Toda a concepção de mundo e de homem de
Descartes se baseia na divisão da natureza em dois domínio opostos: o da
mente ou espírito (res cogitans), a "coisa pensante", e o da
matéria (res extensa), a "coisa extensa". Mente e matéria seriam
criações de Deus, partida e ponto de referência comum a estas duas
realidades. Para Descartes (embora os guardiões do racionalismo tentem
passar por cima deste ponto), a existência de Deus era essencial à sua
filosofia científica, embora seus seguidores de séculos posteriores
fizessem de tudo para omitir qualquer referência explícita à Deus, mas
mantendo a divisão cartesiana entre as duas realidade: as ciências humanas
englobandas na res cogitans e as naturais na res extensa.
Em sua concepção, influenciada pelos avanços na técnica da relojoaria
holandesa, Descartes achava que o universo nada mais era que uma máquina.
A natureza funcionava mecanicamente de acordo com leis matematizáveis.
Esse quadro tornou-se o paradigma dominante na ciências até nossos dias.
Ela passou a orientar a observação e produção científica até que a física
do século XX passou a questionar seus pressupostos mecanicistas básicos.
Em sua tentativa de construir uma ciência natural completa, Descartes
ampliou sua concepção de mundo aos reinos biológicos. Plantas e animais
nada mais eram que simples máquinas. Esta concepção criou raízes profundas
com conseqüêcias não só a nível biológico, como psicológico (lembremo-nos
do Behaviorismo, em Psicologia) e até mesmo econômico (manipulação
comercial de animais sem consideração ética alguma). O corpo humano também
era uma máquina, diferenciada porque seria habitada por uma alma
inteligente, distinguível da máquina-corpo e ligado a ela pela glândula
pituitária (é interessante observar que os espíritas dizem que esta
glândula têm uma importância muito grande na interrelção espírito-corpo).
As conseqüências dessa visão mecanicista da vida para a medicia foram
óbvias, tendo exercido uma grande motivação no desenvolvimento da
Psicologia nos seus primórdios. As conseqüências adversas, porém, são
igualmente óbvias: na medicina, por exemplo, a adesão rígida a este modelo
impede os médicos (os grandes cartesianos) de compreender como muitas das
mais terríveis enfermidades da atualidade possuem um forte vínculo
psicossomático e sócio-ambiental.
O objetivo da "ciência" de Descartes era a de usar seu método analítico
para formar uma descrição racional completa de todos os fenômenos naturais
num único sistema preciso de princípios mecânicos regidos por relações
matemáticas. É claro que ele não poderia executar sozinho este plano
grandioso. Mas seu método de raciocínio e as linhas gerais da teoria dos
fenômenos naturais que ofereceu embasaram o pensamento científico
ocidental por três séculos (Capra, 1986). Mesmo que a sua visão de
mundo apresente, hoje, sérias limitações, o método geral que ele nos
deu ainda é muito útil na abordagem de problemas intelecutais e funciona
muito bem. Ele possibilita, ainda, uma notável clareza de pensamento, o
qual nos possibilita, inclusive, questionar sua própria origem e visão de
mundo. Descartes é, realmente, uma figura fascinante.
Bibliografia
Reale, G. &
Antiseri, D. - História da Filosofia, Volume II, Ed.Paulis, São
Paulo, 1990.
Descartes, R.. - O Discurso do Método, Coleção Universidade, Ediouro,
1986.
Capra, F. - O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, São Paulo, 19886