|
O
Amor e a Procura da Alma Gemia na Atualidade
Por: Maria Aparecida Diniz Bressani
Estamos no século XXI e percebemos as
pessoas numa busca ansiosa por parceiros amorosos, mas o que tem
acontecido são desencontros amorosos e uma alta rotatividade nos
relacionamentos.
Estamos vivendo uma época em que vemos a banalização das relações, onde o
culto por relacionamentos “apaixonados” promove a falta de
responsabilidade diante das crises naturais de toda e qualquer relação.
O culto por relações “apaixonadas”, onde a paixão é o que dá o “tom” das
mesmas, faz com que a partir do momento que se acaba a paixão perde-se a
necessidade da manutenção da tais relações; acaba por levar as pessoas a
estabelecê-las sempre num nível superficial e com total descompromisso.
Todos – homens e mulheres – se queixando de seus pares do sexo oposto.
Mulheres se queixam que os homens não querem nada a sério; homens se
queixam que as mulheres estão muito “fáceis”; e ambos se queixam da
banalização do sexo e dos encontros – que nunca acontecem – mas que tanto
anseiam.
O que acontece? Onde nós – homens e mulheres – “perdemos a mão” do
relacionamento amoroso? É fácil culpar o outro – o homem culpa a mulher e
a mulher culpa o homem – deste total desencontro amoroso! O difícil é
assumir sua cota de responsabilidade nesta situação atual.
É claro que vivemos num período conturbado, resultado de “milênios” de
desenvolvimento do ser humano e para entender todo esse desencontro
amoroso precisamos fazer uma retrospectiva na história sócio-econômica do
ser humano.
Se nos voltarmos à história da humanidade perceberemos como os valores
foram se implantando dentro das necessidades evolutivas de cada época.
Dentro da história antiga vemos o ser humano em seus clãs, onde havia o
patriarca que decidia o que era melhor para seu grupo. Naquela época o que
valia era a necessidade do coletivo, mais do que a necessidade individual,
e os casamentos eram arranjados em prol dos respectivos clãs.
A “missão” do homem era disseminar sua “semente”, por isso a poligamia era
estabelecida, onde aquela máxima: “crescei e multiplicai-vos”, era vivida
ao pé da letra, e portanto não era importante o relacionamento
homem-mulher como um relacionamento amoroso, mas, sim, se ambos poderiam
trabalhar pelo bem e manutenção do clã, cada um com seu papel
absolutamente determinado.
O advento do cristianismo trouxe-nos mais para perto do indivíduo, com
Jesus pregando “respeitai-vos uns aos outros como se fosse a ti próprios”.
Já não existem mais os clãs, agora temos as cidades-estados. O enfoque do
relacionamento humano tem uma pequena alteração, pois se antes, no clã,
todos são aparentados de alguma forma, nas cidades-estados já não o são
mais, e então não é necessário ir buscar um marido ou uma mulher fora do
ambiente em que se mora.
Até aqui todos os textos nos trazem o relacionamento homem-mulher apenas
como um encontro para a procriação e constituição da família, onde o homem
é seu patrono e provedor e a mulher, em segundo plano, ficando na função
de procriadora.
É na Idade Média que encontramos os textos sobre uma nova visão de
relacionamento homem-mulher. Foi através da história de Romeu e Julieta
que Shakespeare apresentou o novo conceito: a Alma Gêmea – que prega que
existe alguém único e especial e que nos completaria, que seria nosso
companheiro, ou nossa companheira, para toda a eternidade, que se não o/a
encontrássemos não teríamos um relacionamento amoroso pleno e
satisfatório, então, só nos resta ou uma vida infeliz ou a morte.
A Igreja Católica, forte na época, abarcou o conceito para reforçar seus
argumentos de casamento monogâmico, de a mulher se preservar, manter-se
casta, à espera de alguém especial, que se tornasse seu marido e a ele, e
somente a ele, se “entregasse”.
A mulher continua em posição de inferioridade, à espera, passiva... O
homem continua no papel de provedor e a mulher, de procriadora. Mas todas
as histórias, a partir daí, quando mostram que os pares encontraram a sua
Alma Gêmea, terminam em “E, eles viveram felizes para sempre!”
E aí temos o Amor Romântico: a felicidade estabelecida com o encontro da
Alma Gêmea, transmitido pelos “intelectuais” da época e avalizado pela
Igreja Católica.
Até o século passado vivemos sob esta égide como verdade absoluta e
inquestionável. Mas, a partir do momento em que mulher buscou a
“igualdade” em relação aos homens – no século passado – as coisas
começaram a sair do eixo, parece que as coisas não se encaixaram mais...
Os papéis, antes estabelecidos – homem como provedor e mulher como
procriadora – já não se sustentam por si nesta nova condição de papéis,
pois a mulher não se contenta em ficar em segundo plano, descobriu que
pode ser sua própria provedora; o homem, em contra partida, descobriu que
não precisa ser aquele rochedo, frio e insensível, que “pode chorar, sim”.
Parece que precisamos fazer uma reformulação de nossas crenças, valores e
papéis sociais.
Vivemos um paradoxo, pois existe uma grande confusão: crenças e valores
herdados, ainda da idade média, misturados às novas conquistas sociais.
Parece que os homens têm medo de não serem mais importantes e necessários
à mulher, como se elas fossem dominar tudo e, eles, ficarem na posição de
inferioridade, até agora delegado à elas. E, a mulher parece ter a
fantasia de que abrir mão do seu papel de “frágil” seria abrir mão da
cômoda não-responsabilidade diante da relação e ainda ter que assumir tudo
sozinhas: casa, filhos, trabalho...
Dentro da psicologia sabemos que todos os nossos medos de que um dia, num
futuro, possa vir acontecer, de fato já, no presente, está acontecendo.
Esta, sim, é uma grande realidade. Pois, é exatamente isto que vemos
acontecendo atualmente no relacionamento homem-mulher.
Por medo de assumir a necessidade de se reformular os paradigmas, vemos
grandes desencontros e a guerra estabelecida para se tentar preservar um
status quo, de ambos os lados, que já nem existe mais.
Precisamos entender que temos muito mais a ganhar do que a perder com esta
reformulação.
No presente, com os novos papéis conquistados – por homens e mulheres –
temos, ambos, direitos garantidos enquanto indivíduos dentro da relação,
pois não é possível se estabelecer um relacionamento amoroso sem a
contraparte. A mulher é absolutamente importante na vida de um homem como
o homem também o é na vida de uma mulher.
A obrigatoriedade de novos paradigmas, baseados em novas crenças e
valores, sobre o que é relação homem-mulher, sobre o que é Alma Gêmea, se
faz urgente.
Toda reformulação, toda transformação, só ocorre quando desenvolvemos
consciência dos equívocos e contradição entre minhas necessidades
emocionais, motivações internas, e as minhas atitudes.
Então, como podemos buscar a nossa “alma gêmea”, dentro daquele conceito
medieval, de buscar a nossa outra metade que nos completaria e ainda assim
ser Um indivíduo? Como, nós mulheres independentes, podemos nos colocar
numa posição passiva de esperar alguém “especial e único” para nos
“entregar”? Como pode um homem que diz querer uma companheira, querer
também bancar o príncipe que luta contra o dragão para salvar sua bela
adormecida? Embora a mulher e o homem modernos não falem neste tom está
implícito quando se busca a “Alma Gêmea” ainda hoje.
Eis o paradoxo instalado: vamos ainda buscar nossa alma gêmea, no conceito
medieval, e queremos uma relação liberal.
Precisamos entender que estamos num estágio tal de evolução que não nos
permite viver na ignorância de nossa individualidade dentro de uma relação
e que esta insistência em se viver ignorante de nós mesmos e da nossa cota
de responsabilidade dentro de uma relação – seja ela qual for – leva-nos a
este desencontro.
Precisamos, primeiro, encontrar a nós próprios, enquanto indivíduos, na
nossa própria vida, para depois, encontrar o outro, também enquanto
indivíduo.
Precisamos, tanto coletiva como individualmente, reformular o que é
relacionamento amoroso, o que é Alma Gêmea. Precisamos desenvolver novos
conceitos para o presente momento, para que possamos estabelecer novos
códigos – códigos comuns à atualidade – dentro das novas necessidades do
ser humano contemporâneo. Enquanto isto não acontecer só haverá encontros
e desencontros, depressão, ansiedade, angústia e toda a gama de
sentimentos fruto da falta de perspectiva diante da vida.
E como sair deste redemoinho desamoroso em que vivemos?
Antes de mais nada é necessário reformular nossos conceitos.
O primeiro passo é se ter consciência sobre a própria individualidade; o
Indivíduo que somos, e quais são nossas reais necessidades, as mais
prementes na nossa própria vida.
O segundo passo é saber que precisamos ter tais necessidades satisfeitas,
em prol de nossa saúde emocional.
O terceiro passo é nos dar o direito de ter essas necessidades satisfeitas
para que tenhamos uma vida feliz.
E, para que possamos reivindicar o direito à satisfação de nossas
necessidades, primeiro precisamos assumir total responsabilidade sobre a
nossa pessoa. Portanto, ninguém é responsável pela nossa vida nem pela
nossa felicidade, porque ninguém pode ser vital à nossa sensação de
felicidade e auto-respeito a não ser nós mesmos. Quando eu tenho claro
estas questões para mim, enquanto indivíduo, consigo estabelecer relações
mais satisfatórias em minha vida.
Então, quando eu vou inteiro – responsável por mim – ao encontro da minha
contraparte e a minha contraparte vem inteira – também responsável por si
– ao meu encontro, somos duas individualidades que se encontram e que
buscam apenas estabelecer troca de amor, tão fundamental para uma relação.
Então, o novo conceito de Alma Gêmea poderia ser o de duas pessoas
inteiras, que se encontram, que têm muitas afinidades e que estabelecem
uma relação de amor, respeito, cumplicidade e intimidade. Para isto,
então, precisamos rever, re-conceituar e esclarecer o que é Amor... o que
é Respeito Mútuo... o que é Cumplicidade... o que é Intimidade... para
cada um de nós e coletivamente...
Parece que este é o nosso exercício de vida para este começo de século,
reformular conceitos e, conseqüentemente, o que é relacionamento amoroso,
necessidades emocionais, papéis sociais, para que possamos ter uma melhor
qualidade de vida e de relacionamento a partir de então.
Voltar para
Relacionamentos -
Voltar para Pagina Inicial
|