteles?


Referências


MARCONDES, D.Textos Básicos de Filosofia: Dos Pré-socráticos a Wittgenstein. 4 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

Prof. Alex Campos Furtado - Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação stricto sensu

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