Durante o período helenístico pós-Alexandre e, posteriormente, no período
Imperial Romano, desenvolveram-se várias escolas de filosofia. Entre elas se
destacam a dos cínicos, a dos estóicos e a dos epicuristas. Embora sejam
escolas com características bem próprias, todas elas tinham por ponto de
partida os ensinamentos de Sócrates e/ou dos pré-socráticos Demócrito e
Heráclito. Mas, sem dúvida alguma, a mais importante, bela e orignal das
escolas do final da Antiguidade foi inspirada pelo gênio de Platão. Por isso
ela é chamada de neoplatonismo, se bem que ela seja, de fato, um
aperfeiçoamento extraordinário do pensamento filosófico grego, com matizes
bem mais originais e estruturadas do que tinha o pensamento platônico. De
fato, a escola neoplatônica nos parece extremamente atual, hoje em dia,
devido às grandes similiridade entre a visão e concepção de mundo que
emergem de seus pressupostos filosóficos básicos e a atual visão de mundo
que surge da Física moderna, da Teoria Geral dos Sistemas e da Psicologia
Transpessoal. A figura mais importante do movimento neoplatônico foi
Plotino.
Plotino nasceu em 205 da era cristã, em Licópolis, permanecendo quase toda a
juventude em Alexandria até 243 d.C., quando deixou a cidade para seguir o
imperador Jordano em sua expedição oriental. Morto Jordano no meio de sua
expedição, Plotino deicide ir à Roma, onde chegou em 244 d.C., fundando uma
escola, espelhando-se no exemplo de seu mestre e real modelador do movimento
neoplatônico: Amônio Sacas.
Pelos escritos de um discípulo famoso de Plotino, Porfírio, sabemos que
Amônio foi um jovem brilhante, educado no seio de uma família cristã. Mas
depois que passou a se dedicar à filosofia, Amônio, por inclinação e vontade
próprias, se voltou novamente ao paganismo (talvez por achar mais liberdade
por buscar um caminho próprio de entendimento). Segundo Porfírio, ele tinha
um alto conhecimento da filosofia de sua época, e, tal como mais tarde faria
Plotino, aprofundou-se de tal modo na vivência da filosofia ao ponto de "ter
uma experiência direta seja da filosofia praticada pelos persas, seja
daquela preponderante entre os hindus" (Porfírio, Vida de Plotino). Outras
referências a Amônio são encontradas em obras de Teodoreto, que era um bispo
cristão, Hiérocles de Alexandria e em Nemésio, bispo de Emesa.
Amônio preferiu não se dar a público, rejeitando pertencer ao círculo de
celebridades consagradas de seu tempo, talvez por sentir uma certa
instabilidade emocional no ar entre as escolas cristãs e pagãs, e, por isso
viveu de forma modesta e esquiva, afastando-se do burburinho do mundo e
cultivando a filosofia não apenas como um exercício de inteligência, mas
também de vida e de aperfeiçoamento espiritual, buscando uma percepção
direta, de cunho místico (no sentido transpessoal do termo), da realidade,
ou da essência, da existência, juntamente com alguns discípulos mais
indentificados com a sua mensagem.
Tal como Sócrates e Jesus, Amônio nada deixou escrito, mas sua doutrina foi
levada adiante e aperfeiçoada pelo gênio de Plotino, tal como, antes, a
mensagem de Sócrates foi perpetuada pelo testemunhos de Platão e Xenofonte.
Amônio é apresentado como um filósofo que, elevando-se acima das disputas e
das plêmicas das outras escolas filosóficas, soube conciliar Platão e
Aristóteles e a transmitir a seus discípulos, sobretudo a Plotino, uma
filosofia livre do espírituo de polêmica, muitas vezes resultante da mera
vaidade pela disputa intelectual. Conta-se que Plotino, chegando a
Alexandria, teria ouvido a todas as celebridadas da época, cristãs e pagãs,
mas continuava insatisfeito. Levado por um amigo a Amônio, depois de te-lo
ouvido falar apenas uma vez, teria dito: "Este é o homem que eu buscava!", e
tornou-se seu discípulo por onze anos. Não é à-toa que nos vêm à mente que a
relação entre Amônio e Plotino tenha alguma semelhança com a que existiu
entre a de Sócrates e Platão. Outros discípulos famosos de Amônio foram
Orígenes, o Pagão, Longino, Erênio e Orígines, o Cristão.
Após fundar sua escola, em Roma, Plotino passou de 244 d. C. a 253 d. C.
apenas ministrando lições, sem nada escrever, por respeito a um pacto que
fizera com Erênio e Orígines, o Pagão, no sentido de não divulgar a doutrina
de Amônio. Mas logo seus colegas romperam o trato, permitindo a Plotino
escrever tratados, nos quais fixava suas lições. Todos os seus escritos
foram ordenados mais tarde por seu discípulo Porfírio, que os dividiu em
seis grupos de nove tratados, de onde veio o título Enéadas (leia a tradução
inglesa na internet: The Six Enneads by Plotinus - infelizmente, estes
textos magníficos não foram traduzidos ainda para o português), pois, em
grego, nove se escreve ennea. Estes escritos chegaram integralmente até nós,
por sorte, e eles são, juntamente com os diálogos platônicos e os escritos
esotéricos de Aristóteles, uma das mais elevadas e sublimes mensagens
filosóficas da Antiguidade. Através deles, podemos perceber o grau de
profundida espiritual do pensamento de Plotino, intensamente carregado de
imagens poéticas, onde vemos lindamente explicadas fenômenos tais como a
saída da alma do corpo (projeção), a análise do Uno (holos), como e porque
existem um mundo físico e um outro espiritual, etc.
Plotino possuia um carisma especial, e gozou de enorme prestígio em sua
época. E seu fascínio era tal que chegou a exercer uma profunda influência
sobre a própria teologia cristã, como sabemos pelos testemunhos de Eusébio,
do bispo Teodoreto, etc. Suas lições eram assistidas até mesmo pelo
imperador Galiano e sua esposa Solonina, e foi tal o impacto que Plotino
exerceu sobre eles que o imperador chegou a examinar um projeto de fundar
uma cidade de filósofos que deveria se chamar Platonópolis. O projeto não
foi adiante devido às tramas dos cortesãos.
Plotino morreu aos sessenta e cinco anos, em 270 d. C. Suas últimas palavras
ao médico Eustóquio foram: "Procurai sempre conjugar o divino que há em vós
com o divino que há no universo".
Segundo Reale & Antiseri, a escola de Plotino não se assemelhava a nenhuma
das escolas filosóficas anteriores: Platão havia fundado a Academia para a
formação de homens que pudessem renovar o Estado; Aristóteles havia fundado
o Liceu para organizar e sistematizar a busca do saber; Epicuro havia
fundado seu movimento visando dar aos homens a paz e a tranquilidade da
alma. Já a escola de Plotino visava ensinar aos homens um modo de entrarem
em contato direto com uma realidade mais abrangente, e reunir-se com o
divino, de uma forma que hoje chamaríamos de uma experiência direta de cunho
transpessoal. Ele dizia que o mero conhecimento intelectual pouco será
diante da certeza, da experiência direta das realidades supra-sensíveis.
Estas possuiam uma riqueza e uma força transformadora da percepção humana
que dificilmente poderiam ser posta em palavras. Aliás, isto é também o que
dizem todos os grandes e verdadeiros místicos, santos e pensadores da
humanidade, como Mestre Eckhart, São Juan de La Cruz, etc. O fato é que, tal
como ocorre em algumas formas de psicoterapia, notadamente a psicologia
junguiana e as abordagens existenciais, há fatores significativos em nosso
desenvolvimento psíquico que se colocam como indefiníveis, mas altamente
significativas a nível intuitivo, já que termos abstratos não são suficentes
para descreve-los. Enquanto para a mioria das pessoas, em nossos dias, a
única abordagem compreensível da realidade baseia-se na definição de tudo
através de conceituações literais, lineares, racionais e impessoais, algumas
outras redescobrem que o universo intuitivo pode ser tão ou mais abrangente
quanto este causal universo racional. Entre estas pessoas podemos citar
Albert Einstein e Carl Gustav Jung. Aliás, Jung julgava ser a intuição e o
sentimento faculdades indispensáveis para uma vivência adequada da psique,
pois é apenas através de todos os seus elementos (pensamento, sentimento,
sensação e intuição) que podemos tentar entendê-la. As dificuldades que a
pessoa moderna encontra ao tentar compreender a verdadeira abordagem
"mística" (não o fácil e simplório misticismo que vemos sendo vendido a
torto e a direito em cada esquina e nas bancas de revistas, mas o real
misticismo que vem de dentro da alma) baseia-se no fato de que, como reação
à tendência altamente introvertida, supersticiosa e ao obscurantismo da
Igreja medieval, o desenvolvimento científico ocidental recente enfatizou
excessivamente o pensamento objetivo abstrato, linear e racional. Este
desenvolvimento preocupou-se exclusivamente com a utilização prática de
objetos externos e necessidades externas e, em nossos dias, culminou no
extremo racionalismo lógico e impessoal de nossa sociedade. Assim, a
capacidade de sentir e a de intuir não recebem valor ou não são levadas em
consideração; os sentimentos são até mesmo considerados como algo
dispensável, e as intuições são vistas com desconfiança. Esta é uma
abordagem que já vem demonstrando ser falha há muito tempo, já que não é
capaz, entre outras coisas, de compreender a motivação básica do
comportamento moral do ser humano, por exemplo, que se baseia em alicerces
emocionais. Estas áreas até podem ser racionlaizadas, mas a razão em si
dificilemente as atinge, pois se assim fosse os cientistas já teriam
solucionados problemas como a violência, o suicídio, a apatia, a depressão
(que hoje já virou epidemia) e outros males da alma. Os apelos racionais são
pouco eficientes quando comparados aos emocionais. Nossa cultura é voltada
para a lógica, mas, ao lidar com problemas mais profundos, esta mesma lógica
é incapaz de nos oferecer respostas adequadas à compreensão da vida e de
seus mistérios. Por que, então, negarmos como fantasias ou irrealidades os
fenômenos místicos? Talvez o estado de vigília - considerado o estado pradão
normal - seja apenas um de vários níveis de consciência possível ao
psiquismo humano.
Bibliografia Sugerida
Campbell, Joseph, O Poder do
Mito, Palas Athenas São Paulo, 1990
Porfírio. Vida de Plotino/Eneadas I-II, Editora Gredos, Madrid, 1996.
Grof, Stanislav. Além do Cérebro - Nascimento, Morte e Transcendência em
Psicoterapia, McGraw-Hill, São Paulo, 1988
Reale, Giovanni & Antiseri, Dario. História da Filosofia Vol. I, Ed. Paulus,
São Paulo, 1990
Gaarder, Jostein. O Mundo de Sofia, Companhia das Letras, São Paulo, 1995
LeSham, Lawrence. O Médium, o místico e o físico, Summus Editorial, São
Paulo, 1993