O Positivismo Influencia Todas as Ciências

Por Antônio Rogério da Silva

O método indutivo de Bacon, que sistematizou a maneira moderna de se fazer ciência, permitiu a Newton extrair leis da natureza da observação e de suas experiências, sem trabalhar nenhuma hipótese previamente (1). Por conta disso, houve um rápido desenvolvimento da filosofia da natureza, como nunca havia acontecido antes. Ao passo que, a metafísica pouco evoluíra do ponto em que Kant a deixara. Até Kant, a chamada filosofia primeira oscilava como um pêndulo entre as teorias de céticos e dogmáticos. Depois dele, uma terceira vertente procurou estabelecer os limites para o conhecimento humano, entretanto, o idealismo alemão não respeitou as restrições impostas pelo kantismo à razão pura e mereceu a crítica que Marx e Nietzsche lhe fizeram.

Marx tentou ainda aplicar um método empírico ao estudo da história. De modo que Nietzsche foi a única voz discordante, no continente europeu, das extrapolações científicas, além das questões em que estas nada tinham a acrescentar de relevante: a fundamentação da verdade com base em uma fé na razão injustificada. Émile Durkheim (1858-1917) colocou explicitamente essa confissão de fé no prefácio à primeira edição de As Regras do Método Sociológico (1895).

Se eles [os fatos] são inteligíveis, tanto bastam à ciência como à prática: à ciência, pois não há motivo para procurar fora deles [os fatos] as suas razões de ser; à prática, pois o seu valor utilitário é uma destas razões. Parece-nos portanto que, sobretudo neste tempo de misticismo renascente, um tal empreendimento pode e deve ser acolhido sem inquietação e até com simpatia por todos aqueles que, mesmo divergindo de nós em alguns pontos, partilham de nossa fé no futuro da razão (DURKHEIM, É. As Regras do Método Sociológico, prefácio à primeira edição, p. 13.

No início do século XIX, o matemático francês Barão Pierre Simon de Laplace (1749-1827) - defensor de um determinismo estrito - já havia dito a Napoleão que não precisava incluir Deus como hipótese a ser considerada em suas pesquisas. Era o sinal de que a filosofia da natureza já estava madura o suficiente para se livrar das exaustivas especulações metafísicas e pronta para ser compreendida como a ciência contemporânea propriamente dita.

Entre os filósofos, cada um tentava em vão aplicar os métodos científicos sem produzir, no entanto, qualquer resultado duradouro, além da segunda geração. Os filósofos, na aguda percepção de Kant, constroem "sua obra própria sobre os destroços de uma obra alheia" (2). Por outro lado, a aplicação do conhecimento empírico, gerado pelas ciências, impulsionava a Revolução Industrial e tecnológica que acontecia ao longo de todo o século XIX. Diante deste quadro desconcertante, os filósofos, além de Nietzsche - e a despeito dele -, resolveram abandonar as questões teológicas, jogando fora todas as discussões inúteis da metafísica. No lugar de Deus e suas religiões, puseram a verdade e a capacidade racional como seus dogmas. Surgiu então a corrente filosófica do Positivismo que visava por fim à toda essa falta de rigor científico, enquanto procurava teorizar sobre os resultados de suas pesquisas avançadas, já disponíveis.

Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857) foi o primeiro filósofo francês a tomar uma atitude positiva da investigação acerca das relações sociais e reduzidas às leis científicas. Na esteira do hegelianismo, Comte considerou que as idéias progrediam em três estágios sucessórios: o teológico, o metafísico e o positivo. No início, todas as questões naturais são tratadas tendo a vontade de Deus e a realidade transcendente por referência obrigatória. Em seguida, conceitos abstratos e gerais, bem como a idéia metafísica de espírito, traçam as relações entre coisas em si como mistérios que substituem o descobrimento da realidade. Por fim, o estado positivo descreveria os fenômenos por meio de leis determinantes e objetivas que apresentassem a realidade plenamente consistente em sua positividade, evitando toda especulação a priori. A ciência positiva procurava explicar os fenômenos mais complexos através das regularidades naturais de suas causas e efeitos, apreendidos pela observação precisa que permitiria a formulação de hipóteses e posterior aplicação empírica de seus resultados.

Nesse sentido, a filosofia, ao descartar toda metafísica, poderia ser vista como a ciência que coordenaria todas as outras no intuito de melhorar a humanidade. Haveria uma graduação crescente de complexidade e especialização das ciências, partindo-se da matemática, passando pela astronomia, depois física, química, biologia e finalmente sociologia, ciência postulada por Comte em seu Curso de Filosofia Positiva (seis volumes publicados entre 1830 e 1842). A sociologia seria a ciência mais completa e nova entre todas as ciências positivas que teriam a tarefa de contribuir na ampliação da compreensão das questões ligadas à sociedade. Caberia às ciências sociais então encontrar as leis que regem o desenvolvimento das sociedades.

Em seu tempo, o positivismo de Comte preparou o terreno para que as teorias evolutivas encontrassem no darwinismo social uma poderosa interpretação da sociedade humana, da qual o próprio Darwin preferia se por à parte. Ao contrário de abster-se, o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) antecipou-se a Darwin na concepção da seleção natural como "persistência do mais apto", expressão que o autor de A Origem das Espécies (1859) considerava a mais adequada para descrição do modo pelo qual a natureza gera os resultados da luta pela sobrevivência (3). Ao lado do texto de Thomas Robert Malthus (1766-1834), Ensaio sobre a População (1798), os ensaios de Spencer - A Teoria da População e A Hipótese do Desenvolvimento, ambos de 1852, além de Princípios de Psicologia (1853) - exerceram forte influência sobre Darwin. Expandindo a idéia de Malthus do impacto do crescimento geométrico da população sobre os recursos naturais, Spencer, em A Teoria da População, argumentou que o conflito entre as diversas espécies pelos bens escassos levaria a sobrevivência daqueles que fossem mais capacitados para adquirir o necessário para sua subsistência. Por conseguinte, A Hipótese do Desenvolvimento defendia que as novas espécies sobreviventes seriam formadas a partir das antigas, em uma progressão semelhante a observada em embriões de animais e sementes de plantas. Finalmente, os mesmos princípios evolutivos da biologia seriam, em Os Princípios de Psicologia, aplicados à evolução da mente, pondo Spencer na vanguarda da filosofia evolucionista e como antecessor da sociobiologia.

Lógica, Direito e Sociologia Positivos

O início da modernidade teve a matemática como modelo mais influente de ciência, entre os pensadores racionalistas, de Descartes a Leibniz. Uma antropologia filosófica podia ser traçada de Hume até Kant. Schopenhauer e Nietzsche eram autores cuja psicologia e concepção biológica do homem se mostravam evidentes. Assim os filósofos refletiram em seus métodos específicos de trabalhar os projetos e paradigmas das áreas do conhecimento que apresentavam o melhor desempenho em suas épocas, tal como já observou Simon Blackburn (4).

Coerente com essa tendência mimética e simpatizante dos filósofos, o positivismo nada mais fez do que por em evidência a prática de se imitar os métodos científicos mais bem-sucedidos nas investigações filosóficas e nas ditas ciências humanas, em geral. Desse modo, a primeira parte da obra de Comte teve grande aceitação entre os pensadores ingleses e franceses. Contudo, a transformação teológica que resultou na fundação de uma Religião da Humanidade, moldada na estrutura da igreja católica, mas tendo cientistas e heróis no lugar de santos e mártires cristãos, foi uma extrapolação que só poderia ter sido explicada pela crise nervosa experimentada por Comte, depois de ter seu amor rejeitado por Clotilde de Vaux, em 1845. Por mais absurda que fosse a teologia do positivismo, ainda assim, em sua forma final encontrou essa doutrina grande aceitação no partido militar da recém proclamada república brasileira (1889), que chegou a estampar em sua bandeira nacional o lema "Ordem e Progresso" - sempre associado às ditaduras que alternavam os breves momentos de democracia (5).

O positivismo atingiu não só a sociologia, que foi ter em Émile Durkheim o pioneiro formulador de As Regras do Método Sociológico, mas também áreas importante da filosofia, como a lógica e o direito, que passaram a postular um estatuto científico particular. Livre de uma estranha religião da humanidade, cada área de conhecimento humano reinvindicou uma cadeira específica, aplicando cada qual a aproximação com as ciências naturais que lhe fosse mais adequada. O positivismo lógico conseguiu reunir as mentes mais brilhantes de uma geração de pensadores austríacos, em torno do Círculo de Viena (1924-1936) de curta duração, mas de longa influência entre os filósofos analíticos da linguagem do século XX. Por sua vez, Hans Kelsen (1881-1973) imaginou uma ciência para o direito, descartando o absolutismo moral e assumindo uma postura neutra em relação aos valores culturais, que seriam todos relativos. Bastaria à ciência jurídica, efetivamente, trabalhar com códigos legais hierárquicos baseados em princípios fundamentais da ordem superior de uma constituição, de onde seriam subordinadas as legislações inferiores até as portarias de circunscrições menores. Além disso, um poder coercitivo seria necessário para impor sanções a quem descumprisse a lei, organizando assim de modo claro as sociedades.

(...) A necessidade de distinguir o Direito da Moral e a ciência jurídica da Ética significa que, do ponto de vista de um conhecimento científico do Direito positivo, a legitimação deste por uma ordem distinta da ordem jurídica é irrelevante, pois a ciência jurídica não tem de aprovar ou desaprovar o seu objeto, mas apenas tem de o conhecer e descrever. Embora as normas jurídicas, como prescrições de dever-ser, constituam valores, a tarefa da ciência jurídica não é de forma alguma uma valoração ou apreciação do seu objeto, mas uma descrição do mesmo alheia a valores. O jurista científico não se identifica com qualquer valor, nem mesmo com o valor jurídico por ele descrito (KELSEN, H. Teoria Pura do Direito, II, 7, p. 77).

Afinal, Durkheim estabeleceu a sociologia como uma ciência social, fundada no racionalismo de um método que considerava os fatos sociais como coisas externas ao indivíduo. As instituições teriam assim sua gênese e um funcionamento próprios, distintos das consciências individuais, uma vez que representariam a consciência coletiva de uma sociedade.

Que a matéria da vida social não possa ser explicada por fatores puramente psicológicos, quer dizer, por estados da consciência individual, nos parece evidente. Desse modo, o que as apresentações coletivas traduzem é a maneira como o grupo se pensa nas suas relações com os objetos que o afetam. Ora, o grupo é constituído de modo distinto do indivíduo, e as coisas que o afetam são de outra natureza (DURKHEIM, É. Op. cit., prefácio à segunda edição, II, p. 21).

No método previsto por Durkheim, caberia ao cientista social caracterizar o fato social como objeto externo que afeta as consciências dos indivíduos, sem ser afetado por estas. Destarte, uma série de regras para observação desses fatos teriam de ser seguidas considerando como fundamental o tratamento destes como coisas que informam aquilo que é relevante para ser trabalhado pela pesquisa. Assim, poder-se-ia distinguir os fatos normais (faixa etárias, por exemplo) dos patológicos (os acidentes, etc), a forma como as sociedades são moldadas e as provas que podem ser concluídas de suas comparações.

Uma das criticas mais pertinentes de Nietzsche foi contra essa pretensão de estabelecer a ciência com base em uma verdade que não tem como ser provada a não ser pela suposição de uma fé racional injustificada que tomara o lugar de Deus. Durante quase todo o século XX, o sucesso tecnológico parecia fazer das ciências uma nova mantenedora da vida e do conforto e bem estar social que nenhuma religião havia proporcionado antes. Nesse sentido, a loucura de Comte não errara o seu alvo quando transformou o positivismo em uma nova religião sem Deus, mas com os cultos necessários para manutenção de uma ordem e de um progresso humano que nunca vieram a ocorrer na realidade. Mudou-se a roupa, os instrumentos e as habitações, mas o ser humano continua o mesmo animal de 100 mil anos atrás, mas agora de posse de armas de destruição em massa e de indústrias capazes de destruir todo meio ambiente.