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Sócrates
Por: Carlos Antonio Fragoso
Guimarães
Sócrates
nasceu em Atenas em 470/469 a. C. e morreu na mesma cidade em 399 a.C.,
condenado devido a uma acusação de "impiedade": ele foi acusado de ateísmo
e de corromper os jovens com a sua filosofia, mas, na realidade, estas
acusações encobriam ressentimentos profundos contra Sócrates por parte dos
poderosos da época. Ele era filho de um escultor, chamado Sofronisco, e de
uma parteira chamada Fenarete. Desde a juventude, Sócrates tinha o hábito
de debater e dialogar com as pessoas de sua cidade. Ao contrário de seus
predecessores, Sócrates não fundou uma escola, preferindo também realizar
seu trabalho em locais públicos (principalmente nas praças públicas e
ginásios), agindo de forma descontraída e descompromissada (pelo menos na
aparência), dialogando com todas as pessoas, o que fascinava jovens,
mulheres e políticos de sua época.
Segundo Reale & Antiseri (1990), depois de algum tempo seguindo os ensinos
dos naturalistas, Sócrates passou a sentir uma crescente insatisfação com
o legado desses filósofos, e passou a se concentrar na questão do que é
o homem - ou seja, do grau de conhecimento que o homem pode ter sobre o
próprio homem.
Enquanto os filósofos pré-Socráticos, chamados de naturalistas, procuravam
responder à questões do tipo: "O que é a natureza ou o fundamento último
das coisas?" Sócrates, por sua vez, procurava responder à questão: "O que
é a natureza ou a realidade última do homem?"
A resposta a que Sócrates chegou é a de que o homem é a sua alma -
psyché, por quanto é a sua alma que o distingue de qualquer outra
coisa, dando-lhe, em virtude de sua história, uma personalidade única. E
por psyché Sócrates entende nossa sede racional, inteligente e eticamente
operante, ou ainda, a consciência e a personalidade intelectual e moral.
Esta colocação de Sócrates acabou por exercer uma influência profunda em
toda a tradição européia posterior, até hoje.
Ensinar o homem a cuidar de sua própria alma seria a principal tarefa a
ser desempenhada por ele, Sócrates, e por todos os filósofos autênticos.
Sócrates acreditava vivamente ter recebido essa tarefa por Deus, como
podemos ler na Apologia de Sócrates, de Platão: "(...) é a ordem
de Deus. E estou persuadido de que não há para vós maior bem na cidade que
esta minha obediência a Deus. Na verdade, não é outra coisa o que faço
nestas minhas andanças a não ser persuadir a vós, jovens e velhos, de que
não deveis cuidar só do corpo, nem exclusivamente das riquezas, e nem de
qualquer outra coisa antes e mais fortemente que da alma, de modo que ela
se aperfeiçoe sempre, pois não é do acúmulo de riquezas que nasce a
virtude, mas do aperfeiçoamento da alma é que nascem as riquezas e tudo o
que mais importa ao homem e ao Estado."
Segundo Reale & Antiseri (1990), um dos raciocínios fundamentais feitos
por Sócrates para provar essa tese é o seguinte: uma coisa é o
instrumento que se usa e a outra é o sujeito que usa o
instrumento. Ora, o homem usa o seu corpo como instrumento, o que
significa que a essência humana utiliza o instrumento, que é o corpo, não
sendo, pois, o próprio corpo. Assim, à pergunta "o que é o homem?", não
seria lógico reponder que é o seu corpo, mas sim que é "aquilo que
se serve do corpo", que é a psyché, a alma. Esta mesma alma seria imortal
e fadada a reencarnar tantas vezes fosse necessárias até a alma se
aperfeiçoar de tal forma que não precisasse mais voltar a este planeta.
O "daimonion" socrático
Entre as
acusações contra Sócrates estava a de que ele estava introduzindo novos
daimonions, novas entidades divinas. Em sua Apologia, Sócrates
diz: "A razão (...) são aquelas acusações que muitas vezes e em diversas
circunstâncias ouvistes dizer, ou seja, que em mim se verifica algo de
divino ou demoníaco (...) uma voz que se faz ouvir dentro de mim
desde que eu era menino e que, quando se faz ouvir, sempre me detém de
fazer aquilo que é perigoso e que estou a ponto de fazer, mas que nunca me
exortou a fazer nada". Ou seja, o daimonion socrático era "uma voz" que
lhe vetava determinadas coisas, o que o salvou várias vezes de perigos e
experiências negativas (Reale & Antiseri, 1990, p. 95). Ela não lhe
revelava nada, apenas vetava algumas coisas que lhe eram perigosas.
O daimonion socrático é algo muito específico que diz respeito muito
particularmente à excepcional personalidade de Sócrates, colocando-se no
mesmo plano de um tipo de mediunismo que se fazia presente em certos
momentos de concentração muito intensa e em momentos de reflexão bastante
próximos aos arrebatamentos de êxtase em que Sócrates (assim como ocorria
com Buda, Plotino, Joana D'Arc, etc) mergulhava
algumas vezes e que duravam longamente, coisa da qual tanto Platão quanto
Xenofonte falam expressamente.
Jostein
Gaarder fala que as pessoas ainda hoje se perguntam por que Sócrates teve
de morrer. Então ele faz um paralelo entre Jesus e Sócrates: ambos eram
pessoas carismáticas e eram consideradas pessoas enigmáticas ainda em
vida. Nenhum dos dois deixou qualquer escrito, e precisamos confiar na
imagem e impressões que eles deixaram em seus discípulos e conteporâneos.
Ambos eram mestres da retórica e tinham tanta autoconfiança no que falavam
que podiam tanto arrebatar quanto irritar seus ouvintes. E ambos
acreditavam falar em nome de uma coisa que era maior do que eles mesmos.
Ambos desafiavam agudamente os que detinham o poder na sociedade,
apontando sem piedade as hipocrisias e falsos fundamentos em que se
assentavam para cometer toda sorte de abusos e injustiças. Foi isto que,
no fim, lhes custou a vida. Afinal, os que questionam são sempre perigosos
para os poderosos e pseudo-sábios de todas as épocas.
A maneira como Sócrates fazia as pessoas conhecerem-se a si mesmas também
estava ligada à sua descoberta de que o homem, em sua essência, é a sua
psyché. Em seu método, chamado de maiêutica, ele tendia a despojar
a pessoa da sua falsa ilusão do saber, fragilizando a sua vaidade e
permitindo, assim, que a pessoa estivesse mais livre de falsas crenças e
mais susceptível à extrair a verdade lógica que também estava dentro de
si. Sendo filho de uma parteira, Sócrates costumava comparar a sua
atividade com a de trazer ao mundo a verdade que há dentro de cada um.
Ele nada ensinava, apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas
opiniões próprias e limpas de falsos valores, pois o verdadeiro
conhecimento tem de vir de dentro, de acordo com a consciência, e que não
se pode obter expremendo-se os outros. Até mesmo na atividade de aprender
uma disciplina qualquer, o professor nada mais pode fazer que orientar e
esclarecer dúvidas, como um lapidador tira o excesso de entulho do
diamante, não fazendo o próprio diamante. O processo de aprender é um
processo interno, e tanto mais eficaz quanto maior for o interesse de
aprender. Só o conhecimento que vem de dentro é capaz de revelar o
verdadeiro discernimento. Em certo sentido, dizemos que quando uma pessoa
"toma juízo", ela simplesmente traz à consciência algo muito claro que já
estava "dentro" de si. Assim, as finalidades do diálogo socrático são a
catarse e a educação para o autoconhecimento. Dialogar com Sócrates era se
submeter a uma "lavagem da alma" e a uma prestação de contas da própria
vida. Como disse Platão: "quem quer que esteja próximo a Sócrates e, em
contato com ele, põe-se a raciocinar, qualquer que seja o assunto tratado,
é arrastado pelas espirais do diálogo e inevitavelmente é forçado a seguir
adiante, até que, surpreendentemente, ver-se a prestar contas de si mesmo
e do modo como vive, pensa e viveu".
Em seu método, ao iniciar uma conversa, Sócrates sempre adotava a posição
de uma pessoa ignorante, que apenas "sabe que nada sabe". E
justamente por usar esta afirmativa, ele forçava as pessoas a usarem a
razão. Ele entrava de tal forma na conversa, e de tal forma a dominava,
que era capaz de aparentar uma maior ignorância ou de mostrar-se mais tolo
do que realmente era. Seus discípulos mais fieis já sabiam que quando o
opositor caia nesta jogada, logo logo levaria um tombo tremendo quando o
quadro se invertesse. E esta era a principal técnica do método de
Sócrates: usar a ironia. Foi assim que le expos muito das fraquezas do
pensamento ateniense. Um encontro com Sócrates podia signifcar o risco de
expor-se ao ridículo. Mas as pessoas que passaram por isto e conseguiram
superar o choque do orgulho ferido, indo até o fim no processo cartático,
acabavam por extrair de si mesmo a resposta em tudo lógica e compatível
com os problemas expostos, dando-lhe a solução. O resultado é que o
indivíduo sentia uma verdadeira sensação de iluminação, de descoberta, de
der dado à luz algo de valioso que havia dentro de si, mas de que não
tinha a mínima consciência. Foi assim que Sócrates conquistou fervorosos
discípulos. Mas se a pessoa entregava-se ao orgulho ferido, tornava-se um
inimigo feroz. E esta foi a razão que lhe custou a vida.
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