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Labirinto do Minotauro e a Psicoterapia
Por: Maria Aparecida Diniz Bressani
Para falar sobre psicoterapia gostaria de, como uma boa psicóloga
junguiana que sou, usar de um mito grego para deixar o mais claro possível os
seus benefícios.
Um mito consegue, com sua narrativa simbólica, esclarecer uma
idéia de forma muito mais abrangente que muitos conceitos o conseguiriam.
Trata-se do mito do Labirinto do Minotauro.
Em Creta, uma ilha da Grécia, havia um Labirinto, que era um palácio. Lá estava
preso, em seu centro, um ser monstruoso, que era metade homem, metade touro, e
que só comia carne humana, chamado Minotauro.
Então, de nove em nove anos seu rei lançava sete moças e sete
rapazes no Labirinto para serem devorados. Eram moças e rapazes de Atenas, que
ao perderem uma guerra para Creta ficaram com esse tributo.
O rei e o povo de Atenas teriam que, então, pela terceira vez,
mandar seus jovens para serem devorados pelo Minotauro e já estavam indignados
com essa “dívida” que lhes parecia eterna e injusta.
Desta vez, foram Teseu, príncipe e herói de Atenas, e mais outros treze jovens
como pagamento deste tributo cruel para Creta. Teseu ofereceu-se para ir, pois
tinha uma missão: matar o monstro.
Chegando lá, Teseu conheceu Ariadne, filha do rei de Creta, que se apaixona por
ele. É Ariadne que o instrui como entrar e sai ileso do Labirinto.
Ele iria até o centro do Labirinto segurando a ponta de um fio,
mataria o monstro devorador e retornaria pelo mesmo caminho, seguindo o fio
desenrolado, até onde estaria ela, Ariadne, na outra ponta, do lado de fora.
E foi exatamente assim que aconteceu: Teseu entrou no Labirinto
com seus companheiros, matou o monstro e retornou para Ariadne, com quem fugiu
de Creta.
Através desta narrativa podemos perceber alguns elementos que nos ajudam a
entender a psique humana e como a psicoterapia pode ser benéfica e libertadora.
O próprio Labirinto pode ser usado como representando a psique
humana. Nosso cérebro até fisicamente parece um labirinto; mas, muito mais o é
nossa psique.
Levando-se em conta que há uma parte da nossa mente que nos é
inconsciente, onde há tantas curvas e cantos escuros e inalcançáveis, dos quais
nem temos idéia que existam dentro de nós, podemos imaginar, então, nosso
inconsciente como um labirinto.
É parte da natureza humana temer aquilo que não conhece.
Portanto, tememos o nosso próprio inconsciente. Acreditamos que lá habitam
monstros.
Mas é claro que nem sequer admitimos isto para nós mesmos, por
isso, vemo-los do lado de fora através das nossas simpatias e antipatias (para
dizer o mínimo) com relação aos outros, que a psicologia chamou de “projeção”.
Na psicoterapia observamos nossas projeções como conteúdos próprios.
Teseu é o Ego, nosso herói. É ele quem vai, juntamente com outras partes suas,
combater o “monstro devorador”.
Ele vai, porque seu reino já não agüenta mais perder tanta gente
jovem - energia consumida para nada - mesmo que seja para pagar um tributo.
Seu reino perdeu a guerra e deve pagar uma indenização ao
vencedor, que tem um monstro voraz de carne fresca humana.
O mito não conta se Teseu tinha alguma estratégia ou se
simplesmente foi com a cara e a coragem. Mas, de qualquer forma, Teseu resolveu
ir.
É assim que acontece: a pessoa (ego) tem que “querer” fazer
psicoterapia. É o seu querer que o move.
Sente-se frustrado com as realizações que não acontecem, sente-se
fraco e sem energia para a vida e então precisa resolver isso. Vai assim
deliberadamente resolver o “problema”.
Então, o primeiro passo em direção à psicoterapia é o querer
resolver seus problemas. O segundo, é acreditar, a priori, que vai conseguir.
Precisa confiar e pedir ajuda.
Teseu e seus compatriotas seguem, munidos de um fio que lhes serve de
salvo-conduto para dentro do Labirinto e na outra ponta, do lado de fora, está
Ariadne.
É Ariadne que fornece condições para que ele seja bem sucedido.
Ela oferece ajuda.
Ariadne, aqui, representa o psicoterapeuta que fica do lado de
fora – não está envolvido emocionalmente com seu paciente nem com suas questões
e pode ajudá-lo a entrar em seu inconsciente e enfrentar seus monstros, pois tem
instrumentos específicos para tanto.
Para que um trabalho de psicoterapia dê bons resultados e atinja
seu objetivo, precisa de algo fundamental: a empatia e confiança entre paciente
e psicoterapeuta. Teseu acreditou que Ariadne estava sendo sincera, que
realmente o ajudaria e estaria lá, do lado de fora, a esperá-lo.
Como confiar numa pessoa que não conhecemos para abrir o que há de mais intimo
dentro de nós e até de coisas que nem nós sabemos?
Objetivamente, para começar uma boa indicação é, ao estar diante
do profissional, procurar sentir dentro de si se dá para confiar naquela pessoa.
Confiança na ética do psicoterapeuta é a base para a relação terapêutica fluir.
Ariadne também simboliza o feminino – tanto do paciente como do
psicoterapeuta (seja homem ou mulher).
O ego - uma instância masculina da psique humana - precisa do
feminino para que, juntos, unidos, possam resolver as questões pendentes do
paciente.
É a objetividade do Ego em querer resolver-se mais a força da sensibilidade do
feminino que faz o processo acontecer.
Então, o Ego “entra” em seu inconsciente e vai corajosamente
enfrentar seu monstro que está no centro, mata-o e sai livre, auxiliado pelo
psicoterapeuta.
Mas, o próprio Jung nos disse que o Self é o Centro da psique.
E que o Self seria a nossa essência, fonte de luz e vida...
Como pode ser entendido como “um monstro devorador”?
Quando o Ego, irrealisticamente, acha-se o dono e o senhor do seu castelo (de
sua vida), pensar que possa haver uma outra entidade mais poderosa que ele pode
ser sim muito assustador.
O Self, para Jung, é o Todo e também o Centro Ordenador da psique humana; já
nascemos com ele. E, logo que nascemos, o Ego começa a formar-se através da
nossa interação com o meio ambiente, enquanto ainda somos um bebezinho.
Na visão da psicologia junguiana, o Ego nasceu do Self e é, portanto, apenas sua
expressão. Deve, por isso, seguir suas orientações para melhor expressá-lo. E
quando não atendemos o Self somos penalizados com a perda de energia para a
vida.
Num trabalho psicoterápico junguiano, a meta é a pessoa abrir-se para sua
essência. Quando realmente consegue chegar até o centro, conectar-se mais
conscientemente com seu Self, aí acontece o processo de Individuação.
Individuação, para Jung, é a pessoa viver sua individualidade de uma forma mais
pura e fiel à sua essência. Portanto, Ego e Self conectados numa sintonia fina.
Aí reside o poder pessoal.
Quando Teseu mata o monstro e sai do Labirinto, para nossa leitura entendemos
que houve uma transformação; porque morte é símbolo de transformação. Isto
significa que a pessoa (Ego) conseguiu abrir-se para sua essência, e não tem
mais do que defender-se e, aí, acontece a transformação (morte) do antigo Ego
(cheio de medos e inseguranças) e nasce um novo Ego (mais cheio de autoconfiança
e luz). Afinal, toda morte gera uma nova vida. A saída de Teseu do Labirinto
representa seu renascimento como o herói vencedor.
O que o mito não conta que, na verdade, não há apenas um único monstro habitando
nosso inconsciente (aquele era o maior e o mais poderoso e assustador); mas, na
psicologia junguiana aprendemos que há outros monstros, que Jung chamou de
Complexos, que também sugam nossa energia para a vida.
Os complexos geram vários sentimentos e comportamentos automáticos e
inconscientes, como por exemplo, o de superioridade e o de inferioridade. Eles
escondem-se naqueles cantos escuros da psique (labirinto) e antes de concluir o
trabalho maior que é “matar” o grande monstro lá no centro, há o trabalho de
também matar esses outros monstros. Por isso o Ego é o nosso “herói”; mas, para
se tornar o nosso “herói” precisa, antes, matar muitos monstros.
Faz parte do processo de Individuação “matar” todos os pequenos monstros
escondidos em nossa psique e que, muitas vezes, são também extremamente
poderosos e vorazes, tanto quanto um Minotauro.
As sessões de psicoterapia servem exatamente para isso: matar monstros
projetados por todo canto da vida. Desta forma, resgatamos a energia para a
vida. Liberamos a energia que usamos inconscientemente para tentar deixar presos
sentimentos indesejáveis e desejos inconfessáveis, até para nós mesmos.
Conforme vamos encarando cada um dos nossos monstros percebemos que eles não são
tão feios e nem tão monstruosos assim. Vamos nos fortalecendo. Percebemos que
somos mais fortes do que pensávamos; que somos capazes de suportar algumas
frustrações que a vida se nos apresenta. Descobrimos que a nossa vida depende de
nós. Nós somos os heróis de nossas vidas!
Resgatamos, assim, o bem mais precioso que está guardado dentro de nós: a
auto-estima. E deste modo tomamos posse de nossa vida. Aprendemos a usar nosso
poder pessoal.
Quem já fez psicoterapia com um bom psicoterapeuta sabe de seus benefícios, pois
o fato de conseguir, de forma segura e amorosa, livrar-se dos “monstros” que
habitavam o seu inconsciente e que o atormentavam e ao mesmo tempo abrir-se para
a sua “fonte de vida e de luz”, o Self dentro de si, é absolutamente libertador.
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