A Filosofia de Hegel

Por Antônio Rogério da Silva

Fenomenologia e Lógica

Hegel propôs, em sua Fenomenologia, como tantos outros antes e depois dele, aproximar a filosofia da forma de fazer ciência consagrada em seu tempo. Uma investigação filosófica cujo objetivo último seria encontrar a verdade. Para tanto, exigiu que a atenção fosse exclusivamente voltada para a formulação do conceito, do modo no qual ele é expresso por proposições simples que constituem a base de todo conhecimento científico. Antes disso, porém, seria necessário ter a compreensão de que o conhecimento serve como instrumento para apreensão do absoluto. Entretanto, a verdade do saber a ser investigada apresenta uma separação entre o objeto que aparece para o sujeito, por um lado como fenômeno, e, por outro, como coisa-em-si. Superar esse dualismo é o caminho que precisa ser traçado pelo espírito (2).

Nesse sentido, por vezes o objeto surge como estando fora da consciência em um movimento dialético que pode levar à contradição ou a descoberta do objeto como algo novo e verdadeiro. A superação desse processo ambíguo faz com o que seja verdadeiro atinja sua essência na consciência como um ser que para esta é concebido como ensimesmado (3). Quando a certeza é construída sobre algo, chega-se à verdade pela identificação do objeto com esta própria certeza e o reconhecimento da consciência de que isto é verdadeiro. Na autoconsciência, então, funda-se o reino da verdade propriamente dita. Mas não basta que esta seja reconhecida apenas por si mesma. É necessário que a autoconsciência seja também reconhecida como tal por outras consciências semelhantes, como em uma comunidade em que o espírito deixe de ser subjetivo e passe a ter sua própria objetividade (4).

Ao encontrar a coisa em si mesma, ao mesmo tempo em que se vê como coisa em si, a autoconsciência toma a coisa como verdade objetiva. Por conseguinte, toda realidade pode vir a se tornar a verdadeira certeza no instante em que a razão se transforma em espírito absoluto.

Sua essência espiritual foi definida com substância ética; mas o espírito é a realidade ética. É o si mesmo da consciência real, em que se enfrenta, o que melhor se enfrenta a si mesmo, como mundo real objetivo, o qual, sem embargo, tem predito para o si mesmo toda significação de algo estranho, do mesmo modo que o si mesmo tem perdido toda significação de um ser para si, separado, dependente ou independente, daquele mundo. O espírito é a substância e a essência universal igual a si mesma e permanente - o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do trabalho de todos - e seu fim e sua meta, como o em si pensado de toda autoconsciência (...) (HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, "O Espírito", pp. 259-260).

Em todo movimento para formação do saber de si, o espírito trabalha imerso em sua história real, que termina quando o espírito alcança o elemento puro de sua existência, como conceito de ser-aí absoluto. Assim surge a ciência que faz o movimento da forma pura deste conceito para a consciência. Entretanto, para superar a alienação inicial convém que sucessivas etapas de conscientização ocorram até que o espírito possa recomeçar sua formação plena a partir de si mesmo no estágio mais elevado de seu progresso. Da perspectiva de um ser livre, mas contingente, a história é a ciência do saber verdadeiro, onde o espírito absoluto, no final, se encontra e acaba na "realidade, verdade e certeza de seu trono, sem o qual o espírito absoluto seria a solidão sem vida" (5).

Em sua Lógica, Hegel alia todo esse movimento histórico de conhecimento do espírito em si mesmo à evolução de uma contínua alternância de oposições que se unem e reconciliam. As contradições do mundo manifestam-se como contradições do espírito. Tese e antítese enfrentam-se para formar uma nova síntese e assim por diante até que o movimento termine no desvelamento de toda realidade, ao final. A unidade reconciliadora que encerra esse movimento dialético aparece então no fim da história que é a realização completa do espírito absoluto.

Do Subjetivo ao Absoluto

Uma vez que seja iniciada a caminhada para atingir o autoconhecimento, diversas fases de conscientização - Consciência, Consciência de Si, Razão - deverão ser ultrapassadas até que a razão compreenda o mundo em torno tal como ele é e a sua própria existência. Contudo, a fenomenologia que formou primeiro o espírito subjetivo necessita realizar sua plena liberdade na instância cultural que reúne a produção e o trabalho que transformam a natureza em uma natureza humana. Deve avançar o espírito subjetivo até o espírito objetivo que está no seio da sociedade e do Estado, onde realiza sua liberdade que é também sua verdade última. Em sua conscientização como parte do mundo e da sociedade de seres autodeterminados e autoconscientes, que assim se reconhecem, a realização plena de um ideal vem quando a própria razão livre é capaz de conhecer a si mesma e o mundo como criação.

História e cultura encontram-se, assim, em Hegel para realizarem a transformação e superação da alienação inicial do sujeito. Da constituição de um Estado, onde o movimento cultural envolve todo o direito e a moralidade social, o espírito objetivo da Filosofia do Direito transcende dessa fase intermediária para um estágio final ao qual o espírito absoluto se reconhece como parte criadora do mundo. Por fim, o espírito absoluto, em sua fase superior de autocompreensão pode abarcar o sentido estético, a filosofia e a religião revelada como última tomada de sua consciência própria.

Como todos idealistas românticos alemães, Hegel partiu da difícil interpretação da crítica kantiana iniciada por Fichte. Porém, por causa de sua ênfase exagerada na crença de uma razão auto-suficiente, romperam os idealistas alemães as barreiras do dualismo imposto por Kant e procuraram reunir em um só patamar mais elevado a mente e a realidade. Destarte, ao sujeito racional, foi dado plenos poderes de transformação da natureza, segundo sua própria vontade ou determinação. Desde que alcançasse o conhecimento de si necessário para evitar a alienação, o homem poderia tomar o rumo da história em suas mãos. Essa fé cega no progresso e na capacidade de transformação do destino da humanidade contagiou, como praga que se alastra, todo o pensamento do século XIX, que teve entre socialistas e positivistas suas consequentes aberrações, causando sequelas indeléveis em todo século XX.