Atualmente, para “conhecer” os deuses gregos é necessário
colocar de lado o conceito cristão de “deus perfeito, onipotente,
onipresente e onisciente”.
Lembre-se que os deuses gregos “nasceram” na Grécia antiga pré cristã. E,
para os gregos daquela época, a diferença básica entre os deuses e os seres
humanos era que os deuses eram imortais, enquanto que os seres humanos não o
eram. Portanto, despojem-se de seus conceitos cristãos para compreender os
deuses gregos!
Na Grécia antiga, a atuação de cada deus e deusa era em função de seus
atributos.
Assim, Zeus “existia” para ser o “pai de todos” – dos deuses e dos homens –
e, deste modo, cumpria sua função.
Hera “existia” para personificar a capacidade e a necessidade – do ser
humano – de compromisso e de tornar o casamento “sagrado” – aos olhos dos
deuses e dos homens.
Afrodite “existia” para estimular os prazeres e perceber a beleza da vida e
de tudo à sua volta.
Ares “existia” para estimular a competição – como que para promover a
“seleção natural” (descoberta bem posteriormente por Darwin) do mais forte
entre os seres humanos, e, assim, ser possível preservar seu território e
alimento.
Hermes “existia” para cumprir a função de mensageiro entre os deuses e entre
os homens – uma necessidade sempre presente no ser humano.
Poseidon reinava sob os mares; ele “existia” para ser o guardião do mundo
insondável e difuso das águas profundas.
Deméter era a deusa mãe terra – ela “existia” para personificar a própria
terra receptiva à semente, que guardava em seu bojo, para que pudesse
germinar e produzir mais alimentos para os seres humanos.
Plutão – o rico – reinava no submundo; ele “existia” para “guardar a morte”
para que renascesse uma nova vida.
Core – a jovem – transformou-se nas mãos de Plutão em Perséfone – a rainha
do submundo. Ela simbolizava a semente, que no interior da terra fértil e
úmida rompia a casca e morria enquanto semente e renascia como planta
frutífera. Ela “existia” para lembrar a todos que em tudo existia a vida e a
morte.
Portanto, não é possível entender os deuses e a mitologia grega “ao pé da
letra”. Afinal, para os gregos as funções básicas de seus deuses (pré
cristãos) – com seus respectivos atributos – eram voltados para a realização
e manutenção da Vida. E, assim, quem quiser compreender os deuses gregos, se
torna necessário “olhar” cada deus e deusa sob um enfoque diferente da
educação cristã.
Por exemplo, quando os gregos diziam que Zeus e Hera (marido e esposa) eram
irmãos, eles queriam dizer que os dois tinham as mesmas origem e realeza e
deveriam ser reverenciados igualmente – cada qual com seus respectivos
atributos, tão necessários aos seres humanos.
É claro que, por se tratar de uma cultura patriarcal, Zeus era mais
valorizado e cultuado que Hera e a ira desta, por causa das “traições” de
Zeus, era sempre colocada em descrédito e desqualificada.
Quando diziam que Core fora raptada por Plutão e tornado-se Perséfone e
comparavam-na à uma semente, os gregos queriam dizer que havia momentos na
vida de todo ser humano que era preciso romper a casca dura dos
condicionamentos para que fosse possível crescer; que era preciso deixar
alguma crença ou papel social ou situação “morrer” para que outra crença ou
papel social ou situação renascesse em seu lugar.
Um exemplo: a pessoa só pode se tornar adulta quando a criança morre (e é no
processo da adolescência que isto ocorre). A adolescência é um período
predominantemente “plutônico”: é o deus Plutão “seqüestrando” a criança –
Core –, que ficará retida por um período (adolescência) até que aconteça a
transformação e torne-se adulta.
Hoje, podemos compreender os simbolismos dos deuses gregos em função de seus
atributos a partir do conceito arquétipo, que significa “modelo típico”,
como uma referência universal de um típico “modelo de ser” (mãe é mãe em
qualquer lugar do mundo, tanto com os seres humanos como os animais!).
Arquétipos são modelos típicos utilizados – inconscientemente – pelos seres
humanos nos diversos papéis sociais que atuam no decorrer de suas vidas.
Cada modelo típico tem seus atributos intrínsecos (da mesma forma que os
deuses da antiguidade também os tinham).
Assim, por exemplo, quando falamos ou pensamos na palavra mãe, além da
experiência com nossa própria mãe, nos vem à mente a imagem de uma mulher
acolhedora e nutridora – este é “modelo típico” representado pela deusa
Deméter, a mãe terra. E, assim, é a partir desse “modelo típico”, que
acreditamos que nossa mãe foi ou é adequada ou não em seu papel de “nossa
mãe”.
Deste modo, uma mulher torna-se mãe, não apenas a partir do modelo de sua
“mãe terrena”, mas também a partir de sua “mãe divina” internalizada e que
“emana” do arquétipo materno.
E, deste modo, é possível encontrar nos diversos “deuses”, em seus tributos,
os modelos típicos de “como ser” em nossos diversos papéis sociais que
vivemos nas mais diversas situações sociais.
Maria Aparecida Diniz Bressani é psicóloga e
psicoterapeuta Junguiana,
especializada em atendimento individual de jovens e adultos,
em seu consultório em São Paulo.