Home      Contato      Livro de Visitas      Links

 
 
Filosofia:
Autoconhecimento
Filósofos
Pensamentos

Psicologia:
Relacionamento
Dificuldades
Psicoterapia
Diversos
Mitologia Grega
Sonhos
Psicólogos e Linhas

Exercícios:
Com Imagem

Áreas Unidas:
Psicologia e Filosofia
 

A Psicologia de Aristóteles

Por: Eraldo Paulli

346. Introdução à psicologia de Aristóteles. Como até então ninguém havia feito, realizou Aristóteles uma investigação exaustiva em torno do problema da alma e da vida em geral.
Neste esforço está consciente do método, subordinando-se a um esquema ordenado e progressivo. Mesmo quando algumas questões são antecipadas didaticamente, a lógica interna do procedimento raciocinativo é respeitada.
 
A primeira preocupação de Aristóteles foi determinar se a alma é algo de substancial ou simplesmente uma determinação acidental do corpo em que se diz encontrar:
"Sem dúvida, é necessário de início determinar a que gênero pertence a alma e o que ela é: eu quero dizer, se ela é uma coisa individual e uma substância, ou uma qualidade, ou uma quantidade, ou ainda qualquer outra das categorias que temos distinguido" (Da alma, 402a 22-25).
 
347. Examinada detalhadamente a questão da natureza da alma, passou Aristóteles a um acurado estudo das faculdades, que, como acidentais, formam questão posterior à da natureza fundamental.
Comparado a autores anteriores, o estudo das faculdades como o realizou Aristóteles é muito mais ordenado e sistematicamente mais progressivo.
Não escapou também à sutileza de Aristóteles, se devia iniciar o estudo pelas partes (da alma) ou por suas funções: se, por exemplo, é pelo ato do intelecto ou pelo intelecto, pelo se sentir ou pela faculdade sensitiva (Da alma, 402b 13).
 
Efetivamente, para Aristóteles existe uma ordem lógica e outra ontológica. Para ele ontologicamente a substância da alma é anterior às suas faculdades; por sua vez as faculdades enquanto princípios potenciais acidentais, são anteriores ao seu ato.
Entretanto, pela ordem lógica, conhecemos todas estas coisas, por uma sequência inversa. É o ato que nos leva ao conhecimento da faculdade, e são as faculdades que nos conduzem ao conhecimento da substância mesma da alma.
Vale aqui, como em toda a filosofia de Aristóteles, o princípio, de que não se conhece diretamente a potência, porém o ato, como também que não se conhece diretamente a substância, mas os acidentes e propriedades que a determinam. A potência é indeterminada, o ato é determinado. Por isso, só podemos conhecer a potência cognoscitiva através dos seus atos. E a própria potência cognoscitiva, que no homem é uma propriedade, conhece primeiramente a si mesma, e, por seu através, a alma substancial.
Por conseguinte, para Aristóteles, a psicologia não se define como o estudo da alma. O ponto de partida é o dado concreto do psiquismo. A partir destes se encaminham conclusões, das quais uma é a alma.
 
Temas em destaque, para serem examinhados:
A alma como forma substancial do corpo (vd 0485y 349);
Organicidade e espiritualidade da alma (vd 0485y357);
Especificidade do vegetativo, sensitivo, racional (vd 0485y362);
Da inteligência em particular (vd 0485y367);
Origem e imortalidade da alma (vd 0485y376);
Dos sentidos em particular (vd 0485y );
Vontade e liberdade (vd 0485y380);
Dos estados de alma ou da afetividade (vd 0485y385).
 
I - A alma como forma substancial do corpo. 0485y349.
 
350. A teoria da matéria e forma (no plano da filosofia natural), ato e potência (no da metafísica), sugeriu a Aristóteles uma psicologia filosófica totalmente nova, como reflexo daqueles princípios gerais.
Entretanto esta aplicação a foi descobrindo aos poucos, para chegar a uma concepção acabada só nos últimos anos.
No tratado da Física é ainda platônico em algumas teses, retratando-se no tratado Da alma (A,DÂ RLPZH); neste a alma é vista pela primeira vez como forma do corpo.
Na mocidade expunha o dualismo platônico, que já vinha de mais longe e se prendia ao orfismo. A união meramente extrínseca criava reais dificuldades, e que não escapavam certamente à investigação arguta de Aristóteles. Substituiu então o dualismo antagônico de Platão por uma colaboração mútua. Depois ainda apresenta a alma como força vital, com sede simultânea em todo o corpo; isto já representava grande evolução, mas ainda não destrói o dualismo das substâncias. Na Física (254b 28) a alma é ainda como o piloto no navio.
Surge enfim, no tratado Da alma, a solução que fez a união substancial de corpo e alma consistir em atribuir ao corpo a função de matéria determinável e à alma a de forma determinante, ambas no mesmo gênero substancial.
Rompendo com todas as doutrinas psicológicas até então existentes, criou Aristóteles rumos inteiramente novos e que fundamentarão toda a psicologia escolástica. Se os modernos, como Descartes e Leibniz, abandonaram novamente a posição aristotélica pela reintrodução da dualidade de substâncias, alma e corpo, não foi senão para recaírem nas velhas dificuldades referentes à união de substâncias opostas e independentes.
Entretanto, os filósofos cristãos patrísticos, influenciados ainda pelos platônicos, debatem-se nas dificuldades do velho dualismo.
 
De outra parte, Aristóteles, diminuindo embora a distância entre o corpo e a alma, admitiu contudo ainda com muita facilidade o dualismo. Considerou que o corpo não era capaz de exercer as funções psíquicas. Ora, com isso fez-se depender de uma definição de corpo, cuja natureza não conhecia suficientemente.
Ainda hoje se continua a perguntar em que consiste um corpo, e não se sabe efetivamente se funções físicas psíquicas são duas faces de uma só realidade no fundamento. Se o dualismo radical de Platão merecia reservas, também o dualismo de Aristóteles (corpo substancial e alma substancial) não se apresenta seguro, nem mesmo depois de interpretada a alma como forma do corpo.
 

351. A teoria aristotélica da alma-forma é sugerida a primeira vez no inicio do tratado Da alma ao criticar a noção de alma-movimento:
"Eis ainda ali uma absurdidade trazida por esta doutrina e pela maior parte daqueles que tratam da alma: é que eles unem e situam a alma no corpo, sem precisar em nada a razão desta união, nem como o corpo se comporta.
Todavia, pode parecer que uma tal explicação seja indispensável, porque é em virtude de sua comunidade que um age e o outro padece, que um é movido e o outro move; e nenhuma destas relações recíprocas pertence à coisas tomadas ao azar.
Ora, estes filósofos se esforçam somente em explicar a natureza da alma, mas, no que concerne ao corpo que a recebe, não apresentam nenhuma determinação suplementar" (Da alma, 407b 14-22).
 
No segundo livro passa a tratar positivamente de sua teoria da alma como forma. Para este fim, define preliminarmente a substância (@ÛF\"); estabelece aqui estranhamente uma noção muito elástica; a ousia, que significa propriamente substância, designa ora a matéria, ora a substância formal (essência, quididade), ora o composto concreto de matéria e forma (Fb<@8@<). Dali parte para esclarecer seu novo ponto de vista da alma-forma:
"Dizemos que um dos gêneros do ser é a substância; ora a substância é, em primeiro lugar, a matéria, isto é, aquilo que, por si, não é uma coisa determinada; num segundo sentido, é a figura e a forma, segundo a qual a matéria é chamada um ser determinado; e, em um terceiro sentido, é a composição da matéria e da forma.
Ora, a matéria é potência, e a forma, enteléqueia; esta se diz de dois modos: enteléquia como ciência, ou exercício da ciência.
Mas o que a opinião comum reconhece, acima de tudo, como substâncias, são os corpos, e dentre estes os corpos naturais, porque estes últimos são princípios dos outros.
Dos corpos naturais, uns tem a vida e os outros não: e por vida nós entendemos o fato de se alimentar, de crescer, e de perecer por si mesmo. Dali resulta que todo o corpo natural que participe da vida será substância, porém substância composta.
E porque se trata, além disto, de um corpo de certa qualidade, isto é, dum corpo possuindo a vida, o corpo não será idêntico à alma, porque o corpo animado não é um atributo de um sujeito, mas é ele antes substrato e matéria.
Por conseguinte, a alma é necessariamente substância, neste sentido é que ela é a forma de um corpo natural que tem a vida em potência. Mas a substância formal é enteléqueia; a alma é, pois, enteléqueia de uma substância desta natureza" (Da alma, II, 1 412a 5-22).
 
352. Acentuou desde logo o Estagirita que a forma da alma é substancial, portanto forma primeira. Define-se, pois, a alma:
pelo sujeito próprio, o ato primeiro (isto é, substancial) do corpo físico orgânico (isto é, vivente);
pelo efeito formal primeiro, aquilo em virtude de que em última instância (primo) vivemos (princípio da vida vegetativa), sentimos (princípio da vida sensitiva), inteligimos (princípio da vida inteletiva).
 
A formulação acima é escolástica, calcada, porém, em Aristóteles, como se depreende de seus memos textos:
"A alma é uma enteléqueia primeira dum corpo natural, tendo a vida em potência, isto é, um corpo organizado" (Da alma, 412a 28).
"Se, pois, o que procuramos formular é uma definição geral aplicável a toda a espécie de alma, diremos que a alma é enteléqueia primeira dum corpo natural organizado (Da alma, 412b 3-5).
"Temos pois, definido, em termos gerais, o que é a alma: ela é uma substância no sentido de forma, isto é, de quididade dum corpo de qualidade determinada" (Da alma, 412b 10).
Não é, pois, a alma apenas uma função do corpo, como tantas outras funções ao lado do movimento mecânico. Ela é uma outra substancia ao lado co corpo, ainda que se posicionando como uma de suas formas.
Mesmo as faculdades, como de conhecer e apetecer, ainda que sejam funções não constituem a alma; nela se situam e têm nela seu princípio.
 
353. Depois de estabelecer a alma como forma substancial e primeira (o que é determinar o gênero da definição de alma) envereda Aristóteles na direção da diferença específica do ser vivo; aliás também o corpo não vivo apresenta uma forma substancial, que é necessário distinguir da forma viva. Esta distinção fá-la quando a alma é apresentada como forma
"princípio de movimento e de repouso" (Da alma, 412b 18; cf. Física, 192b 20).
Indica-se ali qualquer coisa da especificidade desta forma chamada alma, que é a de ser princípio causador do movimento e do repouso. Generalizando, a alma é o princípio de todas aquelas funções que caracterizam o ser vivo.
Primeiramente, indicam-se funções vegetativas, que Aristóteles diz serem o nutrir-se, o crescer, o perecer:
"por vida entendemos o fato de alimentar, crescer e perecer por si mesmo" (Da alma, 412a 12).
São ainda funções do ser vivo todas aquelas outras faculdades dos planos superiores do animal e do racional.
 

354. A argumentação de Aristóteles em favor de sua teoria insiste na insuficiência das posições até então estabelecidas. Dali resultou um levantamento histórico das doutrinas sobre a alma e que nos tem servido hoje também para a mesma história da filosofia pré-aristotélica.
 
Distinguiu imediatamente Aristóteles que a alma é motor, mas não é ser em movimento como queria Demócrito. É o corpo que se move por obra da alma; nesta indicação temos o primeiro sinal da doutrina de matéria e forma, e que vem explicar o movimento.
A essência da alma não é também a de motor imóvel, embora ela seja tal motor.
Mas não pretendeu Aristóteles, que a natureza fundamental da alma consista em ser substância motora; mover seria apenas uma de suas funções:
"Alguns entre eles (os predecessores), dizem que a alma é por excelência e primordialmente o motor. E, dentro do pensamento que o que em si mesmo não é incapaz de mover uma outra coisa, creram que a alma pertence à classe das coisas em movimento. Dali vem que Demócrito assegura que a alma é uma espécie de fogo e de calor" (403b 29 - 404a 1).
"Parece também que Tales pensou que a alma é uma força motriz, se é verdade que ele pretendeu que a pedra do imã possui alma porque ela atrai o ferro" (404 a 19).
 
De modo semelhante recrimina a Heráclito por ter estabelecido
"que este princípio (a alma) ... está em fluxo perpétuo; que, de outra parte, o movido é conhecido pelo movido, porque, para ele, como para a maior parte dos filósofos, todos os seres estão em movimento" (405a 27- 28).
Distingue o movimento por participação, por meio de outro, como o do marinheiro parado, que, contudo se move porque o navio anda (deste tipo seria o movimento da alma, no entender de Aristóteles) e o movimento em si mesmo, como o do navio, ou o do corpo humano que marcha com seus próprios pés (Da alma, 406a 4-10).
 

355. Sede da alma. Embora seja a forma de todo o corpo, tem contudo, segundo Aristóteles, uma sede, a qual seria uma substância orgânica especial, que chamou calor vital (2,D:`<) ou sopro vital (B<,Ø:").
Semelhante ao éter, encontra-se esta alma, nos animais, principalmente no sangue.
Neste particular coincidia Aristóteles com as doutrinas da escola de Hipócrates (460-377aC), cuja anatomia e fisiologia eram relativamente bem desenvolvidas. Tais doutrinas punham a causa da vida no calor natural (§ :NLJ@< 2,D:`<), sendo portadora da mesma da mesma certo sopro (B<,Ø:") que se movia nas veias; ali podemos ver um pressentimento do oxigênio.
Nascem destas doutrinas a teoria dos espíritos animais, de que falarão os filósofos e fisiólogos posteriores.
 
II – Organicidade e espiritualidade. 0485y357.
 
358. A teoria de matéria e forma, aplicada ao ser vivo, favorece a explicação do porque umas faculdades são orgânicas em suas funções e outras tipicamente espirituais. E sugere mesmo distinguir entre alma material e alma espiritual.
A vista é uma faculdade orgânica porque sua forma se exerce em conjunção com a matéria que informa; enquanto forma, é incorpórea; enquanto se exerce em conjunção com a matéria que faz o olho, é orgânica.
A faculdade cujas funções não envolvem diretamente a matéria será dita espiritual. É o que pretende Aristóteles afirma da inteligência e vontade.
Ocorre dizer que, em virtude de sua composição orgânica de matéria corpórea e forma, não poderão tais faculdades sensíveis exercer-se em separado do corpo, morto este. Dependendo de uma composição, desaparece o exercício ao desfazer-se esta; assim, destruído o olho, cessa a vista.
Mas, não dependendo as faculdades anorgânicas, como a inteligência e a vontade, de um composição com a matéria, é possível concebê-las em separado do corpo. Mas, as faculdades orgânicas, embora cessem como orgânicas, ao morrer o corpo, permanecem virtualmente na alma, podendo reaparecer no caso de uma retomada do mesmo.
 
359. O que foi dito das faculdades, pode ser levado ao mesmo plano da substância. Então poderíamos conceber uma alma totalmente mergulhada na matéria, de maneira a ser exclusivamente forma do corpo, como o qual estabelece uma unidade orgânica; é o que se diz do princípio vital das plantas e dos brutos.
Seria um espírito separado, aquela forma substancial que estivesse inteiramente desligada do corpo; tal afirmam os teólogos escolásticos a respeito dos anjos
Quanto a alma humana seria ela uma forma unida ao corpo, não apenas por obra da organicidade das faculdade vegetativas e sensitivas, mas também em virtude da mesma forma substancial. A união, em sendo substancial, provoca a unidade intrínseca, de tal maneira a resultar num só ser, embora composto.
Mas, far-se-ia dita união em toda a linha? Enquanto princípio substancial das potências vegetativas, certamente que sim. A alma, enquanto, princípio de faculdades inorgânicas, como da inteligência e vontade, não poderá ter sido convertida em forma da matéria corpórea. É, portanto, a alma, como já dissemos de suas faculdade inorgânicas, suscetível de subsistir em separado, morto e afastado o corpo.
Nem por isso haveria duas almas, porque é a mesma alma que é princípio das funções orgânicas e inorgânicas. Embora, ao passar-se ao estudo de forma separada, não exerça suas funções de forma da matéria corpórea, continua como princípio virtualmente capaz de as exercer.
 
360. É ainda em função à teoria de matéria e forma que se consegue explicar de como a alma dos vegetais e dos brutos é incorpórea por essência, sem deixar de ser da mesma ordem da matéria. Tais almas seriam essencialmente orgânicas, isto é, formas substanciais que são capazes de existir tão só enquanto informam matéria. Por conseguinte as formas vegetativas e sensitivas não são algo que existe por si, ou que continue a subsistir após a destruição do organismo.
Tal doutrina se opõe, portanto, desde a base às concepções de migração das almas através das plantas, animais, até alcançarem o homem. O princípio vital de uma planta seria somente aquela forma substancial realizada em tal matéria, sem possibilidade metafísica de se transpor sem antes perecer. E nem poderia um tal princípio conter senão virtualidades próprias ao princípio vegetativo; por isso seria gratuito atribuir-lhe caracteres que somente poderiam ocorrer em almas de seres superiores. Também as faculdades vegetativas e sensitivas são matérias do mesmo sentido da alma respectiva a que pertencem; exercem-se em conjunto com a matéria.
De acordo com a teoria supra, não haveria possibilidade de evoluir da planta ao estado animal, nem do estado animal ao do homem. Os escolásticos modernos, ao conservarem a doutrina de Aristóteles sobre a diferença específica a separar plantas, animais e seres humanos, não podiam por isso admitir uma evolução natural; admitindo o fato da evolução, ela deveria contudo intercalar uma intervenção exterior (dita, geralmente, divina, seja divino-natural, seja divino-sobrenatural).
Entretanto, em virtude de não se conhecer suficientemente, nem a matéria corporal, nem a visa vegetal, nem a vida psíquica, pode-se duvidar da segurança da argumentação aristotélica no que se refere à adoção de tantas diferenças específicas. Não somente deveria melhor excluir dos corpos potencialidades latentes, como também excluir das plantas e dos animais potencialidades latentes de vida psíquica não despertada, e que somente em casos especiais despertaria.
De outra parte, qualquer seja a solução dada, as funções continuam distintas; a mecânica (do movimento) se distingue da vegetativa, esta da psíquica; que por sua vez sensitiva distinta da inteletiva.
 
 

III – Especificidade do vegetativo, sensitivo, racional. 0485y362.
 
 
363. Foi sempre doutrina aceita, que na alma ocorrem três grupos de funções, e que Aristóteles retoma, e que são ditas alma vegetativa (JÎ 2D,BJ46`<), alma sensível (JÎ "ÆF20J46`<), alma racional (JÎ *4"<@0J6`<).
Até que ponto Aristóteles admitia estas diferenciações?
Dentro do mesmo indivíduo não ocorrem três almas, porque uma só reúne as funções das três almas. Todavia, elas diferem especificamente, quando se trata das almas da planta, do animal, do ser humano.
A diferença entre planta, animal e homem não somente ocorre pela diferença de faculdades, mas acontece em virtude de uma especificidade que vem desde a natureza substancial mesma. Assim, o mesmo princípio vital da planta é uma "alma" substancialmente inferior a "alma sensível", esta por sua vez inferior a alma racional.
No caso do animal, pois, a diferença sobre a planta não se faz pelo simples acréscimo de faculdades cognitivas sensíveis; nem se trata de alma que se sobrepõem. É a mesma alma sensível, que, por ser superior, é capaz de conter conjuntamente potências vegetativas e sensíveis.
Assim também, a alma humana exerce as potências racionais, com as sensíveis e vegetativas; mesmo separada do corpo, por causa da morte, continua mantendo sua potencialidade para o sensível e o vegetativo. Neste particular a doutrina de Aristóteles se diferencia da de Platão, porque este separava no mesmo indivíduo humano três almas, cada uma respectivamente com funções racionais, vegetativas e apetitivas.
 
O escalonamento das categorias de alma, sem que haja multiplicação de almas, vem implicado no seguinte texto de Aristóteles:
"O termo vida recebe muitas acepções, e é suficiente que uma só entre elas se encontre realizada em um sujeito para que nós digamos que ele vive: que seja, por exemplo o intelecto, a sensação, o movimento e o repouso segundo o lugar, ou ainda o movimento da nutrição, do decrescimento ou crescimento" (Da alma, 413a 20-25).
Adiante, novamente sugere que se trata de escalonamento dentro da mesma alma, pois diz da alimentação:
"esta faculdade pode ser separada das outras, embora as outras não o possam dela, pelo menos nos seres mortais. O fato é manifesto nos vegetais, porque nenhuma das outras faculdades da alma lhe pertence (Da alma, 413a 31).
Ainda outro texto:
"Em alguns seres animados se encontram todas as faculdades enumeradas da alma, como referimos anteriormente; em outros só se encontram algumas, e há os que tem só uma.
As faculdades que nós enumeramos são as faculdades nutritiva, apetitiva, sensitiva, locomotriz e inteletiva. As plantas possuem somente a nutritiva; os outros seres possuem esta e, além disto, a faculdade sensitiva; e, se eles possuem a faculdade sensitiva, possuirão também a faculdade apetitiva, pois faz parte do desejo o apetite, a coragem, a vontade. Os animais possuem pelo menos um sentido, o do tato. No ser que possui sensibilidade, se encontra o prazer e a dor" (Da alma, 414b 5).
Quanto à inteligência, marca o terceiro plano: "A certos animais pertencem além disso a locomoção; outros tem a faculdade da razão e do intelecto, por exemplo o homem e todo o outro ser vivo, se é que existe, que seja duma natureza semelhante ou superior" (Da alma, 414b 15).
 
364. Não parece que Aristóteles tivesse a preocupação expressa de indicar a nota específica que separa o vegetativo do sensitivo; descreve ambos os grupos de potências como distintos, mas sem precisar o lado específico.
Neste particular foi Tomás de Aquino de uma precisão maior.
"Há certos seres que se movem a si mesmos, só quando à execução do movimento, sendo-lhes a forma pela qual agem e o fim pelo qual agem determinados pela natureza. Tais as plantas, que se movem a si mesmas, crescendo e perecendo, pela forma que lhes infundiu a natureza" (Suma theol. I, p. 18 a 3).
 
Adiantamos também logo que Tomás de Aquino diz especificidade dos sentidos e da inteligência. Nas faculdades sensitivas a especificidade consistiria em receber as formas da operação, mas à maneira sensível, sem liberdade:
"Outros (seres) além disso, movem-se a si mesmos, não somente segundo o movimento, mas também quanto à forma, princípio do movimento, com que a si próprios se movem. São os animais, de cujos movimentos é princípio uma forma, não infundida pela natureza, mas recebida pelos sentidos" (ibidem).
 
Quanto a vida racional:
"superiores a estes animais são os seres que se movem a si mesmos ao fim por eles próprios determinado. O que só podem fazer pela razão e pelo intelecto, ao qual pertence conhecer a proporção entre o fim e os meios e ordenar estes para aqueles" (Ibidem).
 

365. Entre o sensitivo e o inteletivo. Esclaresceu Aristóteles, que a manifestação principal do animal é a sensação ("ÇF20F4H) (Da alma, 413b 1) e que o sentido mais fundamental é do tato.
Pergunta-se qual é a especificidade mesma do sensível. Neste particular ocorre no Estagirita uma distinção genérica pela qual se distinguem todas as faculdades orgânicas (vegetativas e sensitivas) pelo seu conjunto com as inorgânicas; é que as orgânicas vêm em conjunção com a matéria, resultando dalí consideráveis limitações. Pelo contrário, o inteleto não é orgânico, embora opere o ser do corpóreo, como objeto adequado, e não o ser em geral.
 
Prova Aristóteles a organicidade das funções vegetativas e sensitivas, e a não organicidade da inteligência, mostrando o prejuízo de que as faculdades orgânicas sofrem, quando da apresentação inadequadamente intensa de um objeto; tal não ocorre com as faculdades inorgânicas, que, quanto mais recebem, mais se satisfazem.
"Que a impassibilidade da faculdade sensitiva e aquela da faculdade intelectual não se pareçam, é evidente, desde que se tenha em conta os órgãos sensoriais e o sentido.
Com efeito, o sentido, não é capaz de sentir após uma excitação de mais violência: por exemplo, não se pode sentir o som depois de sons intensos, ou ver e sentir cores e dores muito fortes.
Pelo contrário, o intelecto quando conhece algo muito inteligível não o apreende com menos vigor do que se se tratasse de objetos de inferior intensidade, senão com maior.
A sensibilidade não se exerce independentemente do corpo mas o intelecto é separável" (Da alma, 429a 30 ss).
Por tudo quanto foi citado é cert que Aristóteles distingue sensação e intelecção. Afirmou-o mesmo taxativamente:
"não há identidade da sensação e da inteligência" (Da alma, 427b 8).
 
 

IV - Da inteligência em particular. 0485y367.
 
368. A inteligência é, de acordo com Aristóteles, uma faculdade específica, por causa de sua função muito evidente, que é a de refletir (*4"<@,ÃF2"4).
Apresenta-se capaz de conhecer as formas absolutas, ou universais, que se encontram realizadas nos indivíduos concretos singulares, abstraindo-as destes.
Tudo começa plano sensível, onde o ser é intuído, como o ser da coisa sensível. Não é uma intuição sensível, como acontece na sensação, mas uma intuição inteligível do ser deste sensível.
 

369. Inteleto agente e inteleto passivo. Para que a inteligência capte as essências em si mesmas a partir dos seres sensíveis, importa uma capacidade de abstração, anterior à intelecção em si mesma.
Atento a este postulado, estabeleceu Aristóteles dois princípios na órbita da razão: uma para abstrair, que Alexandre de Afrodisias denominou intelecto agente (<@ØH B@40J46`H), e outro para efetivar a intelecção mesma, e que o referido comentador denominou respectivamente intelecto passivo (<@ØH B"20J46`H); embora usasse estas denominações uma só vez, elas se consagraram.
 
370. Conforma já se adiantou, é no intelecto passivo que se exerce a inteleção - porquanto o intelecto ativo apenas abstrai a forma, para fornecê-la sem o aspecto sensível. Esta forma puramente inteligível passa a imprimir-se no intelecto passivo, onde primeiramente é impressão e depois resulta em expressão cognoscitiva.
 
O intelecto primeiramente deve sofrer (padecer) a ação do inteligível; este primeiro resultado é a impressão. É neste sentido que o intelecto se encontra no gênero das potências passivas.
"Pensar consiste em padecer sob a ação do inteligível" (Da alma, 429 a 13). Está ali indicado que a inteligência tem um instante passivo, quando recebe a forma do objeto. Nisto a faculdade da inteligência coincide ainda com a potência cognitiva sensível, que também é passiva em relação à forma do objeto.
 
Sob outro ponto de vista, porém, este mesmo intelecto passivo vai comportar-se de maneira ativa, porque, ao receber a impressão da forma, a recebe objetivamente, isto é, do outro como outro, o que Aristóteles diz ser a parte impassível da alma.
 
"É necessário que esta parte da alma seja impassível, capaz de receber a forma" (Da alma, 413a 15).
O impassível, neste texto, se entende de maneira a não alterar as formas que apreende, isto é, de não receber as formas de modo subjetivo, mas objetivo, mantida sua original alteridade.
 
Por isso, basta receber a forma como forma de outro, para que, - uma vez provocada a relação intencional, - exercer-se com isso o ato cognitivo, isto é, a expressão.
Tomás de Aquino esclarecerá com mais detalhes o caráter de alteridade (de outro enquanto outro) que a forma deve manter na mente.
 
371. Insiste Aristóteles na natureza potencial do intelecto passivo:
"pensando todas as coisas, o intelecto deve necessariamente ser sem mistura, como diz Anaxágoras, a fim de comandar, isto é, conhecer; porque, mostrando sua própria forma ao lado da forma estranha, ele poria obstáculos a esta última e se oporia a sua realização.
Dali resulta que ele não tem outra natureza própria, que aquela de estar em potência.
Assim, esta parte da alma, que chamamos intelecto (entendo por intelecto aquilo por que a alma pensa e concebe), não é em ato nenhuma realidade antes de pensar" (Da alma, 429a 18 - 24).
 
No texto a expressão o intelecto deve ser necessariamente sem mistura (•:4(ZH), não tem o sentido de sem mistura com a matéria; na verdade, em Aristóteles, o intelecto não tem mistura com a matéria, não é portanto faculdade orgânica. Mas significa sem mistura com outras formas com que fosse dotado, ou que ocorressem, porque estas formas, dando à potência uma atualização prévia, poriam obstáculo à recepção da forma inteligível ainda a ser alcançada.
Quer, pois, Aristóteles dizer, que a potência há de ser estritamente potencial, a fim de efetivamente poder conhecer as novas formas.
Não procede, portanto, a interpretação de Philippon, Tomás de Aquino e de outros escolásticos, que subentendiam o termo no sentido de sem mistura de matéria (•:4(ZH J­H à80H). Também discorda Hicks, que se refere ao caráter do nous (<@ØH) de Anaxágoras e que não permitiria tal interpretação do texto, preferindo então entender "sem mistura com as realidades inteligíveis".
 
Quanto à inorganicidade ou sem mistura do intelecto passivo com a matéria, vem ela indicada logo adiante; ela explica teoricamente, porque é possível a uma potência receber o objeto como outro (alteridade) sem absorvê-lo na sua própria subjetividade
"Por esta razão, também, não é razoável admitir que o intelecto esteja misturado com o corpo, porque então ele se determinaria como uma qualidade qualquer, ou o frio, ou o quente, ou mesmo possuiria qualquer órgão, como a faculdade sensitiva, o que efetivamente não ocorre " (Da alma, 429a 25).
 
372. Começa aqui, com o estabelecimento da inorganicidade, a diferenciação específica, com o conhecimento sensível. Esta inorganicidade traz ao intelecto a capacidade de conhecer à maneira abstrata e universal, bem como de reflexionar e progredir discursivamente por meio da demonstração.
Escreveu Aristóteles sobre o característico modo de se processar a inteleção:
"Uma vez que o intelecto se tem convertido em cada um dos inteligíveis, no sentido em que se diz sábio aquele que o é em ato (o que acontece quando o sábio é ele mesmo capaz de passar ao ato) mesmo então está ainda em potência de certo modo; entretanto, não o é da mesma maneira do que antes de o ter apreendido ou de ter achado; ele é também então capaz de se pensar a si mesmo" (Da alma, 429a 30 - 429b 5).
Portanto, o intelecto, se converte de certo modo em todos os seres, porque está em potência para qualquer um deles, isto é, está em condição para conhecer indiferentemente ou este ou aquele; a raiz desta capacidade é sua potencialidade e inorganicidade.
 
Mesmo depois de passar ao ato, o intelecto continua em potência de certo modo, porque a passagem ao ato não destrói a potência. Quando em ato subsistem os dois princípios simultaneamente. No início era apenas a potência; depois é potência e ato, sendo que a potência se encontra agora em estado atualizado. Pode o ato ser substituído por novo ato, e assim novo conhecimento se faz suceder ao anterior.
 
Ocorre ainda a especial circunstância, que é específica da potência racional, de que esta potência, enquanto se atualiza no conhecimento de um objeto, pode também refletir sobre seu ato e conhecer-se assim a si mesma.
 

373. A prova do inteleto agente. Recorreu Aristóteles à hipótese do intelecto agente como princípio necessário e prévio para o exercício da mesma intelecção. Em última instância, trata-se de uma aplicação particular do princípio da proporção entre causa e efeito.
Se a inteligência é espiritual (sem matéria) não poderia sobre ela atuar um objeto sensível (material). Para que ocorra a impressão de uma forma sobre a inteligência, esta forma deverá previamente ser abstraída de sua matéria; uma vez sem matéria, passa a ter a condição de causa proporcional para agir sobre a inteligência, criando nela a impressão inteligível.
 
Tem, pois, o intelecto agente a função preliminar de tornar o objeto concreto um objeto inteligível ao intelecto passivo. Embebido na matéria singularizante, o objeto concreto contém o inteligível apenas em potência. A essência universal e absoluta encontra-se no concreto material, como a estátua ideal no mármore bruto; esta ali se encontra em potência e não se extrae senão sob a ação do artista.
Ora, a inteligência humana, enquanto inteligência, também é apenas potência; aliás, o intelecto passivo é esta inteligência puramente potencial. Como potência, não age. Consequentemente, se o objeto sensível não lhe vem preparado adequadamente não poderá inteligí-lo. Um trabalho preliminar terá de ser realizado. Exige-se um intelecto agente que atue como princípio em ato e extraia a essência inteligível, que se encontra em potência no ser bruto. Feito isto, o inteligível, já agora ato, atuará sobre o intelecto passivo, fazendo-o passar também para o ato.
 
374. Discute-se até que ponto se unem ou se distinguem os dois inteletos, o agente e o paciente. Não se trata de duas almas, porém de duas faculdades da mesma alma substancial.
Ambas as faculdades, - agente e paciente, - se situam no plano inorgânico. Aliás, a tendência de Aristóteles é de unificar as almas que Platão tripartirá. Por isso, embora não tenha dito expressamente que o intelecto agente e paciente coincidem na mesma substância, a propensão do seu sistema conduziu a isto, sobretudo na escolástica latina.
Conforme o rumo dado às interpretações sobre os dois inteletos, vemos tornarem-se rumos relativamente mui divergentes. Alexandre Afrodísio (entre 2-o e 3-o sec.) interpretou o intelecto possível de maneira naturalista.
Dali resultaram as alexandrinistas, da Renascença, comandados por Pedro Pomponazzi (1462-1524), que nega a imortalidade da alma. Outro grupo, com base em Averróis (1126-1198), se desenvolverá com Siger de Brabant (c.12235-1284), afiançando a imortalidade e universalidade do intelecto agente.
 
Alguns historiadores mais recentes, quiseram ver na questão dos dois inteletos – agente e paciente, - um tema não bem desenvolvido por Aristóteles e até contraditório.
P. Bokownew (Der <@ØH B"20J46`H bei Arist., Arch. 22, 1909, pags. 493, cit. por Windelband) considera os dois inteletos uma tentativa malograda de combinar o racionalismo e o empirismo.
"Seja como for, opina Windelband, o <@ØH B"20J46`H não foi um conceito afortunado do Estagirita; em todo o caso não resultou fecundo" (H. da fil. ant., nr 42, nota 184 pag. 300).
 
 

V - Origem e imortalidade da alma espiritual. 0485y376.
 
377. Opinou Aristóteles que a alma inferior é transmitida por geração, do pai para o filho (generacianismo). Mas o intelecto ativo seria de origem divina, e viria de fora, como que pela porta (2bD"20<) (cf. De gen.anim. 736b 27).
O aspecto da expressão parece levar a uma origem da alma, como vinda de fora, no sentido platônico, por conseguinte de uma alam que não foi criada e que não morreria com o corpo.
É certo que no pensamento de Aristóteles o intelecto (<@ØH) não nasce com o corpo, como as outras partes ou funções inferiores da alma; não se mescla com o corpo, conservando intata sua inorganicidade. Por isso, é, incapaz de sofrer (BVFP,4<) quer em vida quer na morte do corpo.
Isto quer dizer que a alma é forma do corpo enquanto princípio orgânico e sensível, mas não o é enquanto princípio racional.
"Uma vez separado não é ele (o intelecto agente) senão o que ele é essencialmente, e somente ele é imortal e eterno. Nós não nos recordamos, entretanto, porque ele é impassível, enquanto que o intelecto passivo é corruptível; e, sem o intelecto agente, ninguém pensa" (Da alma, 430 a 23 - 25).
Eis ali um texto que no sistema psicológico de Aristóteles decide muito e que se apresenta contudo bastante contravertido. Para Themistius e Simplicius, que são seguidos por Rodier (II, 465) e J.Tricot, queria Aristóteles afirmar que nós não conservamos após a morte a recordação da vida presente, porque o intelecto passivo, capaz de receber impressões, morre, e o intelecto ativo, de natureza impassível, não retém nenhuma impressão.
Para Trendelenburg e Biehl o texto significaria que na vida presente não conservamos recordação da anterior.
 
Quanto ao intelecto agente, seria ele mesmo imortal e eterno, e somente ele. Neste caso, o intelecto agente equivaleria à alma sempre subsistente como a havia concebido Platão; apenas o modo como ela assume o corpo é diferente, porquanto em Platão ela apenas convive com o corpo (como o piloto no navio), enquanto em Aristóteles ela se une como forma substancial do corpo em que se encontra.
 

VI - Dos sentidos em particular. 0485y380.
 
381. Ainda com referência aos sentidos, notemos que Aristóteles desenvolveu consideravelmente as investigações a propósito dos sentidos, quer dos externos, quer dos internos, como da imaginação e memória.
Possuem os sentidos externos, como objetos específicos irredutíveis, os sensíveis próprios, - a cor para os olhos, o som para os ouvidos, o sabor para o gosto, o odor para o olfato, a resistência para o tato
Os sentidos internos tratam dos objetos, enquanto já conhecidos pelos referidos sentidos externos; conhecem, portanto, os sentidos internos aos objetos através dos sentidos externos, aos quais operam, seja para criar suas imagens, seja para conservar a estas.
 

382. O sentido comum. Dentre os sentidos internos se destaca em primeiro lugar o sentido comum ("ÆF20JZD4@< 6"<`<) que tem como objeto o assim chamado sensível comum, que é aquele objeto que se presta a ser percebido por vários sentidos ao mesmo tempo como o movimento, que os olhos podem ver e o tato perceber.
Para perceber tais sensíveis não há orgão sensorial próprio, mas são percebidos por acidentes através dos sentidos próprios.
"Não é possível que exista um órgão sensorial especial para os sensíveis comuns, que nós percebemos assim, por acidente, por meio de cada sentido; tais são, o repouso, a figura, a grandeza, o número, a unidade.
Todas estas determinações, com efeito, as percebemos por meio de um movimento; assim, é por meio de um movimento que nós percebemos a grandeza, e, em seguida, também a figura, porque a figura é uma certa grandeza, a coisa em repouso, está-o por ausência do movimento; o número, é-o pela negação da continuidade e também pelos sensíveis próprios, porque cada sensação não tem senão um objeto. Resulta dali evidente que é impossível que haja um sentido especial para cada um desses sensíveis comuns" (Da alma, 425a 15 - 20).
 
Segundo Aristóteles teria o sentido comum sede no coração e ainda a função de refletir de certo modo sobre os atos dos sentidos externos, de sorte a poder dizer que ele sente, ele vê, ele ouve... (Da alma, 425b 17).
É o que os escolásticos designaram consciência sensitiva, outra expressão para designar o sentido comum.
 

383. A imaginação, um sentido interno, foi investigada por Aristóteles em diversos dos seus detalhes e definida como formadora das imagens (N"<J"F\"4) dos objetos percebidos pelos sentidos externos e que já não se encontram presentes.
"É evidente que a imaginação não é a sensação... A sensação é sempre presente, ao passo que a imagem não... Além disto, as sensações são sempre verdadeiras, ao passo que as imagens, quase sempre, falsas" (Da alma 428a 5 - 15).
A memória ou recordação (:<Z:0) é a mesma imagem da imaginação, enquanto conservada e capaz de se reconhecer como representação de um objeto conhecido anteriormente.
As imagens da ;memória se mantêm unidas entre si, em uma sucessão tal, que se podem ir recordando umas após outras. Este fenômeno permite a recordação voluntária (•<V:<0F4H), de que Aristóteles se ocupou em opúsculo especial, Sobre a memória e a reminiscência (A,DÂ :<Z:0H 6"Â •<":<ZF,TH).
 
VII - Vontade e liberdade. 0485y385.
 
386. A distinção entre agir e fazer é uma constante na linguagem de Aristóteles.
A ação (BDV> 4H) é uma atividade imanente e seu efeito permanece no agente.
Diversamente, o fazer (B`40F4H) produz algo no exterior, como acontece na fabricação de utilidades e nas obras de arte (Etica a Nic., VI, 3 - 4. 1148 ss).
 
387. A liberdade é uma característica da vontade, sendo ainda condição da moral, principalmente da virtude.
A ação é livre quando o princípio geral da mesma está em nós, e não o é quando está em outro.
"Consideram-se involuntárias as ações praticadas sob compulsão ou por ignorância; um ato é forçado quando sua origem é externa ao agente, sendo tal a sua natureza, que o agente não contribui de forma alguma para o ato, mas ao contrário, é influenciado por ele - por exemplo, quando uma pessoa é arrastada a alguma parte pelo vento, ou por outra pessoa que a tem em seu poder. " (Ética a Nic., III, 1. 1109b).
 
Estende-se Aristóteles longamente sobre as ações mistas, onde se combinam desejos e contrariedades, mas em que contudo operam a deliberação e finalmente acontece um ato livre (Ibidem III, 1. 1110a ss).
 
O exame da natureza livre da vontade é feito por Aristóteles em vista da moral:
"A excelência moral se relaciona com as emoções e ações, e somente as emoções e ações voluntárias são louvadas e censuradas, enquanto as involuntárias são perdoadas, e às vezes inspiram piedade; logo, a distinção entre o voluntário parece necessária aos estudiosos da natureza da excelência moral, e será útil também aos legisladores com vistas à atribuição de honrarias e à aplicação de punições" (Ibidem III, 1. 1109b).
 

VIII - Dos estados de alma ou da afetividade. 0485y389.
 
390. Não situou Aristóteles os estados de alma, como uma faculdade. Após operarem e atingirem seus objetivos específicos, as faculdades entram num estado psíquico alcançado, que lhes pertence como uma determinação subsequente, a qual não é uma nova operação.
Diferentemente, e de futuro, Tetens e Kant, interpretarão os sentimentos como se fossem uma outra faculdade. Os escolásticos modernos, como já os medievais, mantiveram-se la linha aristotélica, ou seja, dos sentimentos como estados de alma, sobrevindos às faculdades ao exercerem suas operações.
 
391. Classificam-se amplamente os estados psíquicos, com contrastes, como prazer e dor.
Alguns sentimentos são de particular interesse, como o amor, a felicidade (vd 399), a esteticidade e, em conexão com esta, a sensação de catarse.

Voltar para Psicologia e Filosofia      -      Voltar para Pagina Inicial