Virtus in medio
Ante os desatino do mundo de hoje, no qual falta a moderação, a prudência,
o sentido da medida das coisas ressoa o clamor aristotélico virtus in
medio3. De fato o grande problema hodierno é o problema das atitudes.
Falta de critério e de objetividade para utilizar o progresso científico.
Sob este aspecto atualíssima é a “Ética da Nicômaco”, pois em Aristóteles,
toda racionalidade prática é teleológica, orientada para um fim. À Ética
cabe determinar qual a finalidade suprema e qual a maneira de alcançá-la.
Essa finalidade suprema é a felicidade, isto é, eudaimonia, que não
consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa
existência virtuosa. A virtude, por sua vez, se encontra num justo meio
entre os extremos, que será encontrada por aquele dotado de prudência –
phronesis e educado pelo hábito no seu exercício. Trata-se da valorização
de cada ação, bem compediado no age quod agis, que era o lema do poeta
grego, Xenofanes de Cólofon, o qual exerceu notável influência sobre a
escola eleática.
Como seria bom refletir hoje neste pensamento aristotélico: "O homem,
quando perfeito, é o melhor dos animais, mas é também o pior de todos
quando afastado da lei e da justiça, pois a injustiça é mais perniciosa
quando armada, e o homem nasce dotado de armas para serem bem usadas pela
inteligência e pelo talento, mas podem sê-lo em sentido inteiramente
oposto. Logo, quando destituído de qualidades morais, o homem é o mais
impiedoso e selvagem dos animais, e o pior em relação ao sexo e à gula"4
Por certo a violência que campeia por toda parte, a imoralidade sem peias
e o descontrole dietético seriam refreados!
O pensamento antigo leva, deste modo, a uma análise equilibrada do homem
dentro do cosmos, à harmonia, à preocupação dos limites, à sabedoria do
bem viver e bem tratar a terra em que se vive.
As virtudes cardeais platônicas, ou seja, a sabedoria, a coragem, a
temperança e a justiça precisam ser revividas após uma funda reflexão do
texto do célebre epígono de Sócrates a bem da cidade terrena. Os políticos
hodiernos deveriam aprofundar os conceitos de Platão para terem coragem
para preservar a integridade física e espiritual dos cidadãos com aquela
sabedoria que leva a empregar a virtude da justiça no sentido de honrar
os direitos alheios, controlando os impulso próprios em prol unicamente
das necessidades da sociedade. Uma releitura destas obras República, o
Político, as Leis modificariam as atitudes de muitos homens públicos de
nossos dias! Platão dizia que nada pior do que ser governado por
ignorantes. A política é um saber e é preciso, portanto, que governem os
que sabem. O filósofo tem pois o dever de governar.
Em caso algum, entretanto, o filósofo deverá tomar o poder, porque ele se
tornaria um tirano. Deve esperar que os cidadãos lhe peçam para governar.
Para Platão a justiça não consiste somente em dizer a verdade; nem somente
em devolver o que se tomou emprestado; nem em apenas dar a cada um o que
se lhe deve, fazendo bem aos amigos e mal aos inimigos; nem em fazer bem
aos amigos bons e mal aos inimigos maus; nem muito menos no interesse do
mais forte, como ensinava Trasímaco; nem no que é útil para o mais
poderoso, considerando as leis como dadas pelos que governam para seu
próprio proveito. A justiça não consiste, outrossim, em uma convenção
estabelecida como lei pelos homens, diante da lei natural, para defender
os fracos contra os mais fortes. Para Platão a Justiça na cidade e no
indivíduo é a mesma, ou seja, é a unidade da ordem. A cidade é um grande
todo integrado por indivíduos, famílias e classes sociais com atividades e
interesses muito distintos. Não seria possível uma entidade social se
entre suas diversas partes não reinasse uma ordem rigorosa que reduzisse a
diversidade à unidade, assinalando a cada parte o lugar e a função que lhe
correspondem dentro da totalidade. É a mesma ordem que deve reinar dentro
de cada um, pois a justiça é uma virtude da alma que introduz unidade
dentro do composto humano. Platão, além disto, considera o ateísmo como o
mais grave dos delitos. Deus é a medida de todas as coisas e a norma
suprema para regular as relações de conduta dos cidadãos e as relações
estatais. Como seria bom, de fato, que todos os governantes hodiernos
assimilassem bem estas idéias políticas. A condenação platônica àqueles
que têm fome de poder e nele desejam se perpetuar é um dos pontos altos de
seu ensinamento, tão útil a certos líderes latino-americanos deste início
de milênio. A Justiça como busca do total equilíbrio interior e social
deveria ser o anelo de todo cidadão. Embora, o governo dos filósofos seja
uma utopia, pois diz Platão que eles são sempre incompreendidos, fica o
ensinamento de que governar é tarefa que exige o máximo de seriedade. O
atual panorama político mundial por certo deixaria o notável filósofo
convencido de que mais do que nunca o equilíbrio deveria imperar. Então,
sim, as reformas transcorrerão de uma maneira transparente, bem longe de
qualquer injustiça. O que está muito esquecida é a sentença de Sêneca:
Actio recta non erit, nisi recta fuerit voluntas 5.