A Atualidade da Filosofia Antiga IV

Por Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

 
Virtus in medio
 
Ante os desatino do mundo de hoje, no qual falta a moderação, a prudência, o sentido da medida das coisas ressoa o clamor aristotélico virtus in medio3.  De fato o grande problema hodierno é o problema das atitudes.  Falta de critério e de objetividade para utilizar o progresso científico. Sob este aspecto atualíssima é a “Ética da Nicômaco”, pois em Aristóteles, toda racionalidade prática é teleológica,  orientada para um fim. À Ética cabe determinar qual a finalidade suprema  e qual a maneira de alcançá-la. Essa finalidade suprema é a felicidade, isto é, eudaimonia, que não consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa existência virtuosa. A virtude, por sua vez, se encontra num justo meio entre os extremos, que será encontrada por aquele dotado de prudência – phronesis e educado pelo hábito no seu exercício. Trata-se da valorização de cada ação, bem compediado no  age quod agis, que  era o lema do poeta grego, Xenofanes de Cólofon, o qual exerceu notável influência sobre a escola eleática.
 
Como seria bom refletir hoje  neste pensamento aristotélico: "O homem, quando perfeito, é o melhor dos animais, mas é também o pior de todos quando afastado da lei e da justiça, pois a injustiça é mais perniciosa quando armada, e o homem nasce dotado de armas para serem bem usadas pela inteligência e pelo talento, mas podem sê-lo em sentido inteiramente oposto. Logo, quando destituído de qualidades morais, o homem é o mais impiedoso e selvagem dos animais, e o pior em relação ao sexo e à gula"4 Por certo a violência que campeia por toda parte, a imoralidade sem peias e o descontrole dietético seriam refreados!

O pensamento antigo leva, deste modo, a uma análise  equilibrada do homem dentro do cosmos, à harmonia, à preocupação dos limites, à sabedoria do bem viver e bem tratar a terra em que se vive.

As virtudes cardeais platônicas, ou seja, a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça precisam ser revividas após uma funda reflexão do texto do célebre epígono de Sócrates a bem da cidade terrena. Os políticos hodiernos deveriam aprofundar os conceitos de Platão  para terem coragem para preservar a integridade física e espiritual dos cidadãos com aquela sabedoria  que leva a empregar a virtude da justiça no sentido de honrar os direitos alheios,  controlando os impulso próprios em prol unicamente das necessidades da sociedade. Uma releitura destas obras  República, o Político, as Leis modificariam as atitudes de muitos homens públicos de nossos dias! Platão dizia que nada pior do que ser governado por ignorantes. A política é um saber e é preciso, portanto, que governem os que sabem. O filósofo tem pois o dever de governar.
 
Em caso algum, entretanto, o filósofo deverá tomar o poder, porque ele se tornaria um tirano. Deve esperar que os cidadãos lhe peçam para governar. Para Platão a justiça não consiste somente em dizer a verdade; nem somente em devolver o que se tomou emprestado; nem em apenas dar a cada um o que se lhe deve, fazendo bem aos amigos e mal aos inimigos; nem em fazer bem aos amigos bons e mal aos inimigos maus; nem muito menos no interesse do mais forte, como ensinava Trasímaco; nem no que é útil para o mais poderoso, considerando as leis como dadas pelos que governam para seu próprio proveito. A justiça não consiste, outrossim, em uma convenção estabelecida como lei pelos homens, diante da lei natural, para defender os fracos contra os mais fortes. Para Platão a Justiça na cidade e no indivíduo é a mesma, ou seja, é a unidade da ordem. A cidade é um grande todo integrado por indivíduos, famílias e classes sociais com atividades e interesses muito distintos. Não seria possível uma entidade social se entre suas diversas partes não reinasse uma ordem rigorosa que reduzisse a diversidade à unidade, assinalando a cada parte o lugar e a função que lhe correspondem dentro da totalidade. É a mesma ordem que deve reinar dentro de cada um, pois a justiça é uma virtude da alma que introduz unidade dentro do composto humano. Platão, além disto,  considera o ateísmo como o mais grave dos delitos. Deus é a medida de todas as coisas e a norma suprema para regular as relações de conduta dos cidadãos e as relações estatais. Como seria bom, de fato,  que todos os governantes hodiernos assimilassem bem estas idéias políticas. A condenação platônica  àqueles que têm fome de poder e nele desejam se perpetuar é um dos pontos altos de seu ensinamento, tão útil a certos líderes latino-americanos deste início de milênio. A Justiça como busca do total equilíbrio interior e social deveria ser o anelo de todo cidadão. Embora, o governo dos filósofos seja uma utopia, pois diz Platão que eles são sempre incompreendidos, fica o ensinamento de que governar é tarefa que exige o máximo de seriedade. O atual panorama político mundial por certo deixaria o notável filósofo convencido de que mais do que nunca o equilíbrio deveria imperar. Então, sim, as reformas transcorrerão de uma maneira transparente, bem longe de qualquer injustiça. O que está muito esquecida é a sentença de Sêneca: Actio recta non erit, nisi recta fuerit voluntas 5.