Desde que
René Descartes estabeleceu seu método de análise como um instrumento
cientificamente eficaz no estudo dos fenômenos físicos e humanos, exaltando
o reducionismo e as relações causais entre as partes que constituem um todo
complexo, no século XVII, e postulou uma divisão estrita entre corpo e mente
- ou entre a res extensa e a res cogitans -, que as diversas disciplinas
acadêmicas tentam se adaptar a um esquema cartesiano de explicação dos
diversos fenômenos a que se dedicam. Assim sendo, na esteira da tradição
biomédica, a Psicologia foi, desde Wundt, moldada como uma disciplina
voltada para a análise do comportamento humano de acordo com preceitos
acdemicamente aceitos de reducionismo e mecanicismo. Tal bagagem referencial
vem dificultando o entendimento das relações complementares e a maneira como
a mente e o corpo interagem.
Wundt, que é considerado o pai da Psicologia experimental moderna, seguindo
a tradição empírica tão cara ao século XIX - tradição esta que advém dos
enormes sucessos da Física Clássica de Issac Newton, que, por seu turno, foi
precedida pela preparação de uma filosofia racionalista apropriada e em
grande parte desenvolvida por René Descartes - estabeleceu uma orientação
atômica ou elementarista dos processos mentais, a qual sustentava que todo o
funcionamento do nosso psiquismo poderia ser analisado em elementos básicos,
elementares e indivisíveis ( como os átomos elementares e indivisíveis que
constituiriam o universo mecânico imaginado por Newton), e que seriam os
tijolos constituintes das nossas sensações, sentimentos, memória, etc. Esta
abordagem reducionista e mecanicista, muito simplória para dar conta de toda
a imensa e complexa riqueza do psiquismo humano, logo suscitaram uma forte
oposição entre muitos psicólogos e filósofos europeus, que não aceitavam a
natureza extremamente fragmentária da psicologia de Wundt. Estes críticos
europeus enfatizavam uma compreensão unitária entre a cônsciência e a
percepção, e, em parte, de sua interelação com o organismo como um todo.
Esta pioneira abordagem holística em Psicologia deu origem a uma importante
escola na Alemanha: a Gestalt.
A Psicologia da Gestalt
Formulada entre fins do século passado e início do nosso século, a
Psicologia dos Padrões de Totalidade ou de Totalidades Significativas(Gestalten,
em alemão) surgiu como um protesto contra a tentativa de se compreender a
experiência psíquico-emocional através de uma análise atomística-mecanicista
tal como era proposto por Wundt - análise esta no qual os elementos de uma
experiência são reduzidos aos seus componentes mais simples, sendo que cada
um destes componentes são peças estudadas sioladamente dos outros, ou seja,
a experiência é entendida como a soma das propriedades das partes que a
constituiriam, assim como um relógio é constituído de peças isoladas. A
principal caraterística da abordagem mecanicista é, pois, a de que a
totalidade pode ser entendida a partir das características de suas partes
constituivas. Porém, para os psicólogos da Gestalt, a totalidade possui
características muito particulares que vão muito além da mera soma de suas
partes constitutivas. Como exemplo, poderíamos tomar uma fotografia de
jornal é que constituída por inúmeros pontinhos negros espalhados numa área
da folha de jornal. Nenhum desses pontinhos, isoladamente, pode nos dizer
coisa alguma sobre a fotografia. Apenas quando tomamos a totalidade da
figura, é que percebemos a sua significação. A própria palavra Gestalt
significa uma disposição ou configuração de partes que, juntas, constituem
um novo sistema, um todo significativo. Sendo assim, o princípio fundamental
da abordagem gestáltica é a de que as partes nunca podem proporcionar uma
real compreensão do todo, que emerge desta configuração de interações e
interdependências de partes constituintes. O todo se fragmenta em meras
partes e/ou deixa de ter um significado quando é analisado ou dissecado, ou
seja, deixa de ser um todo. Esta escola teve como principais expoentes Max
Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Posteriormente, Kurt Lewin
elaboraria uma teoria da personalidade com base na compreensão gestáltica da
totalidade significativa, onde se estipula que o comportamento do indivíduo
é a resultante da configuração de elementos internos num "espaço vital", que
é a totalidade da experiência vivencial do indivíduo num dado momento ( ou
seja, todo o conjunto de experiências que se faz sentir num dado momento, de
acordo com a percepção/interpretação do indivíduo ). Estas idéias foram, em
parte, adotadas por Carl Rogers em sua teoria da personalidade, conhecida
como Abordagem Centrada na Pessoa já que é o cliente que dirige o andamento
do processo psicoterapêutico, trazendo e vivenciando o material pessoal
exposto nas sessões. Já o psicoterapeuta Frederick S. Perls desenvolveria
uma corrente de psicoterapia baseada nos fundamentos da escola da gestalt,
pondo em prática uma ação terapêutica voltada aos padrões vivenciais
significativos do indivíduo. Esta corrente é conhecida como Gestalt-Terapia.
A Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein
Jan Smuts, militar e estadista inglês, que se tornou uma figura importante
na história da África do Sul, é frequentemente reconhecido e citado como o
grande pioneiro e precursor filosófico da moderna teoria organísmica ou
holística do século XX. Seu livro seminal intitulado Holism and Evolution,
de 1926, exerceu uma grande influência sobre vários cientistas e pensadores,
muito embora, na época de seu lançamento, tenha passado quase despercebido
da elite intelectual da primeira metada do século, tendo só aos poucos
ganhando seu merecido espaço nos meios acadêmicos e filosóficos,
principalmente graças ao impacto que exerceu em pensadores e teóricos do
porte de um Alfred Adler, famoso teórico da personalidade e discípulo
dissidente de Sigmundo Freud; ou de um Adolf Meyer, psicobiólogo; ou na
recente e menos mecanicista linha médica, dentro da alopatia, chamada de
psicossomática, etc. Smuts cunhou o termo holismo da raiz grega holos, que
significa todo, inteiro, completo. Mas as verdadeiras bases da concepção
holística, ou do pensamento holístico, vêm verdadeiramente de muito antes,
desde Heráclito, Pitágoras, Aristóteles e Plotino até Spinoza, Goethe,
Schelling, Flammarion e Willian James (Hall e Lindzey, 1978; Crema, 1988;
Guimarães, 1996).
Um dos maiores expoentes do pensamento holístico em psicologia e em
psiquiatria é Kurt Goldstein. Ele formulou a sua teoria holística da psique
a partir de seus estudos e observações clínicas realizados em soldados
lesionados no cérebro durante a I Guerra Mundial, e de estudos sobre
distúrbios de linguagem. Deste leque de observações, Goldstein chegou à
conclusão (hoje mais ou menos óbvia) de que um determinado sintoma
patológico não pode ser compreendido ou reduzido a uma mera lesão orgânica
localizada, mas como tendo características e/ou fortes reforços ou
abrandamentos do organismo como um todo, como um conjunto integrado, como um
holos e não como um conjunto de partes mais ou menos independentes.
Segundo Goldstein, o corpo e a mente não podem ser vistos como entidades
separadas, tais como separamos o software do hardware, pois ambos só se
expressam na conjunção, na união e íntima conexão de ambos. O organismo é
uma só unidade e o que ocorre em uma parte afeta o todo, como já era
reconhecido pela da medicina Homeopática e pelas artes da cura não
ocidentais, como na medicina chinesa, e na sabedoria das tradições populares
e xamanísticas de povos ditos "primitvos" (Capra, 1986; Eliade, 1997;
Guimarães, 1996).
Qualquer fenômeno, quer seja positivo ou não, se passa tanto ao nível
fisiológico quanto psicológico, ou seja, se passa sempre no contexto do
organismo como um todo, a menos que se tenha isolado artificialmente este
contexto, como se fez nas ciências e nos meios acadêmicos desde Descartes,
com as esferas da Res Cogitans, que é a esfera do mental, e da Res Extensa
ou a esfera do físico, e a ramificação entre ciências naturais e ciências
humanas. Ora, não existe real diferencianção (no sentido de mensuração)
entre estes dois ramos. Assim, qualquer redução ou caracterização em um ou
outro destes critérios (físico e mental) é um isolamento artificial e,
conseqüentemente, parcial.
As leis do organismo são as leis de uma totalidade dinâmica, que harmoniza
as "diferentes" partes que constituem esta totalidade. Portanto, é
necessário descobrir as leis pelas quais o organimso inteiro funciona, para
que se possa compreender a função de qualquer de seus componentes, e não o
inverso, como se tem feito até hoje (Hall e Lindzey, 1978). É este o
princípio básico da teoria organísmica ou holística em saúde, principalmente
em Psicologia.
Goldstein acreditava que os sintomas patológicos eram uma interferência do
meio sobre a organização do todo, ou eram, em menor grau, consequencias de
anomalias internas. Mas, de qualquer forma, a tendência intrínseca ao
equilibrio dinâmico poderia levar o indivíduo a se adpatar à nova realidade,
desde existam os meios que sejam apropriados para isso. Assim, Goldstein via
em todo o ser vivo uma tendência de auto-realização que significaria uma
esforço constante para a realização das potencialidades inerentes dos seres
vivos, mesmo que haja um meio ostil. É assim que, mesmo em abientes não
propícios, vemos nascerem plantas que, mal grado, não consigam se
desenvolver totalmente, mesmo assim teimam em nascer, mesmo que venhma a
morrer ou a se atrofiarem em breve, mas a ânsia de viver é mais forte. Esta
idéia de auto-realização ou de auto-atualização foi, posteriomente, adotada
por teóricos vários, desde Carl Rogers até biólogos, como Maturana.
Andras Angyal e o conceito de Biosfera
Assim como Goldstein, Andras Angyal, húngaro naturalizado americano, não
poderia conceber uma ciência que não fosse holística, alcançando a pessoa e
a vida como um todo. Mas, ao contrário de Goldstein, Angyal não podia
admitir numa distinção entre o organismo e o meio-ambiente, assim como um
físico relativista não pode acreditar numa sepação rígida entre matéria e
energia. Angyal afirma que organismo e meio ambiente se interpenetam de uma
forma tão complexa que qualquer tentativa para separá-lo expressa uma visão
mecanicista do mundo que destrói a unidade natural de todas as coisas
(unidade sutil, é verdade, mas bem visível na interdependência bio-ecológica
e social de todos os seres vivos), o que cria uma diferenciação artificial e
patológica entre o organismo e o meio (Hall e Lindzey, 1978; Capra, 1986), o
que estimula todo o tipo de crime social e ecológico que vemos em nosso
século. Se, na história da humanidade, houve grandes catrofes naturais e
grandes genocídios através da mão humana em nome da religião, por exempo,
mesmo assim nunca se matou tanto como em nossos dias, em nome de uma
concepção de mundo mecanicista- racionalista e capitalista, onde tudo foi
separado de tudo, e os seres vivos são vistos como máquinas e nada mais.
Angyal criou o termo biosfera para traduzir uma concepção holística ou
ecológica que compreenda o indvíduo e o meio "não como partes em interação,
não como constituintes que tenham uma existência independente dos demais,
como peças de um relógio, mas como aspectos de uma mesma realidade, que só
podem ser separados realizando-se uma abstração" (Angyal, cit. em Hall e
Lindzey, 1978, p. 43).
A biosfera, portanto, em seu sentido mais amplo seria mais ou menos como a
atual conceção de Gaia, ou da Terra viva. A biosfera pode ser vista em
vários níveis, inclusive no nível humano, onde um indíviduo constitui uma
biosfera particular em relação ao seu conjunto orgânico e psíquico, assim
como uma sociedade, etc. Assim, a Biosfera inclui tanto os processos
somáticos quanto os psicológicos (individuais e coletivos) e os sociais, que
podem ser estudados assim, separadamente, mas só até certo ponto.
Segundo Hall e Lindzey (1978), embora seja a Biosfera um todo indivisível,
ela é composta e organizada por sistemas estruturalmente articulados. A
tarefa do cientista seria, assim, de identificar as linhas de demarcação
determinadas na biosfera pela estutura antural do todo em si mesmo. Assim,
um homem se diferencia de outro homem, mas ambos possuem características que
nos permitem classificá-los como homens e não como peixes, etc.
O organismo individual, um sujeito, portanto, constitui um pólo da biosfera,
e o meio ambiente, natural e social, o outro polo. Toda a dinâmica essencial
da vida está fundanda na interação entre estes dois pólos. Angyal postula
que não são os processos de um ou de outo que determinam ou refletem a
realidade, mas a interação contínua de ambos. Assim, a vida como um todo
unitário nos daria uma nova visão e a possiblidade de percebermos fenômenos
e detalhes que nos escapam no estudo polar de ambos os níveis da realidade.