"Não apenas é
o homem parte da natureza - e esta é parte sua -, como deve ser minimamente
isomórfico (semelhante a) com ela para nela ser viável. Ela o gerou. Sua
comunhão com aquilo que o transcende não precisa ser definida, portanto,
como não-natural ou sobrenatural. Pode ser vista como uma experiência
'biológica' "Abraham Maslow.
O que é e como surgiu a Psicologia Transpessoal
Foi em meados
da década de sessenta, durante o rápido desenvolvimento e aceitação dos
pressupostos básicos da psicologia humanista, com Maslow e Rogers, que
alguns psicólogos e psiquiatras começaram a discutir quais os limites e
características a que seria possível chegar o potencial da consciência
humana. Muitos pesquisadores achavam que a visão da psique dada pela
Psicanálise e pelo Behaviorismo eram, no mínimo, bastante simplificadas e
reducionistas, não explicando uma grande gama de fenômenos mentais que
escapavam - e muito - do campo de alcance de tais teorias. E a
Psiquiatria dava ainda menos clareza sobre uma ampla gama de estados
de conciência claramente chocantes e, ao mesmo tempo, fascinantes, que não
podiam se restringir unicamente à história orgânico-biográfica de alguns
pacientes.
A grande maioria dos teóricos da personalidade toma por fundamento básico a
consciência em estado de vigília, ou consciência normal, como sendo a
única possibilidade saudável de nível de percepção congnitiva. As
caraceterísticas básicas desta consciência normal, segundo Fadiman & Frager,
é que a pessoa sabe "quem é", tem perfeita noção de si mesma como uma
individualidade, e seu sentido de identidade é estável. Ou seja, a pessoa
tem uma idéia clara de ser uma individualidade diferenciada do meio que a
cerca. Estudos vários sobre a imagem corporal e do sentido do ego
concluem que qualquer desvio desses limites é um grave sintoma
psicopatológico. Só que tal conclusão começou a ser seriamente questionada
com vários relatos e pesquisas sérias realizadas em várias partes do mundo.
Às vezes, experiências correlacionadas com um declínio de uma
psicopatologia e com a restauração da saúde psíquica podem muito bem
expor experiências subjetivas que ultrapassam e muito os chamados limites
normais do ego. William James já o havia notado em fins do século passado. O
resultado de muitas destas pesquisas, muitas delas envolvendo psiquiatras e
psicólogos famosos, levantou uma séria questão: seria possível que algumas
das distinções que mantemos entre nós mesmos e o resto do mundo sejam
arbitrárias e/ou culturalmente condicionadas? Talvez a consciência humana
seja um vasto campo ou espectro, semelhante ao espectro eletromagnético,
onde cada "freqüência" expressaria um modo de percepção, muito mais que um
conjunto firme de traços ou características rigidamente definidas de
expressão, já que em certas experiências - algumas delas envolvendo
psicodélicos ou drogas psicoativas - a consciência do sujeito parece
abranger elementos que não têm nenhuma continuidade com sua identidade do
ego usual e que não podem ser considerados simples derivativos de suas
experiências no mundo convencional.
Vejamos esta descrição, feita por Stanislav Grof, de experiências
correlacionadas com o declínio de uma patologia (extraído, com comentários
meus, de Fadiman & Frager, 1986, página 168):
"No estado de consciência 'normal' ou usual, o indivíduo se experimenta
existindo dentro dos limites de seu corpo físico (a imagem corporal), e sua
percepção do meio ambiente é restringida pela extensão, fisicamente
determinada, de seus órgãos de percepção externa; tanto a percepção interna
quanto a percepção do meio ambiente estão confinadas dentro dos
limites do espaço e do tempo (numa aceitação cultural das
premissas do paradigma cartesiano-newtoniano próprio da visão de mundo
ocidental nos últimos 300 anos). Em experiências psicodélicas (área
explorada por Grof em fins dos anos 50, na Tchecoslováquia, e nos anos 60
nos EUA) de cunho transpessoais, uma ou várias destas limitações parecem ser
transcendidas (este fenômeno também se encontra, de modo esporádico, nas
várias terapias psicológicas, tendo recebido nomes como "Experiências
Oceânicas" em Freud, "Experiências Culminates" em Maslow, "Consciência
Cósmica", em Weil, "Experiência Mística", etc). Em alguns casos, o sujeito
experiencia um afrouxamento de seus limites usuais de ego e sua consciência
e autopercepção parecem expandir-se para incluir e abranger outros
indivíduos e elementos do mundo externo. Em outros casos, ele continua
experienciando sua própria identidade, mas numa percepção de tempo
diferente, num lugar diferente ou em um diferente contexto. Ainda em outros
casos, o individiuo pode experienciar uma completa perda de sua própria
identidade egóica e uma total identificação com a consciência de uma 'outra'
entidade. Finalmente (em similiraridade com o que experiencia o místico),
numa categoria bastante ampla destas experiências psicodélicas transpessoais
(experiências arquetípicas, união com Deus, etc.), a consciência do sejueito
parece ambranger elementos que não têm nenhuma continuidade com a sua
identidade de ego usual e que não podem ser considerados simples derivativos
de suas experiências do mundo tridimensional".
São, pois, estas experiências culminates e transuamas que são o foco central
da Psicologia Transpessoal.
Muitos renomados psicólogos humanísticos e alguns psiquiatras insatisfeitos
com a abordagem excessivamente mecanicista e biomédica de sua
disciplina mostraram crescente interesse por áreas de estudo antes
negligenciadas, e por tópicos de psicologia próximas a estes
estados-alterados de consciência, como, por exemplo, as experiências
místicas, ou de consciência de transe.
As tendências isoladas começaram a se unir graças aos trabalhos de Abraham
Maslow e Anthony Sutich, o que acabou por consolidar a chamada Quarta Força
em Psicologia (esta classificação é feita com base em características
próprias de cada escola, não pelo contexto histórico. Assim, a Primeira
seria o Behaviorismo, a Segunda a Psicanálise e a Terceira o Humanismo). Foi
assim que nasceu a Psicologia Transpessoal, como disciplina autônoma, no
final dos anos sessenta, mas as tendências desse movimento já existiam há
muito tempo. Por exemplo, Carl Gustav Jung, Roberto Assagioli e o próprio
Maslow já haviam lançado as bases para o movimento transpessoal (Grof,
1988). Outros psicólogos, como Carl Rogers, acabaram, na evolução de seu
trabalho e de sua prática clínica, por se encontrarem com dimensões
transcendentes trazidos à tona por clientes e grupos terapêuticos.
Carl Gustav Jung
Carl Gustav
Jung pode ser considerado o mentor máximo e o primeiro psicólogo
transpessoal. As diferenças entre a Psicanálise Freudiana e as teorias
de Jung são muito bem representativas das diferenças entre uma
psicoterapia mecanicista e biomédica e uma mais humana e holística.
Ainda que Freud e muitos dos seus discípulos tenham ido muito a
fundo nas suas revisões da psicologia ocidental, atingindo os limites do
paradigma cartesiano em Psicologia, apenas Jung questionou radicalemente
seus fundamentos filosóficos: a visão de mundo de Descartes e Newton. Jung
salientou, de modo convincente, aspectos não racionais e não lineares da
psique, que inclui o misterioso, o criativo e o espiritual como meios
válidos, ou formas holísticas-intuitivas de conhecimento.
Jung via a psique como uma interação complementar entre elementos
conscientes e insconscientes, com uma constante troca de infromação e
fluidez entre ambos. O insconsciente não seria um mero depósito
psicobiológico de tendências instintivas reprimidas. Ele seria um princípio
ativo inteligente, que, em seu estrato mais profundo, ligaria o indivíduo à
toda a humanidade, à natureza e ao cosmos. Ele não seria governado
apenas pelo determinismo histórico, como postulado por Freud, mas também
por uma ânsia evolutiva com uma função projetiva e teleológica.
Estudando a dinâmica do inconsciente, Jung descobriu as unidades funcionais
que chamou de complexos e, como tais, foram adotadas po Freud. Os complexos
são constelações de elementos psíquicos - idéias, opiniões, atitudes e
convicções - associados com sensações diversas e que se juntam ao redor de
um tema nuclear. Partindo de áreas biograficamente determinadas do
inconsciente, Jung chegou aos padrões de criação dos mitos, lendas e
símbolos universais, aos quais ele deu o nome de arquétipos e que expressam,
de forma simbólica, conteúdos psíquicos de significação emocional universal,
como o processo de maturação psíquica e outros (c.f. a Home Page sobre
Jung).
Jung não acreditava que o ser humano fosse uma mera máquina
biológica. O conceito de máquina é extremamente antropomórfico para ser
um conceito natural. Além disso, ele reconhecia que o processo de maturação
psíquica pode, em certos casos, transcender e muito os estreitos limites do
ego e do inconsciente individual. Por isso ele é considerado o primeiro
representante da orientação transpessoal em psicologia.
Pela sutil e cuidadosa análise de seus próprios sonhos, tal como antes
fizera Freud, bem como dos sonhos de seus pacientes e dos delírios de
pacientes psicóticos, Jung descobriu que os sonhos têm, algumas vezes,
imagens e motivos que se repetem e que podem ser encontrados não só nas
diversas partes do mundo, como tabém em dirferentes períodos da história.
Assim, ele chegou à conclusão de que, além do inconsciente individual, há um
inconsciente coletivo ou racial, comum a toda a humanidade, manisfestação da
criatividade universal. As únicas fontes de informação sobre os aspectos
coletivos do incosnciente seriam o estudo das religiões comparadas e da
mitologia universal. Para Freud, os mitos podem ser interpretados em termos
de problemas e conflitos caracterísiticos da infância e sua universalidade
reflete o conjunto da experiência humana compartilhada culturalmente. Jung
rejeitou tal explicação reducionista. Ele havia observado que os enredos
mitológicos universais ocorriam em indivíduos que não tinham, de maneira
alguma, qualquer conhecimento deles. Isso lhe sugeriu que haveria elementos
estruturais formadores de mitos na psique inconsciente. Tais elementos
originariam tanto a fantasia viva e os sonhos pessoais quanto a mitologia
dos povos. Assim, os sonhos podem ser encarados como mitos individuais e os
mitos, como sonhos coletivos. De qualquer modo, estas matrizes primárias são
como a expressão instintual do potencial psíquico que cada indivíduo terá
de, em seu crescimento, desenvolver.
Freud sempre demonstrou durante toda a sua vida um apaixoante interesse por
religião e espiritualidade, mas como expressão de recalques do
desenvolvimento psicossexual do homem expresso na forma da cultura
religiosa. Ele acreditava que era possível uma compreensão do processo
irracional conflitivo, que viria das que fases do desenvolvimento
psicossexual, responsável pelo surgimento da religião. Jung, ao contrário,
dispunha-se a aceitar o irracional e o paradoxal como válidos em si mesmos.
Ele estava convicto da realidade da dimensão espiritual no esquema universal
das coisas. Sua suposição básica era que o elemento espiritual é uma parte
orgânica integral da psique. A verdadeira espiritualidade, ou a sua busca, é
um aspecto pulsional do inconsciente coletivo, independente do
condicionamento da infância e da vida do indivíduo, do ponto de vista
cultural e educacional. Assim, se a análise e a auto-exploração alcançam
suficiente profundidade, os elementos espirituais emergem espontanemante na
consciência. A maior contribuição de Jung para a psicoterapia é seu
reconhecimento das dimensões espirituais da psique e suas descobertas nos
campos transpessoais .
O que faz de Jung um gênio na psicologia moderna é sua ampla visão, que vai
bem além de sua época, e o seu método científico. O enfoque de Freud era
estritamente histórico e determinísitco, bem ao gosto do paradigma
cartesiano-newtonino; ele se interessava em encontrar explicações
lineares-racionais para todos os fenômenos psíquicos, seguindo uma gênese
histórico-biográfica. Jung estava convencido de que a causalidade linear não
era o único princípio mandatório na natureza. Ele criou um termo,
sincronicidade, para designar um princípio de ligação entre eventos de forma
NÃO-causal, o que explicaraia as chamamdas coincidências significativas de
ventos separados no tempo e/ou no espaço. Também se interessava intensamente
pelo desenvolvimento da Física Moderna e mantinha estreito contato com seus
representantes mais proeminentes. Foi Einstein que, durante um encontro
pessoal, encorajou Jung a perseguir o conceito de sincronicidade, e Wolfgang
Pauli, um dos fundadores da teoria quântica, publicou um ensaio conjunto com
Jung sobre sincronicidade, bem como escreveu um estudo sobre os arquétipos
na obra do físico Johannes Kepler. Não deixa de ser tremendamente irônico o
fato de que, embora Freud se orgulhasse de a Psicanálise ser atrelada ao
mecanicismo newtoniano e de que os psicanalistas serem "mecanicistas
incorrigíveis", ter sido a psicologia "esotérica" de Jung a que tenha
exercido maior impacto entre os gênios da ciência moderna.
Mas o que tem a ver Física e Psicologia? Bem, os Físicos modernos têm muito
a dizer sobre a importância da consciência na definição do que seja
realidade. Eles, juntamente com os místicos genuínos, parecem estar cada vez
mais próximos uns dos outros em suas tentativas para descrever o que seja o
universo (ver os excelentes livros de Fritjof Capra e de Lawrence LeShan).
Os reseultados das experiências transpessoais sugerem que a natureza da
gênese da consciência podem ser mais realisticamente descritas por mísiticos
e físicos modernos do que pela mais estável e aceita linha psicológica
acadêmica.
Muitos autores (Abraham Maslow, Pierre Weil, Stanislav Grof, Ken Wilber,
Walsh, Vaughan entre outros) oferecem a evidência de que os assim chamados
"estados alterados" são não só naturais, como também são necessários para o
bem-estar e a saúde do indivíduo, após atingir um certo grau de
desenvolvimento cognitivo e ter atendido as necessidades básicas mais
urgentes. Maslow acredita que, a menos que tenhamos oportunidade de mudarmos
nosso estado de consciência, podem se desenvolver sintomas emocionais graves
se imperdirmos o afloramente dos níves transcendentes da personalidade. Da
mesma forma como existe uma pulsão para a experiência sexual, também parece
haver uma pulsão para o desenvolvimento de níveis de percepção.
Roberto Assagioli
Outro autor
de importância para o desenvolvimento da Psicologia Transpessoal é Roberto
Assagioli. Ele é o criador da psicossíntese, que é um tipo de resposta ao
método fragmentar da psicanálise, onde está claro a responsabilidade do
indivíduo no processo do próprio crescimento, que é um impulso constante em
todos as pessoas, apesar de relativamente tênue, embora poucas se dêem a
chance de se desenvolverem plenamente.
A cartografia
de Assagioli sobre a personalidade humana tem muito em comum com o modelo
junguiano da psique, uma vez que inclui os campos espirituais e os elementos
coletivos da psique. Ele se consitui de sete consituintes dinâmicos: o
insconsciente inferior orienta as atividades psicológicas básicas, como as
pulsões sexuais e os complexos emocionais. O inconsciente médio seria algo
como o subconsciente. O campo superconsciente é o local dos sentimentos e
aptidões superiores, onde se localizam a intuição e a inspiração. O campo da
consciência inclui os pensamentos e sentimentos analisáveis. O ponto central
da psique é o self. Todos esses componentes são anexados ao inconsciente
coletivo.
O processo
terapêutico fundamental da psicossíntese envolve quatro estágios
consecutivos. Primeiro, o cliente toma conhecimento dos vários elementos
(didaticamente falando) de sua personalidade, o que inclui seu ego ideal e o
seu ego real, com todos os defeitos que a pessoa gostaria de suprimir.
Depois que estiver bem familiarizado com eles, ele terá que começar a se
desindentificar com esses elementos (conhecer-se a si mesmo e perceber que
suas várias características são apenas características, não o fundamento do
ser, ou self). Depois que a pessoa descobre seu centro psicológico
unificador, é possível a realização total da psicossíntese, caracterizada
pela culminância do processo de auto-realização pela integração dos
componentes da personalidade à volta do novo centro, o self.
Abraham Maslow
Foi
AbrahamMaslow quem primeiro formulou, explicitamente, os princípios da
psicologia transpessoal como uma abordagem diferenciada. Uma de suas
mais importantes contribuições é seu estudo sobre pessoas que
vivenciaram, espontaneamente, as chamadas experiências místicas de "pico".
Na psicoterapia tradicional, experiências místicas de qualquer tipo são
sempre taxadas como sérias psicopatologias. Em seu muito bem-feito estudo,
Maslow desmonstrou que as pessoas que tiveram experieencias espontâneas de
"pico" benceficiavam-se delas e mostravam um claríssima tendência para a
auto-realização, que é o objetivo da psicoterapia humanística. Ele julgou
estas experiências como supernormais em vez de subnormais. A partir desse
fato, ele erigiu os fundamentos da nova psicologia.
Um outro
aspecto importante do trabalho de Maslow é a análise das necessidades
humanas e sua revisão geral da teoria dos instintos. Ele descobriu que as
maiores necessidades representam um aspecto importante e autêntico das
estrutura da personalidade humana e não pode ser reduzido a uma mera
derivação de instintos básicos (a idéia de instinto sugere uma busca da
ligação do comportamento humano dentro das diretrizes da ciência mecanicista
convencional). Segundo ele, as maiores necessidades têm um papel importante
na doença e na saúde mental. Valores superiores (metavalores) e os impulsos
para alcança-los (metamotivações) são intrínsecos à natureza humana,
possuindo uma fundamentação tão biológica quanto a pulsão sexual, por
exemplo.
Eis as
palavras de Maslow anunciando o desenvolvimento da Psicologia Transpessoal
(Maslow, 1968, página 12):
"Devo também
dizer que considero a Psicologia Humanística, ou Terceira Força em
Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Força ainda
"mais elevada", transpessoal, transumana, centrada mais na ecologia
universal do que nas necessidades interesses restritos ao ego, indo
além da identidade, da individuação e congêneres... Necessitamos de algo
"maior do que somos", que seja respeitado por nós mesmos e a que nos
entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico,
talvez como Thoreau e Whitman, William James e John Dewey fizeram".
Carl Rogers
Apesar de não
ser incluído, pela maioria dos autores, como um psicólogo transpessoal, mas
como um dos mais significativos psicólogos humanistas, não escapou à Carl
Rogers as chamadas dimensões transcendentes ou espirituais que
frequentemente emergiam no contexto terapêutico, especialmente em termos de
Terapia de Grupo, na qual Rogers foi grande pioneiro. E foi exatamente a
partir do revolucionário trabalho com Grandes Grupos e em Workshorps, na
última fase de sua formulação teórica, que a temática transpessoal começa a
se delinear nos escritos do criador da Abordagem Centrada na Pessoa, e nos
escritos de seus principais colaboradores. John K. Wood, por exemplo,
escreveu o seguinte comentário (Rogers, 1983b) sobre as ocorrências
transpessoais que costumam ocorrer em Grandes Grupos:
Freqüentemente as pessoas compartilham e falam de sonhos sem interpretação
ou comentário. Sonhos comuns muitas vezes ocorrem. Algumas pessoas reportam
"experiências místicas" (...). As mesmas idéias e mitos [imagens
arquetípicas] frequentemente emergem de várias pessoas ao mesmo tempo.
(Rogers, 1983b, p. 34)
O próprio
Rogers se refere muitas vezes em suas últimas obras às percepções
transpessoais e fenômenos congêneres de estados sutis de consciência, e
estabelece que estes são eventos observáveis e inerentes ao trabalho bem
sucedido com Grandes Grupos e Workshops:
O outro aspecto importante do processo de formação de [Grandes Grupos] com
que tenho tido contato é a sua transcendência e espiritualidade. Há alguns
anos eu jamais empregaria estas palavras. Mas a estrema sabedoria do grupo,
a presença de uma comunicação profunda quase telepática, a sensação de que
existe "algo mais", parecem exigir tais termos (Rogers, 1983a, p. 62).
Tenho a
certeza de que este tipo de fenômeno transcendente às vezes é vivido em
alguns grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças na vida de
alguns participantes. Um deles colocou de forma eloqüente: "Acho que vivi
uma experiência espiritual profunda, senti que havia uma comunhão espiritual
no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até falamos uns pelos
outros. Senti o poder de força vital que anima cada um de nós, não importa o
que isso seja. Senti sua presença sem as barreiras usuais do 'eu' e do
'você' - foi como uma experiência de meditação, quando me sinto como um
centro de consciência, como parte de uma consciência mais ampla, universal.
(Rogers, 1983a, pp. 47-48)
De certa forma, Rogers parecia estar indicando que a ACP por ele elaborada,
junto com seus colaboradores, estaria se desenvolvendo ao ponto de incluir
as dimensões transpessoais em seu arcabouço teórico, mas a sua morte o
impediu de levar adiante seus insights:
Tenho a certeza de que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam com
o transcendente, o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que eu,
como muitos outros, tenho subestimado a importância da dimensão espiritual
ou mística (Rogers, 1983a, p. 53).
Características de uma nova Psicologia
A nova psicologia que surge, apoiada nuca concepção holística e sistêmica,
considera o organismo humano como um todo integrado que envolve padrões
físicos, mentais, sociais e espirituais. Assim, a base conceitual da
Psicologia dever ser compatível tanto com a da Biologia quanto da
Sociologia,Antropologia e Filosofia. No modelo acadêmico moderno, a
estrutura voltada à especialização do conhecimento tornou muito difícil a
comunicação entre as disciplinas, e entre biólogos e psicólogos o
entendimento era muito sofrido. E pior era a comunicação, cheia de medos e
ressentimentos, entre psicólogos e médicos. Mas a abordagem sistêmica
fornece um terreno propício para a compreensão das manifestações
psicossomática do organismo na saúde e na doença, permitindo um intercâmbio,
desde que se queira, entre biomédicos e psicólogos.
O foco
central da psicologia está tendendo a se transferir das estruturas
psicológicas para os processos relacionais subjacentes. A psique humana é
vista como um sistema dinâmico que envolve uma variedade de fenômenos
ligados à auto-atualização e crescimento contínuos. Assim, a psique teria um
tipo de inteligência intríseca que a habilita a envolver-se a tal ponto com
o meio, que este processo pode levar não só a uma doença, mas também ao
processo de cura e crescimento, como a concepção de autortranscendência da
teoria dos sistemas.
O Espectro da Consciência
Um dos
sistemas didáticos, em psicologia, que procura integrar os diferentes
insights das várias escolas psicoterapêuticas do ocidente entre si, e estas
com as várias abordagens orientais, é a Psicologia do Espectro, proposta por
Ken Wilber, como um modelo da compreensão transpessoal das diferenças entre
psicoterapias. Nele, cada uma das diferentes escolas é vista como uma faixa
que se dedica a um aspecto específico do total a que se pode apresentar a
consciência humana. Cada uma dessas escolas aponta para um estado de
consciência que se caracteriza por possuir um diferente senso de identidade,
indo da pequena identidade restrita ao ego até à suprema identidade com todo
o universo, que é o nível extremo da consciência transpessoal. Este espectro
pode ser entendido a partir de qutro níveis: o do ego, o biossocial, o
existencial e o transpessal.
No nível do
ego, a pessoa não se indentifica, a rigor, com o seu organismo, mas com uma
representação mental, ou com um conceito do mesmo, como uma auto-imagem
construida, ou egóica. É, pois, um problema de identificação com um modelo
que a pessoa aceita, num investimento, como sendo seu "eu". Existe - para
ela - um "eu" que é diferente e independente de tudo e de todos. A pessoa
não se interessa muito em cultivar relações interpessoas sem que haja uma
vantagem específica para o ego, e muito menos se preocupa com aspectos
ecológicos ou sociais.
O nível biossocial já envolve a consciência e a preocupação com o nível e
com os aspectos do ambiente social da pessoa. A influência preponderante é a
de padrões culturais e sociais. A pessoa sente como fazendo parte - e tendo
alguma responsabilidade - pelo seu meio-ambiente social e natural.
O Nível
existencial é o nível do organismo total, caracterizado por um senso de
identidade corpo/mente auto-organizador. É o nível dos ideais humanistas e
do pensamento mais sofisiticado, em termos de filosofia de vida. Emoção e
rezão estão mais ou menos associadas para o crescimento e o desenvolvimento
das potencialidades do homem, desde que os meios sejam razoavelmente
propícios. Quando não, ainda assim a pessoa luta para se auto-atualizar e a
ajudar seus semelhates. Alto grau de desenvolvimento moral é frequentemente
associado a este estágio.
O nível
transpessoal é o nível da expansão da consciência para além das fronteiras
do ego, correspondendo a um senso de indentidade mais amplo. Elas podem
encolver percepções do meio ambiente, onde tudo está, de uma forma sutil mas
muito presente, ligado - de forma NÃO LINEAR - a tudo. É o nível do
inconsciente coletivo e dos fenômenos que lhe estão associados, tal como
descritos por Jung e seguidores. É também neste nível de percepção que podem
- mas não necessariamente ocorrem ou são regra geral próprias de uma
percepção transpessoal - surgir, como eventos secundários, certos fenômenos
parpsicológicos, como telepatia, precognição ou - o que não tipifica um
fenômeno parapsicológico, mas sim psicológico - lembranças de vidas
passadas. É uma forma extremamente sofisticada e não oprdinária de
consciência em que a pessoa não aceita mais a crença uma separação rígida
entre ela e todo o universo, a não ser como uma forma de atuar praticamente
sobre o meio em que vive com outras pessoas. Essa forma de consciência
transcende,e muito, o raciocíonio lógico concvencional, e aproxima-se das
assim chamadas experiências místicas. E é este estado que é objeto mais
íntimo de estudo da Psicologia Transpessoal.
Enfim, para
terminar, é preciso definir o relacionamento entre a prática da psicologia
transpessoal e os enfoques tradicionais de psicoterapia. O que caraceteriza
um terapeuta transpessoal não é o seu conteúdo, mas o contexto. O conteúdo
é determinado pela relação terapêutica em si, entre cliente e terapeuta,
como bem o estabeleceu Carl Rogers. Um terapêuta transpessoal lida com os
problemas que emergem durante o processo terapêutico, incluindo
acontecimentos mundanos, fatos biográficos e problemas existenciais. O que
realmente define a orientação transpessoal é um modelo da psique humana que
reconhece a importância das dimensões espirituais e o potencial para a
evolução da consciência. O terapeuta transpessoal deve ser consciente do
espectro total e deve sempre acompanhar o cliente a novos campos
experienciais, quando há oportunidade, não importando qual o nível que o
processo terapêutico esteja focalizando.
Bibliografia Sugerida
Capra, Fritjof. - O
Ponto de Mutação, Editora Cultrix, São Paulo, 1986.
Grof, Stanislav. - Além
do Cérebro, Editora McGraw-Hill, São Paulo, 1988.
Fadiman, J. & Frager, R.-
Teorias da Personalidade, Editora Harbra, São Paulo, 1986.
Maslow, Abraham. - El
hombre Autorealizado, Editora Kairós, Barcelona, 1990.
Rogers, Carl R. - Um
Jeito de Ser, Editora EPU, São Paulo, 1983.
Rogers, Carl R e outros.-
Em Busca de Vida: Da Terapia Centrada no Cliente à Abordagem Centrada
na Pessoa. Summus Editorial, São Paulo, 1983.
Walsh, R. & Vaughan, F.-
Além do Ego: Dimensões Transpessoais em Psicologia, Editora
Cultrix, São Paulo, 1991.