A Atualidade da Filosofia Antiga V

Por Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

Conclusões
 

Os sábios antigos podem, portanto, ajudar a repensar plenamente a época atual.

 
É de se notar que  Gilles Lipovetsky,  Professor francês, denunciou  um lamentável vazio que passou a reger o mundo de hoje6. Intelectuais acometidos de senilidade precoce, militantes do insignificante protestaram com veemência, mas o jovem filósofo tinha razão. Gilles preconiza um combate à frivolidade imperante, à apatia, à indiferença, tanto mais que a sedução tomou lugar à convicção.  Visível  a desagregação da sociedade, dos costumes, do indivíduo colocado a reboque do consumismo. Erosão das identidades sociais com prevalência do individualismo, sendo visível, por exemplo, a exacerbação sexual. Percebe-se até uma fratura da socialização disciplinar. A mutação sociológica global em curso tornou muito mais complexa a situação humana no cosmos. Isto porque nos dias atuais impõe-se o máximo possível de opções com um mínimo de normas; o máximo de desejos com pouca austeridade. Acentuou-se uma aversão ao mínimo de constrangimento. Daí a necessidade, que se observa hoje, da psicologização das modalidades de socialização em bases filosóficas tais como as preconizaram os filósofos antigos. Os valores individualistas não podem simplesmente impor suas indeterminações constitutivas. Quando o termo globalização está na ordem dos acontecimentos, é preciso enfrentar a estratégia global do processo de uma personalização acentuada, de um individualismo hedonista. Uma maior valorização da pessoa humana e não das máquinas e das estruturas econômicas.
 
A Filosofia Antiga conduz à ataraxia, serenados os ânimos numa quietude beatífica, mas que não amordaça o dinamismo necessário aos grandes esforços, visando o aprimoramento individual e social. Não há então a morte do desejo, nem a amputação da expressão e a atrofia do eu, mas o aflorar de personalidades abertas à realidade de um mundo que não pode romper com princípios fundamentais sem os quais nada de consistente se constrói. É deste modo que se orientará a sociedade pós-moderna colocando-a sob a égide de dispositivos abertos e plurais. Hoje, tão alucinante é o passar das horas pela influência de toda a parafernália tecnológica de que dispomos, que o perigo é, de fato, cair no vazio descurando-se inteiramente do devir. Fecha-se o homem no imanente e bloqueada está a passagem para o transcendente. Desconhece-se o autêntico eudemonismo. É então que o ideal educativo grego poderá ajudar a um repensar desta situação atual, mostrando como a paidéia7, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão, poderá arrancar o ser humano de uma materialidade destrutiva, levado-o a um autêntico humanismo. Cumpre, de fato, a formação equilibrada e harmônica do homem como tal.
 
O pensamento antigo se torna assim tão atual, uma vez que ele teve a missão de deixar um patrimônio cultural inestimável não só  sob o ponto de vista teórico, mas, mais ainda,  ensinamentos práticos utilíssimos para os que vivem no tumultuoso início do século XXI. 
 
A sabedoria  grega é uma sabedoria do homem, ser racional, perfectum opus rationis, como salientou com precisão Jacques Maritain8.  Tinham consciência do valor supremo do conhecimento racional para compreender a realidade, edificar  uma filosofia de vida e orientar o ser pensaente em todos os sentidos. Com efeito, os pensadores antigos partiam da realidade tangível e visível, do movimento, do múltiplo que  flui da energia do ato de ser. O que separa  até o fundo o pensamento grego dos pensamentos anteriores é o seu pendor metafísico.  Depara-se uma linha de investigações que se dirigem a um substratum do universo.
 
Adite-se que uma das  característica do pensamento grego foi, de fato,  o humanismo e a partir do homem, microcosmos admirável, chegaram à noção de um
 
Deus transcendente e ofereceram a verdadeira significação do mundo. Daí um dos aspectos da atualidade da sabedoria antiga, pois o filósofo grego procurou  a harmonia do homem com o universo e com um Ser Supremo.  
 
Não se duvidava entre os autênticos filósofos  gregos da capacidade da mente humana de alcançar a verdade e superando com vitalidade extraordinária os equívocos dos sofistas,  legaram um patrimônio cultural que atravessaria os séculos, farolizando as pesquisas posteriores.
 
Sócrates, o demolidor da sofística abriu o período áureo da filosofia antiga lançando princípios que influenciariam a tradição cultural da humanidade, mesmo porque na sua alheta  Platão e Aristóteles fariam chegar ao apogeu uma reflexão que iluminaria para sempre os autênticos arquitetos das idéias. Legaram noções que o passar do tempo não conseguiu, nem conseguirá, abalar.
 
A notável aptidão dos antigos filósofos de organizar e assimilar a realidade, capacidade animada por uma persistente reflexão de um espírito questionador, deu, de fato, uma primazia  ímpar aos pensadores greco-romanos.
 
As numerosas obras do final do século XX e início do século XXI analisando sob novos ângulos os escritos platônicos, aristotélicos e de outros filósofos  e as reedições das obras dos escritores romanos  provam também a importância e a atualidade  da Filosofia antiga.
 
É que  os filósofos greco-romanos deram uma resposta incitante a inúmeras questões que inquietam o ser pensante.
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1 Apol.II, 13
2 Eclesiático 1,9
3 Eth. Nicom. VIII,11
4 Política, 1252 b
5 Epistulae Morales 95.57 – “A ação não será honesta, se não for honesta a intenção”.
6 Gilles Lipovetsky, O império do Efêmero – A moda e seu  destino nas sociedades modernas.
 São Paulo, Companhia das Letras, 2002.
7 Werner Jaeger, Paidéia – A formação do homem grego. São Paulo, Martins Fontes,  1994
8 Jacques Maritain, Science et Sagesse, Paris, Labergeri, 1935, p. 28-31