René Descartes - A Herança Cartesiana

Por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 
Toda a concepção de mundo e de homem de Descartes se baseia na divisão da natureza em dois domínio opostos: o da mente ou espírito (res cogitans), a "coisa pensante", e o da matéria (res extensa), a "coisa extensa". Mente e matéria seriam criações de Deus, partida e ponto de referência comum a estas duas realidades. Para Descartes (embora os guardiões do racionalismo tentem passar por cima deste ponto), a existência de Deus era essencial à sua filosofia científica, embora seus seguidores de séculos posteriores fizessem de tudo para omitir qualquer referência explícita à Deus, mas mantendo a divisão cartesiana entre as duas realidade: as ciências humanas englobandas na res cogitans e as naturais na res extensa.

Em sua concepção, influenciada pelos avanços na técnica da relojoaria holandesa, Descartes achava que o universo nada mais era que uma máquina. A natureza funcionava mecanicamente de acordo com leis matematizáveis. Esse quadro tornou-se o paradigma dominante na ciências até nossos dias. Ela passou a orientar a observação e produção científica até que a física do século XX passou a questionar seus pressupostos mecanicistas básicos.

Em sua tentativa de construir uma ciência natural completa, Descartes ampliou sua concepção de mundo aos reinos biológicos. Plantas e animais nada mais eram que simples máquinas. Esta concepção criou raízes profundas com conseqüêcias não só a nível biológico, como psicológico (lembremo-nos do Behaviorismo, em Psicologia) e até mesmo econômico (manipulação comercial de animais sem consideração ética alguma). O corpo humano também era uma máquina, diferenciada porque seria habitada por uma alma inteligente, distinguível da máquina-corpo e ligado a ela pela glândula pituitária (é interessante observar que os espíritas dizem que esta glândula têm uma importância muito grande na interrelção espírito-corpo). As conseqüências dessa visão mecanicista da vida para a medicia foram óbvias, tendo exercido uma grande motivação no desenvolvimento da Psicologia nos seus primórdios. As conseqüências adversas, porém, são igualmente óbvias: na medicina, por exemplo, a adesão rígida a este modelo impede os médicos (os grandes cartesianos) de compreender como muitas das mais terríveis enfermidades da atualidade possuem um forte vínculo psicossomático e sócio-ambiental.

O objetivo da "ciência" de Descartes era a de usar seu método analítico para formar uma descrição racional completa de todos os fenômenos naturais num único sistema preciso de princípios mecânicos regidos por relações matemáticas. É claro que ele não poderia executar sozinho este plano grandioso. Mas seu método de raciocínio e as linhas gerais da teoria dos fenômenos naturais que ofereceu embasaram o pensamento científico ocidental por três séculos (Capra, 1986). Mesmo que a sua visão de mundo apresente, hoje, sérias limitações, o método geral que ele nos deu ainda é muito útil na abordagem de problemas intelecutais e funciona muito bem. Ele possibilita, ainda, uma notável clareza de pensamento, o qual nos possibilita, inclusive, questionar sua própria origem e visão de mundo. Descartes é, realmente, uma figura fascinante.

Bibliografia

Reale, G. & Antiseri, D. - História da Filosofia, Volume II, Ed.Paulis, São Paulo, 1990.
Descartes, R.. - O Discurso do Método, Coleção Universidade, Ediouro, 1986.
Capra, F. - O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, São Paulo, 19886