Sócrates
nasceu em Atenas em 470/469 a. C. e morreu na mesma cidade em 399 a.C.,
condenado devido a uma acusação de "impiedade": ele foi acusado de ateísmo e
de corromper os jovens com a sua filosofia, mas, na realidade, estas
acusações encobriam ressentimentos profundos contra Sócrates por parte dos
poderosos da época. Ele era filho de um escultor, chamado Sofronisco, e de
uma parteira chamada Fenarete. Desde a juventude, Sócrates tinha o hábito de
debater e dialogar com as pessoas de sua cidade. Ao contrário de seus
predecessores, Sócrates não fundou uma escola, preferindo também realizar
seu trabalho em locais públicos (principalmente nas praças públicas e
ginásios), agindo de forma descontraída e descompromissada (pelo menos na
aparência), dialogando com todas as pessoas, o que fascinava jovens,
mulheres e políticos de sua época.
Segundo Reale & Antiseri (1990), depois de algum tempo seguindo os ensinos
dos naturalistas, Sócrates passou a sentir uma crescente insatisfação com o
legado desses filósofos, e passou a se concentrar na questão do que é
o homem - ou seja, do grau de conhecimento que o homem pode ter sobre o
próprio homem.
Enquanto os filósofos pré-Socráticos, chamados de naturalistas, procuravam
responder à questões do tipo: "O que é a natureza ou o fundamento último das
coisas?" Sócrates, por sua vez, procurava responder à questão: "O que é a
natureza ou a realidade última do homem?"
A resposta a que Sócrates chegou é a de que o homem é a sua alma - psyché,
por quanto é a sua alma que o distingue de qualquer outra coisa, dando-lhe,
em virtude de sua história, uma personalidade única. E por psyché Sócrates
entende nossa sede racional, inteligente e eticamente operante, ou ainda,
a consciência e a personalidade intelectual e moral. Esta colocação de
Sócrates acabou por exercer uma influência profunda em toda a tradição
européia posterior, até hoje.
Ensinar o homem a cuidar de sua própria alma seria a principal tarefa a ser
desempenhada por ele, Sócrates, e por todos os filósofos autênticos.
Sócrates acreditava vivamente ter recebido essa tarefa por Deus, como
podemos ler na Apologia de Sócrates, de Platão: "(...) é a ordem
de Deus. E estou persuadido de que não há para vós maior bem na cidade que
esta minha obediência a Deus. Na verdade, não é outra coisa o que faço
nestas minhas andanças a não ser persuadir a vós, jovens e velhos, de que
não deveis cuidar só do corpo, nem exclusivamente das riquezas, e nem de
qualquer outra coisa antes e mais fortemente que da alma, de modo que ela se
aperfeiçoe sempre, pois não é do acúmulo de riquezas que nasce a virtude,
mas do aperfeiçoamento da alma é que nascem as riquezas e tudo o que mais
importa ao homem e ao Estado."
Segundo Reale & Antiseri (1990), um dos raciocínios fundamentais feitos por
Sócrates para provar essa tese é o seguinte: uma coisa é o instrumento
que se usa e a outra é o sujeito que usa o instrumento. Ora, o
homem usa o seu corpo como instrumento, o que significa que a essência
humana utiliza o instrumento, que é o corpo, não sendo, pois, o próprio
corpo. Assim, à pergunta "o que é o homem?", não seria lógico reponder que é
o seu corpo, mas sim que é "aquilo que se serve do corpo", que é a
psyché, a alma. Esta mesma alma seria imortal e fadada a reencarnar tantas
vezes fosse necessárias até a alma se aperfeiçoar de tal forma que não
precisasse mais voltar a este planeta.
O "Daimonion" Socrático
Entre as
acusações contra Sócrates estava a de que ele estava introduzindo novos
daimonions, novas entidades divinas. Em sua Apologia, Sócrates
diz: "A razão (...) são aquelas acusações que muitas vezes e em diversas
circunstâncias ouvistes dizer, ou seja, que em mim se verifica algo de
divino ou demoníaco (...) uma voz que se faz ouvir dentro de mim
desde que eu era menino e que, quando se faz ouvir, sempre me detém de fazer
aquilo que é perigoso e que estou a ponto de fazer, mas que nunca me exortou
a fazer nada". Ou seja, o daimonion socrático era "uma voz" que lhe vetava
determinadas coisas, o que o salvou várias vezes de perigos e experiências
negativas (Reale & Antiseri, 1990, p. 95). Ela não lhe revelava nada, apenas
vetava algumas coisas que lhe eram perigosas.
O daimonion socrático é algo muito específico que diz respeito muito
particularmente à excepcional personalidade de Sócrates, colocando-se no
mesmo plano de um tipo de mediunismo que se fazia presente em certos
momentos de concentração muito intensa e em momentos de reflexão bastante
próximos aos arrebatamentos de êxtase em que Sócrates (assim como ocorria
com Buda, Plotino, Joana D'Arc, etc) mergulhava
algumas vezes e que duravam longamente, coisa da qual tanto Platão quanto
Xenofonte falam expressamente.
Jostein
Gaarder fala que as pessoas ainda hoje se perguntam por que Sócrates teve de
morrer. Então ele faz um paralelo entre Jesus e Sócrates: ambos eram pessoas
carismáticas e eram consideradas pessoas enigmáticas ainda em vida. Nenhum
dos dois deixou qualquer escrito, e precisamos confiar na imagem e
impressões que eles deixaram em seus discípulos e conteporâneos. Ambos eram
mestres da retórica e tinham tanta autoconfiança no que falavam que podiam
tanto arrebatar quanto irritar seus ouvintes. E ambos acreditavam falar em
nome de uma coisa que era maior do que eles mesmos. Ambos desafiavam
agudamente os que detinham o poder na sociedade, apontando sem piedade as
hipocrisias e falsos fundamentos em que se assentavam para cometer toda
sorte de abusos e injustiças. Foi isto que, no fim, lhes custou a vida.
Afinal, os que questionam são sempre perigosos para os poderosos e
pseudo-sábios de todas as épocas.
A maneira como Sócrates fazia as pessoas conhecerem-se a si mesmas também
estava ligada à sua descoberta de que o homem, em sua essência, é a sua
psyché. Em seu método, chamado de maiêutica, ele tendia a despojar a
pessoa da sua falsa ilusão do saber, fragilizando a sua vaidade e
permitindo, assim, que a pessoa estivesse mais livre de falsas crenças e
mais susceptível à extrair a verdade lógica que também estava dentro de si.
Sendo filho de uma parteira, Sócrates costumava comparar a sua atividade com
a de trazer ao mundo a verdade que há dentro de cada um. Ele nada
ensinava, apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias
e limpas de falsos valores, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de
dentro, de acordo com a consciência, e que não se pode obter expremendo-se
os outros. Até mesmo na atividade de aprender uma disciplina qualquer, o
professor nada mais pode fazer que orientar e esclarecer dúvidas, como um
lapidador tira o excesso de entulho do diamante, não fazendo o próprio
diamante. O processo de aprender é um processo interno, e tanto mais eficaz
quanto maior for o interesse de aprender. Só o conhecimento que vem de
dentro é capaz de revelar o verdadeiro discernimento. Em certo sentido,
dizemos que quando uma pessoa "toma juízo", ela simplesmente traz à
consciência algo muito claro que já estava "dentro" de si. Assim, as
finalidades do diálogo socrático são a catarse e a educação para o
autoconhecimento. Dialogar com Sócrates era se submeter a uma "lavagem da
alma" e a uma prestação de contas da própria vida. Como disse Platão:
"quem quer que esteja próximo a Sócrates e, em contato com ele, põe-se a
raciocinar, qualquer que seja o assunto tratado, é arrastado pelas espirais
do diálogo e inevitavelmente é forçado a seguir adiante, até que,
surpreendentemente, ver-se a prestar contas de si mesmo e do modo como vive,
pensa e viveu".
Em seu método, ao iniciar uma conversa, Sócrates sempre adotava a posição de
uma pessoa ignorante, que apenas "sabe que nada sabe". E justamente
por usar esta afirmativa, ele forçava as pessoas a usarem a razão. Ele
entrava de tal forma na conversa, e de tal forma a dominava, que era capaz
de aparentar uma maior ignorância ou de mostrar-se mais tolo do que
realmente era. Seus discípulos mais fieis já sabiam que quando o opositor
caia nesta jogada, logo logo levaria um tombo tremendo quando o quadro se
invertesse. E esta era a principal técnica do método de Sócrates: usar a
ironia. Foi assim que le expos muito das fraquezas do pensamento ateniense.
Um encontro com Sócrates podia signifcar o risco de expor-se ao ridículo.
Mas as pessoas que passaram por isto e conseguiram superar o choque do
orgulho ferido, indo até o fim no processo cartático, acabavam por extrair
de si mesmo a resposta em tudo lógica e compatível com os problemas
expostos, dando-lhe a solução. O resultado é que o indivíduo sentia uma
verdadeira sensação de iluminação, de descoberta, de der dado à luz algo de
valioso que havia dentro de si, mas de que não tinha a mínima consciência.
Foi assim que Sócrates conquistou fervorosos discípulos. Mas se a pessoa
entregava-se ao orgulho ferido, tornava-se um inimigo feroz. E esta foi a
razão que lhe custou a vida.
Bibliografia Sugerida
"Sócrates" - Coleção Os Pensadores, Editora Abril,
São Paulo, 1987.
"Platão" - Coleção Os Pensadores, Editora Abril,
São Paulo, 1988.
Gaarder,
Jostein. - "O Mundo de Sofia", Companhia das Letras, São Paulo, 1995.
Reale,
Giovanni & Antiseri, Dario. - "História da Filosofia", Vol. I, Ed.
Paulus, São Paulo, 1990.