Os pré-socráticos

Por Alex Campos Furtado

 

1.       O PERÍODO PRÉ-SOCRATICO.

Na história ocidental, a Filosofia nasce na Grécia, por volta do século VII a. C. Nasce promovendo a passagem do “saber mítico” ao “pensamento racional”, sem, entretanto, romper bruscamente como todos os conhecimentos do passado. Assim, a passagem do mito à razão “significa precisamente que já havia, de um lado, uma lógica do mito é que, de outro lado, na realidade filosófica ainda está incluindo o poder lendário" (François Châtelet).

De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da Filosofia Grega é conhecida como período pré-socrático. Este período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623 – 546 a. C.) até Sócrates (468 -399 a. C.).

2.       Os PENSADORES DE MILETO.

Quando afirmamos que a Filosofia nasceu na Grécia, devemos tornar esta afirmação mais precisa. Afinal, nunca houve, na Antiguidade, um Estado grego unificado. O que chamamos de Grécia nada mais é que o conjunto de muitas Cidades-Estados (polis) gregas, independentes uma das outras, muitas vezes rivais e com marcantes desníveis culturais e econômicos. No vasto mundo grego, a Filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor.

Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. A preocupação comum desses primeiros filósofos era descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial ( a arché, em grego) existente em todos os seres materiais. Isto é, pretendiam  encontrar a “matéria-prima” de que são feitas todas as coisas.

TALES DE MILETO

Viveu aproximadamente entre 623 e 546 a.C. e costuma ser conside­rado o primeiro pensador grego. "o pai da filosofia". Nessa condição de filósofo, caracteriza-o a busca da construção do pensamento racional em diversos campos do conhecimento que, hoje, não são considerados espe­cialidade filosófica. Foi astrônomo e chegou a prever o eclipse total do Sol ocorrido no dia 28 de maio de 585 a.C. Na área da Geometria de­monstrou, por exemplo, que todos os ângulos inscritos no meio circulo são retos e que, em todo triângulo, a soma de seus ângulos internos é igual a 180°

Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acrescidas de suas próprias observações da vida animal e vegetal, concluiu que a água era a substância primordial, a origem única de todas as coisas. Para ele, somente a água permanece basicamente a mesma, em todas as transfor­mações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados - sólido, líqui­do ou gasoso.

 

ANAXIMANDRO DE MILETO

 

Anaximandro (610-541 a.C.) procurou aprofundar as concepções de Tales sobre a origem única de todas as coisas. Em meio a tantos elemen­tos observáveis no mundo natural, como a água, o fogo, o ar etc., ele acreditava não ser possível eleger uma única substância material como a arché o princípio primordial de todos os seres. Para Anaximandro, esse principio era algo que transcendia os limites do observável, ou seja, aqui­lo que não se situa numa realidade ao alcance dos sentidos, sendo por ele denominado ápeiron, termo grego que significa o indeterminado, o infi­nito. O ápeiron seria uma "massa geradora" dos seres, contendo em si todos os elementos contrários.

ANAXIMENES DE MILETO

 

Anaxímenes (588~524 a.C.) admitia que a origem de todas as coisas é indeterminada. Entretanto, recusava-se a atribuir-lhe o caráter oculto de elemento situado fora dos limites da observação e da experiência sensível. Tentando uma possível conciliação entre as concepções de Tales e de Anaximandro, concluiu ser o ar o princípio de todas as coisas. Isso por­que o ar representa um elemento "invisível e imponderável, quase inob­servável e, no entanto, observável: o ar é a própria vida, a força vital, a divindade que 'anima' o mundo, aquilo que dá testemunho à respiração”.

3.       PITÁGORAS DE SAMOS

Pitágoras (570-490 a.C., aproximadamente) nasceu na ilha de Sa­mos, na costa jônica, não distante de Mileto. Por volta de 530 a.C., so­freu perseguição política devido suas idéias, sendo obrigado a deixar sua terra de origem, instalando-se em Crotona, sul da Itália, região conheci­da como Magna Grécia. Em Crotona, fundou uma poderosa sociedade de caráter filos6fico, religioso, e de acentuada ligação com as questões políticas. Depois de exercer, por longos anos, considerável influência po­lítica na região, a sociedade pitag6rica foi dispersada pelos opositores, e o próprio Pitágoras foi expulso de Crotona.

Para ele, a essência de todas as coisas residia nos números, os quais representam a ordem e a harmonia. Assim, a essência dos seres, a arché, tinha uma estrutura matemática da qual derivam problemas como: finito e infinito, pare ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc.

As contribuições da escola pitag6rica podem ser encontradas no campo da Matemática (lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), Mú­sica e Astronomia. A essas contribuições junta-se uma série de crenças místicas relativas à imortalidade da alma, à reencarnação dos pecadores, à prescrição de rígidas condutas morais etç.

 

4.       HERÁCLITO DE ÉFESO.

                        Nascido em Éfeso, cidade da região jônica, Heráclito é considerado um dos mais importantes filósofos pré-socráticos. A data de seu nasci­mento e a de sua morte não são conhecidas. Há referências históricas de que, por volta do ano 500 a.C., estava em plena "flor da idade".

Heráclito concebia a realidade do mundo como algo dinâmico, em permanente transformação. Para ele, a vida era um fluxo constante, im­pulsionada pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça,  o racional e o irracional, a alegria e a tristeza etc. Assim, afirmava que "a luta (guerra) é a mãe, rainha e princípio de todas as coisas" . É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui.

Atribuem-se a ele frases marcantes, de sentido simbólico, utilizadas para ilustrar sua concepção sobre o fluxo e movimentação das coisas constante vir a ser, a eterna mudança, também chamada devir:

"Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois suas águas se renovam a cada instante.”

"Não tocamos duas vezes o mesmo ser, pois este modifica continuamente  sua condição."

Assim, Heráclito imaginava a realidade dinâmica do mundo sob a forma de fogo, com chamas vivas e eternas, governando o constante movimento dos seres.   

 

5. OS PENSADORES ELEÁTICOS PARMÊNIDES DE ELÉIA

 

Nascido em Eléia, situada na Magna Grécia, litoral oeste da Península Itálica, Parmênides (510-470 a.C., aproximadamente) tornou-se célebre por ter feito oposição a Heráclito. Platão o chamava de o grande Parmênides.

 

 

 

Parmênides defendia a existência de duas vias para a compreensão da realidade. A primeira é a via da filosofia, da razão, da essência. A segunda é a via da crendice, da opinião pessoal, da aparência enganosa.,

Segundo ele, a via da essência nos afirma, por exemplo, que, na realidade:

 

a) existe o ser, e não é concebível sua não-existência

b) o ser É; o não-ser Não é.

 

Em vista disso, é considerado o primeiro filósofo a formular os princípios lógicos da identidade e da não-contradição, desenvolvidos por Aristóteles.

Ao refletir sobre o ser, por esta via da essência, concluiu que o ser é eterno, único, imóvel e limitado. 

 

Entretanto, se olharmos a realidade pela via da aparência, tudo se confunde em função do movimento, da pluralidade e do devir.

 

Na concepção de Parmênides, Heráclito percorreu a via das aparên­cias ilusórias que, entretanto, precisava ser evitada para não termos que concluir que "o ser e o não-ser são e não são a mesma coisa".

 

ZENÃO DE ELÉIA

Discípulo de Parmênides, Zenão de Eléia (488~430 a.C.) elaborou argumentos para defender a doutrina de seu mestre. Com esses argumen­tos, pretendia demonstrar que a própria noção de movimento era inviá­vel e contraditória.

Desses argumentos, talvez o mais célebre é o que se refere à corrida de Aquiles com uma tartaruga. Dizia Zenão: Se; na corrida, a tartaruga saísse à frente de Aquiles, este jamais poderia alcançá-la, pois, para fazê­-lo, precisaria percorrer algo além da metade da distância que os separava no inicio da competição. Entretanto, se a tartaruga continuou se locomo­vendo, esta distância, por menor que fosse, teria se ampliado. Aquiles deveria percorrer, então, a metade desta nova distância. A tartaruga, contudo, continuou se movendo, e a tarefa de Aquiles se repete ao infini­to, pois o espaço pode ser dividido em infinitos pontos.

Na observação que fazemos do mundo, através dos nossos sentidos, é evidente a não-correspondência dos argumentos de Zenão de Eléia. En­tretanto, com seus argumentos, demonstrava as dificuldades do pensa­mento racional para compreender conceitos como os de movimento, es­paço, tempo e infinito.

6. EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO

Nascido em Agrigento (ou Acragas), sul da Sicília, Empédocles (490-430 a.C., aproximadamente) esforçou-se por conciliar as concep­ções de Parmênides e Heráclito. Aceitava de Parmênides a racionalidade que afirma a existência e permanência do ser (o ser é), mas procurava en­contrar uma maneira de tornar racional os dados captados por nossos sentidos.

Defendia a existência de quatro elementos primordiais, que consti­tuem as raízes de todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos são movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:

·o amor (phi1ia , em grego): responsável pela força de atração e união e pelo movimento de cresc.ente harmonização das coisas;

·o ódio (neikos, em grego): responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e sepa­ração das coisas.

Para ele, todas as coisas existentes na realidade estavam submetidas às forças cíclicas desses dois princípios.

 

7. DEMÓCRITO DE ABDERA

Nascido em Abdera, cidade situada no litoral da Macedônia e da Trácia, Demócrito (460-370 a.C., aproximadamente) foi um pensador brilhante, discípulo de Leucipo, sendo responsável pelo atomismo. "Só a tradição impõe o titulo de pré-socrático a este pensador importante (Demócrito), nascido e morto depois de Sócrates”.

Demócrito afirmava que todas a.s coisas que formam a realidade eram constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas:

foram chamadas de átomo, termo grego quê tem a seguinte origem etimológica: letra indicando negação; e tomo: divisível; átomo = não-divisível.

Para ele, o átomo representava o equivalente ao conceito do ser de Parmênides. Acrescentava que, além dos átomos, existia no mundo real o vácuo, que representava a ausência do ser (o não-ser). Devido à exis­tência do vácuo, o movimento cio ser torna-se possível. O movimento dos átomos permite infinita diversidade de composições. Demócrito distin­gue três tipos básicos que explicam as diferentes composições dos átomos:

a)   A figura dos átomos: é a forma geométrica de cada átomo.

Ex.: o átomo A e o átomo B.

b)   A ordem: é a seqüência espacial dos átomos de mesma figura.

Ex.: AB BA

c)    Posição: é a localização espacial dos átomos.

Ex.: B b

Para ele, é o acaso que promove a aglomeração de certos átomos e a repulsão de outros. As infinitas possibilidades de aglomerações dos áto­mos explica a infinita variedade das coisas existentes.

 

Resumo-Fichamento

1.    O período pré-socrático

·Fase Inaugural da Filosofia grega, abrangendo o conjunto das reflexões desenvolvidas desde Tales de Mileto até Sócrates de Atenas.

 

 

2.    Os pensadores de Mileto

·Preocupação básica: descobrir, com base na razão e não na mitologia, a substância primordial (a arché) de todos os seres.

·Tales: considerado o pai da Filosofia grega. A água era a substância primordial.

·Anaximandro: substância primordial: ápeiron, termo grego que significa o indeterminado, o infinito.

·Anaxlmenes: tentou uma possível conciliação entre Tales e Anaximandro: substância primordial: o ar.

3.    Pitágoras de Samos

· Fundou, na Magna Grécia, uma sociedade filosófica que exerceu grande influência política.

IJI Essência das cQisas: os números.

4.    Heráclito de Éfeso

·Concepção da realidade como algo dinâmico, em permanen­te transformação. A realidade é um eterno devir.

·A luta das forças opostas impulsiona o movimento das coisas.

5.    Os pensadores eleáticos

·Parmênides de Eléia

- Duas vias para a compreensão da realidade: a via da es­sência e a via da aparência.

- A via da essência revela que: o ser É; o não-ser Não é. Foi o primeiro a formular os princípios lógicos da identidade e da não-contradição, Concluiu que o ser é eterno, único e imóvel.

- Afirmava que Heráclito analisou a realidade pela via da aparência.

·Zenão de Eléia

- Formulou interessantes argumentos (corrida de Aquiles com a tartaruga) para demonstrar a dificuldade da razão para entender a noção de movimento.

 

6.      Empédocles de Agrigento                                                                         .

·Procurou conciliar as concepções de Parmênides e de Heráclito.

·Defendeu a existência de quatro elementos (fogo, terra i água e ar) como raízes de todas as coisas.

 

·Dois princípios universais (amor e ódio) movimentavam a realidade,

misturando os quatro elementos.

 

7.     Demócrito de Abdera

 

·Desenvolveu o atomismo: a realidade é constituída por partí­culas invisíveis e indivisíveis - os átomos.

 

·O átomo equivale ao ser. O vácuo é a ausência do ser. O vá­cuo torna o movimento possível. O acaso promove a aglo­meração de certos átomos e a repulsão de outros, resultan­do desse processo a infinita variedade das coisas.

Prof. Alex Campos Furtado - Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação stricto sensu

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