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Psicologia
Transpessoal
Por: Carlos Antonio Fragoso Guimarães
"Não apenas
é o homem parte da natureza - e esta é parte sua -, como deve ser
minimamente isomórfico (semelhante a) com ela para nela ser viável. Ela o
gerou. Sua comunhão com aquilo que o transcende não precisa ser definida,
portanto, como não-natural ou sobrenatural. Pode ser vista como uma
experiência 'biológica' "Abraham Maslow.
O que é e como surgiu a Psicologia Transpessoal
Foi em meados da década de sessenta, durante o rápido desenvolvimento e
aceitação dos pressupostos básicos da psicologia humanista, com Maslow e
Rogers, que alguns psicólogos e psiquiatras começaram a discutir quais os
limites e características a que seria possível chegar o potencial da
consciência humana. Muitos pesquisadores achavam que a visão da psique
dada pela Psicanálise e pelo Behaviorismo eram, no mínimo, bastante
simplificadas e reducionistas, não explicando uma grande gama de
fenômenos mentais que escapavam - e muito - do campo de alcance de
tais teorias. E a Psiquiatria dava ainda menos clareza sobre uma
ampla gama de estados de conciência claramente chocantes e, ao mesmo
tempo, fascinantes, que não podiam se restringir unicamente à história
orgânico-biográfica de alguns pacientes.
A grande maioria dos teóricos da personalidade toma por fundamento básico
a consciência em estado de vigília, ou consciência normal, como sendo
a única possibilidade saudável de nível de percepção congnitiva. As
caraceterísticas básicas desta consciência normal, segundo Fadiman &
Frager, é que a pessoa sabe "quem é", tem perfeita noção de si mesma como
uma individualidade, e seu sentido de identidade é estável. Ou seja, a
pessoa tem uma idéia clara de ser uma individualidade diferenciada do
meio que a cerca. Estudos vários sobre a imagem corporal e do
sentido do ego concluem que qualquer desvio desses limites é um grave
sintoma psicopatológico. Só que tal conclusão começou a ser seriamente
questionada com vários relatos e pesquisas sérias realizadas em várias
partes do mundo.
Às vezes, experiências correlacionadas com um declínio de uma
psicopatologia e com a restauração da saúde psíquica podem muito bem
expor experiências subjetivas que ultrapassam e muito os chamados limites
normais do ego. William James já o havia notado em fins do século passado.
O resultado de muitas destas pesquisas, muitas delas envolvendo
psiquiatras e psicólogos famosos, levantou uma séria questão: seria
possível que algumas das distinções que mantemos entre nós mesmos e o
resto do mundo sejam arbitrárias e/ou culturalmente condicionadas? Talvez
a consciência humana seja um vasto campo ou espectro, semelhante ao
espectro eletromagnético, onde cada "freqüência" expressaria um modo de
percepção, muito mais que um conjunto firme de traços ou características
rigidamente definidas de expressão, já que em certas experiências -
algumas delas envolvendo psicodélicos ou drogas psicoativas - a
consciência do sujeito parece abranger elementos que não têm nenhuma
continuidade com sua identidade do ego usual e que não podem ser
considerados simples derivativos de suas experiências no mundo
convencional.
Vejamos esta descrição, feita por Stanislav Grof, de experiências
correlacionadas com o declínio de uma patologia (extraído, com comentários
meus, de Fadiman & Frager, 1986, página 168):
"No estado de consciência 'normal' ou usual, o indivíduo se experimenta
existindo dentro dos limites de seu corpo físico (a imagem corporal), e
sua percepção do meio ambiente é restringida pela extensão, fisicamente
determinada, de seus órgãos de percepção externa; tanto a percepção
interna quanto a percepção do meio ambiente estão confinadas dentro
dos limites do espaço e do tempo (numa aceitação cultural
das premissas do paradigma cartesiano-newtoniano próprio da visão de
mundo ocidental nos últimos 300 anos). Em experiências psicodélicas (área
explorada por Grof em fins dos anos 50, na Tchecoslováquia, e nos anos 60
nos EUA) de cunho transpessoais, uma ou várias destas limitações parecem
ser transcendidas (este fenômeno também se encontra, de modo esporádico,
nas várias terapias psicológicas, tendo recebido nomes como "Experiências
Oceânicas" em Freud, "Experiências Culminates" em Maslow, "Consciência
Cósmica", em Weil, "Experiência Mística", etc). Em alguns casos, o
sujeito experiencia um afrouxamento de seus limites usuais de ego e sua
consciência e autopercepção parecem expandir-se para incluir e abranger
outros indivíduos e elementos do mundo externo. Em outros casos, ele
continua experienciando sua própria identidade, mas numa percepção de
tempo diferente, num lugar diferente ou em um diferente contexto. Ainda em
outros casos, o individiuo pode experienciar uma completa perda de sua
própria identidade egóica e uma total identificação com a consciência de
uma 'outra' entidade. Finalmente (em similiraridade com o que experiencia
o místico), numa categoria bastante ampla destas experiências psicodélicas
transpessoais (experiências arquetípicas, união com Deus, etc.), a
consciência do sejueito parece ambranger elementos que não têm nenhuma
continuidade com a sua identidade de ego usual e que não podem ser
considerados simples derivativos de suas experiências do mundo
tridimensional".
São, pois, estas experiências culminates e transuamas que são o foco
central da Psicologia Transpessoal.
Muitos renomados psicólogos humanísticos e alguns psiquiatras
insatisfeitos com a abordagem excessivamente mecanicista e biomédica
de sua disciplina mostraram crescente interesse por áreas de
estudo antes negligenciadas, e por tópicos de psicologia próximas a estes
estados-alterados de consciência, como, por exemplo, as experiências
místicas, ou de consciência de transe.
As tendências isoladas começaram a se unir graças aos trabalhos de Abraham
Maslow e Anthony Sutich, o que acabou por consolidar a chamada Quarta
Força em Psicologia (esta classificação é feita com base em
características próprias de cada escola, não pelo contexto histórico.
Assim, a Primeira seria o Behaviorismo, a Segunda a Psicanálise e a
Terceira o Humanismo). Foi assim que nasceu a Psicologia Transpessoal,
como disciplina autônoma, no final dos anos sessenta, mas as tendências
desse movimento já existiam há muito tempo. Por exemplo, Carl Gustav Jung,
Roberto Assagioli e o próprio Maslow já haviam lançado as bases para o
movimento transpessoal (Grof, 1988). Outros psicólogos, como Carl Rogers,
acabaram, na evolução de seu trabalho e de sua prática clínica, por se
encontrarem com dimensões transcendentes trazidos à tona por clientes e
grupos terapêuticos.
Carl Gustav Jung
Carl Gustav Jung pode ser considerado o mentor máximo e o primeiro
psicólogo transpessoal. As diferenças entre a Psicanálise Freudiana e
as teorias de Jung são muito bem representativas das diferenças entre
uma psicoterapia mecanicista e biomédica e uma mais humana e holística.
Ainda que Freud e muitos dos seus discípulos tenham ido muito a
fundo nas suas revisões da psicologia ocidental, atingindo os limites do
paradigma cartesiano em Psicologia, apenas Jung questionou radicalemente
seus fundamentos filosóficos: a visão de mundo de Descartes e Newton. Jung
salientou, de modo convincente, aspectos não racionais e não lineares da
psique, que inclui o misterioso, o criativo e o espiritual como meios
válidos, ou formas holísticas-intuitivas de conhecimento.
Jung via a psique como uma interação complementar entre elementos
conscientes e insconscientes, com uma constante troca de infromação e
fluidez entre ambos. O insconsciente não seria um mero depósito
psicobiológico de tendências instintivas reprimidas. Ele seria um
princípio ativo inteligente, que, em seu estrato mais profundo, ligaria o
indivíduo à toda a humanidade, à natureza e ao cosmos. Ele não seria
governado apenas pelo determinismo histórico, como postulado por Freud,
mas também por uma ânsia evolutiva com uma função projetiva e teleológica.
Estudando a dinâmica do inconsciente, Jung descobriu as unidades
funcionais que chamou de complexos e, como tais, foram adotadas po Freud.
Os complexos são constelações de elementos psíquicos - idéias, opiniões,
atitudes e convicções - associados com sensações diversas e que se juntam
ao redor de um tema nuclear. Partindo de áreas biograficamente
determinadas do inconsciente, Jung chegou aos padrões de criação dos
mitos, lendas e símbolos universais, aos quais ele deu o nome de
arquétipos e que expressam, de forma simbólica, conteúdos psíquicos de
significação emocional universal, como o processo de maturação psíquica e
outros (c.f. a Home Page sobre Jung).
Jung não acreditava que o ser humano fosse uma mera máquina
biológica. O conceito de máquina é extremamente antropomórfico para
ser um conceito natural. Além disso, ele reconhecia que o processo de
maturação psíquica pode, em certos casos, transcender e muito os estreitos
limites do ego e do inconsciente individual. Por isso ele é considerado o
primeiro representante da orientação transpessoal em psicologia.
Pela sutil e cuidadosa análise de seus próprios sonhos, tal como antes
fizera Freud, bem como dos sonhos de seus pacientes e dos delírios de
pacientes psicóticos, Jung descobriu que os sonhos têm, algumas vezes,
imagens e motivos que se repetem e que podem ser encontrados não só nas
diversas partes do mundo, como tabém em dirferentes períodos da história.
Assim, ele chegou à conclusão de que, além do inconsciente individual, há
um inconsciente coletivo ou racial, comum a toda a humanidade,
manisfestação da criatividade universal. As únicas fontes de informação
sobre os aspectos coletivos do incosnciente seriam o estudo das religiões
comparadas e da mitologia universal. Para Freud, os mitos podem ser
interpretados em termos de problemas e conflitos caracterísiticos da
infância e sua universalidade reflete o conjunto da experiência humana
compartilhada culturalmente. Jung rejeitou tal explicação reducionista.
Ele havia observado que os enredos mitológicos universais ocorriam em
indivíduos que não tinham, de maneira alguma, qualquer conhecimento deles.
Isso lhe sugeriu que haveria elementos estruturais formadores de mitos na
psique inconsciente. Tais elementos originariam tanto a fantasia viva e os
sonhos pessoais quanto a mitologia dos povos. Assim, os sonhos podem ser
encarados como mitos individuais e os mitos, como sonhos coletivos. De
qualquer modo, estas matrizes primárias são como a expressão instintual do
potencial psíquico que cada indivíduo terá de, em seu crescimento,
desenvolver.
Freud sempre demonstrou durante toda a sua vida um apaixoante interesse
por religião e espiritualidade, mas como expressão de recalques do
desenvolvimento psicossexual do homem expresso na forma da cultura
religiosa. Ele acreditava que era possível uma compreensão do processo
irracional conflitivo, que viria das que fases do desenvolvimento
psicossexual, responsável pelo surgimento da religião. Jung, ao contrário,
dispunha-se a aceitar o irracional e o paradoxal como válidos em si
mesmos. Ele estava convicto da realidade da dimensão espiritual no esquema
universal das coisas. Sua suposição básica era que o elemento espiritual é
uma parte orgânica integral da psique. A verdadeira espiritualidade, ou a
sua busca, é um aspecto pulsional do inconsciente coletivo, independente
do condicionamento da infância e da vida do indivíduo, do ponto de vista
cultural e educacional. Assim, se a análise e a auto-exploração alcançam
suficiente profundidade, os elementos espirituais emergem espontanemante
na consciência. A maior contribuição de Jung para a psicoterapia é seu
reconhecimento das dimensões espirituais da psique e suas descobertas nos
campos transpessoais .
O que faz de Jung um gênio na psicologia moderna é sua ampla visão, que
vai bem além de sua época, e o seu método científico. O enfoque de Freud
era estritamente histórico e determinísitco, bem ao gosto do paradigma
cartesiano-newtonino; ele se interessava em encontrar explicações
lineares-racionais para todos os fenômenos psíquicos, seguindo uma gênese
histórico-biográfica. Jung estava convencido de que a causalidade linear
não era o único princípio mandatório na natureza. Ele criou um termo,
sincronicidade, para designar um princípio de ligação entre eventos de
forma NÃO-causal, o que explicaraia as chamamdas coincidências
significativas de ventos separados no tempo e/ou no espaço. Também se
interessava intensamente pelo desenvolvimento da Física Moderna e mantinha
estreito contato com seus representantes mais proeminentes. Foi Einstein
que, durante um encontro pessoal, encorajou Jung a perseguir o conceito de
sincronicidade, e Wolfgang Pauli, um dos fundadores da teoria quântica,
publicou um ensaio conjunto com Jung sobre sincronicidade, bem como
escreveu um estudo sobre os arquétipos na obra do físico Johannes Kepler.
Não deixa de ser tremendamente irônico o fato de que, embora Freud se
orgulhasse de a Psicanálise ser atrelada ao mecanicismo newtoniano e de
que os psicanalistas serem "mecanicistas incorrigíveis", ter sido a
psicologia "esotérica" de Jung a que tenha exercido maior impacto entre os
gênios da ciência moderna.
Mas o que tem a ver Física e Psicologia? Bem, os Físicos modernos têm
muito a dizer sobre a importância da consciência na definição do que seja
realidade. Eles, juntamente com os místicos genuínos, parecem estar cada
vez mais próximos uns dos outros em suas tentativas para descrever o que
seja o universo (ver os excelentes livros de Fritjof Capra e de Lawrence
LeShan). Os reseultados das experiências transpessoais sugerem que a
natureza da gênese da consciência podem ser mais realisticamente descritas
por mísiticos e físicos modernos do que pela mais estável e aceita linha
psicológica acadêmica.
Muitos autores (Abraham Maslow, Pierre Weil, Stanislav Grof, Ken Wilber,
Walsh, Vaughan entre outros) oferecem a evidência de que os assim chamados
"estados alterados" são não só naturais, como também são necessários para
o bem-estar e a saúde do indivíduo, após atingir um certo grau de
desenvolvimento cognitivo e ter atendido as necessidades básicas mais
urgentes. Maslow acredita que, a menos que tenhamos oportunidade de
mudarmos nosso estado de consciência, podem se desenvolver sintomas
emocionais graves se imperdirmos o afloramente dos níves transcendentes da
personalidade. Da mesma forma como existe uma pulsão para a experiência
sexual, também parece haver uma pulsão para o desenvolvimento de níveis de
percepção.
Roberto Assagioli
Outro autor de importância para o desenvolvimento da Psicologia
Transpessoal é Roberto Assagioli. Ele é o criador da psicossíntese, que é
um tipo de resposta ao método fragmentar da psicanálise, onde está claro a
responsabilidade do indivíduo no processo do próprio crescimento, que é um
impulso constante em todos as pessoas, apesar de relativamente tênue,
embora poucas se dêem a chance de se desenvolverem plenamente.
A cartografia de Assagioli sobre a personalidade humana tem muito em comum
com o modelo junguiano da psique, uma vez que inclui os campos espirituais
e os elementos coletivos da psique. Ele se consitui de sete consituintes
dinâmicos: o insconsciente inferior orienta as atividades psicológicas
básicas, como as pulsões sexuais e os complexos emocionais. O inconsciente
médio seria algo como o subconsciente. O campo superconsciente é o local
dos sentimentos e aptidões superiores, onde se localizam a intuição e a
inspiração. O campo da consciência inclui os pensamentos e sentimentos
analisáveis. O ponto central da psique é o self. Todos esses componentes
são anexados ao inconsciente coletivo.
O processo terapêutico fundamental da psicossíntese envolve quatro
estágios consecutivos. Primeiro, o cliente toma conhecimento dos vários
elementos (didaticamente falando) de sua personalidade, o que inclui seu
ego ideal e o seu ego real, com todos os defeitos que a pessoa gostaria de
suprimir. Depois que estiver bem familiarizado com eles, ele terá que
começar a se desindentificar com esses elementos (conhecer-se a si mesmo e
perceber que suas várias características são apenas características, não o
fundamento do ser, ou self). Depois que a pessoa descobre seu centro
psicológico unificador, é possível a realização total da psicossíntese,
caracterizada pela culminância do processo de auto-realização pela
integração dos componentes da personalidade à volta do novo centro, o self.
Abraham Maslow
Foi AbrahamMaslow quem primeiro formulou, explicitamente, os princípios
da psicologia transpessoal como uma abordagem diferenciada. Uma de
suas mais importantes contribuições é seu estudo sobre pessoas que
vivenciaram, espontaneamente, as chamadas experiências místicas de "pico".
Na psicoterapia tradicional, experiências místicas de qualquer tipo são
sempre taxadas como sérias psicopatologias. Em seu muito bem-feito estudo,
Maslow desmonstrou que as pessoas que tiveram experieencias espontâneas de
"pico" benceficiavam-se delas e mostravam um claríssima tendência para a
auto-realização, que é o objetivo da psicoterapia humanística. Ele julgou
estas experiências como supernormais em vez de subnormais. A partir desse
fato, ele erigiu os fundamentos da nova psicologia.
Um outro aspecto importante do trabalho de Maslow é a análise das
necessidades humanas e sua revisão geral da teoria dos instintos. Ele
descobriu que as maiores necessidades representam um aspecto importante e
autêntico das estrutura da personalidade humana e não pode ser reduzido a
uma mera derivação de instintos básicos (a idéia de instinto sugere uma
busca da ligação do comportamento humano dentro das diretrizes da ciência
mecanicista convencional). Segundo ele, as maiores necessidades têm um
papel importante na doença e na saúde mental. Valores superiores (metavalores)
e os impulsos para alcança-los (metamotivações) são intrínsecos à natureza
humana, possuindo uma fundamentação tão biológica quanto a pulsão sexual,
por exemplo.
Eis as palavras de Maslow anunciando o desenvolvimento da Psicologia
Transpessoal (Maslow, 1968, página 12):
"Devo também dizer que considero a Psicologia Humanística, ou Terceira
Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta
Força ainda "mais elevada", transpessoal, transumana, centrada mais na
ecologia universal do que nas necessidades interesses restritos ao
ego, indo além da identidade, da individuação e congêneres...
Necessitamos de algo "maior do que somos", que seja respeitado por nós
mesmos e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico,
não-eclesiástico, talvez como Thoreau e Whitman, William James e John
Dewey fizeram".
Carl Rogers
Apesar de não ser incluído, pela maioria dos autores, como um psicólogo
transpessoal, mas como um dos mais significativos psicólogos humanistas,
não escapou à Carl Rogers as chamadas dimensões transcendentes ou
espirituais que frequentemente emergiam no contexto terapêutico,
especialmente em termos de Terapia de Grupo, na qual Rogers foi grande
pioneiro. E foi exatamente a partir do revolucionário trabalho com Grandes
Grupos e em Workshorps, na última fase de sua formulação teórica, que a
temática transpessoal começa a se delinear nos escritos do criador da
Abordagem Centrada na Pessoa, e nos escritos de seus principais
colaboradores. John K. Wood, por exemplo, escreveu o seguinte comentário (Rogers,
1983b) sobre as ocorrências transpessoais que costumam ocorrer em Grandes
Grupos:
Freqüentemente as pessoas compartilham e falam de sonhos sem interpretação
ou comentário. Sonhos comuns muitas vezes ocorrem. Algumas pessoas
reportam "experiências místicas" (...). As mesmas idéias e mitos [imagens
arquetípicas] frequentemente emergem de várias pessoas ao mesmo tempo. (Rogers,
1983b, p. 34)
O próprio Rogers se refere muitas vezes em suas últimas obras às
percepções transpessoais e fenômenos congêneres de estados sutis de
consciência, e estabelece que estes são eventos observáveis e inerentes ao
trabalho bem sucedido com Grandes Grupos e Workshops:
O outro aspecto importante do processo de formação de [Grandes Grupos] com
que tenho tido contato é a sua transcendência e espiritualidade. Há alguns
anos eu jamais empregaria estas palavras. Mas a estrema sabedoria do
grupo, a presença de uma comunicação profunda quase telepática, a sensação
de que existe "algo mais", parecem exigir tais termos (Rogers, 1983a, p.
62).
Tenho a certeza de que este tipo de fenômeno transcendente às vezes é
vivido em alguns grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças na
vida de alguns participantes. Um deles colocou de forma eloqüente: "Acho
que vivi uma experiência espiritual profunda, senti que havia uma comunhão
espiritual no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até falamos uns
pelos outros. Senti o poder de força vital que anima cada um de nós, não
importa o que isso seja. Senti sua presença sem as barreiras usuais do
'eu' e do 'você' - foi como uma experiência de meditação, quando me sinto
como um centro de consciência, como parte de uma consciência mais ampla,
universal. (Rogers, 1983a, pp. 47-48)
De certa forma, Rogers parecia estar indicando que a ACP por ele
elaborada, junto com seus colaboradores, estaria se desenvolvendo ao ponto
de incluir as dimensões transpessoais em seu arcabouço teórico, mas a sua
morte o impediu de levar adiante seus insights:
Tenho a certeza de que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam
com o transcendente, o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que
eu, como muitos outros, tenho subestimado a importância da dimensão
espiritual ou mística (Rogers, 1983a, p. 53).
Características de uma nova Psicologia
A nova psicologia que surge, apoiada nuca concepção holística e sistêmica,
considera o organismo humano como um todo integrado que envolve padrões
físicos, mentais, sociais e espirituais. Assim, a base conceitual da
Psicologia dever ser compatível tanto com a da Biologia quanto da
Sociologia, Antropologia e Filosofia. No modelo acadêmico moderno, a
estrutura voltada à especialização do conhecimento tornou muito difícil a
comunicação entre as disciplinas, e entre biólogos e psicólogos o
entendimento era muito sofrido. E pior era a comunicação, cheia de medos e
ressentimentos, entre psicólogos e médicos. Mas a abordagem sistêmica
fornece um terreno propício para a compreensão das manifestações
psicossomática do organismo na saúde e na doença, permitindo um
intercâmbio, desde que se queira, entre biomédicos e psicólogos.
O foco central da psicologia está tendendo a se transferir das estruturas
psicológicas para os processos relacionais subjacentes. A psique humana é
vista como um sistema dinâmico que envolve uma variedade de fenômenos
ligados à auto-atualização e crescimento contínuos. Assim, a psique teria
um tipo de inteligência intríseca que a habilita a envolver-se a tal ponto
com o meio, que este processo pode levar não só a uma doença, mas também
ao processo de cura e crescimento, como a concepção de autortranscendência
da teoria dos sistemas.
O Espectro da Consciência
Um dos sistemas didáticos, em psicologia, que procura integrar os
diferentes insights das várias escolas psicoterapêuticas do ocidente entre
si, e estas com as várias abordagens orientais, é a Psicologia do
Espectro, proposta por Ken Wilber, como um modelo da compreensão
transpessoal das diferenças entre psicoterapias. Nele, cada uma das
diferentes escolas é vista como uma faixa que se dedica a um aspecto
específico do total a que se pode apresentar a consciência humana. Cada
uma dessas escolas aponta para um estado de consciência que se caracteriza
por possuir um diferente senso de identidade, indo da pequena identidade
restrita ao ego até à suprema identidade com todo o universo, que é o
nível extremo da consciência transpessoal. Este espectro pode ser
entendido a partir de qutro níveis: o do ego, o biossocial, o existencial
e o transpessal.
No nível do ego, a pessoa não se indentifica, a rigor, com o seu
organismo, mas com uma representação mental, ou com um conceito do mesmo,
como uma auto-imagem construida, ou egóica. É, pois, um problema de
identificação com um modelo que a pessoa aceita, num investimento, como
sendo seu "eu". Existe - para ela - um "eu" que é diferente e independente
de tudo e de todos. A pessoa não se interessa muito em cultivar relações
interpessoas sem que haja uma vantagem específica para o ego, e muito
menos se preocupa com aspectos ecológicos ou sociais.
O nível biossocial já envolve a consciência e a preocupação com o nível e
com os aspectos do ambiente social da pessoa. A influência preponderante é
a de padrões culturais e sociais. A pessoa sente como fazendo parte - e
tendo alguma responsabilidade - pelo seu meio-ambiente social e natural.
O Nível existencial é o nível do organismo total, caracterizado por um
senso de identidade corpo/mente auto-organizador. É o nível dos ideais
humanistas e do pensamento mais sofisiticado, em termos de filosofia de
vida. Emoção e rezão estão mais ou menos associadas para o crescimento e o
desenvolvimento das potencialidades do homem, desde que os meios sejam
razoavelmente propícios. Quando não, ainda assim a pessoa luta para se
auto-atualizar e a ajudar seus semelhates. Alto grau de desenvolvimento
moral é frequentemente associado a este estágio.
O nível transpessoal é o nível da expansão da consciência para além das
fronteiras do ego, correspondendo a um senso de indentidade mais amplo.
Elas podem encolver percepções do meio ambiente, onde tudo está, de uma
forma sutil mas muito presente, ligado - de forma NÃO LINEAR - a tudo. É o
nível do inconsciente coletivo e dos fenômenos que lhe estão associados,
tal como descritos por Jung e seguidores. É também neste nível de
percepção que podem - mas não necessariamente ocorrem ou são regra geral
próprias de uma percepção transpessoal - surgir, como eventos secundários,
certos fenômenos parpsicológicos, como telepatia, precognição ou - o que
não tipifica um fenômeno parapsicológico, mas sim psicológico - lembranças
de vidas passadas. É uma forma extremamente sofisticada e não oprdinária
de consciência em que a pessoa não aceita mais a crença uma separação
rígida entre ela e todo o universo, a não ser como uma forma de atuar
praticamente sobre o meio em que vive com outras pessoas. Essa forma de
consciência transcende,e muito, o raciocíonio lógico concvencional, e
aproxima-se das assim chamadas experiências místicas. E é este estado que
é objeto mais íntimo de estudo da Psicologia Transpessoal.
Enfim, para terminar, é preciso definir o relacionamento entre a prática
da psicologia transpessoal e os enfoques tradicionais de psicoterapia. O
que caraceteriza um terapeuta transpessoal não é o seu conteúdo, mas o
contexto. O conteúdo é determinado pela relação terapêutica em si, entre
cliente e terapeuta, como bem o estabeleceu Carl Rogers. Um terapêuta
transpessoal lida com os problemas que emergem durante o processo
terapêutico, incluindo acontecimentos mundanos, fatos biográficos e
problemas existenciais. O que realmente define a orientação transpessoal é
um modelo da psique humana que reconhece a importância das dimensões
espirituais e o potencial para a evolução da consciência. O terapeuta
transpessoal deve ser consciente do espectro total e deve sempre
acompanhar o cliente a novos campos experienciais, quando há oportunidade,
não importando qual o nível que o processo terapêutico esteja focalizando.
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