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As
Relações Afetivas e a Intimidade
Por: Sirley Santos M. Bittú
O que é ser íntimo de alguém? Temos pessoas com quem convivemos
todo o tempo, colegas de trabalho ou mesmo familiares, que pouco sabem de nossas
angústias, medos, desejos e alegrias.
Intimidade é diferente de convivência, conviver não é sinônimo de ser íntimo ,
apesar de muitos acreditarem nisso. Também é diferente de mistura, de simbiose.
Não é possível ser íntimo de alguém se não houver individualidade. Primeiro
ser, para depois compartilhar. Não se compartilha o que não se tem.
Nascemos do aconchego do útero materno, da sensação de segurança que ele nos
proporciona. Naturalmente desejamos nos relacionar, somos seres sociais,
nascemos carentes de afeto, atenção e aceitação. O ser humano tem uma demanda de
amor, busca amar e ser amado todo o tempo. Nascemos e imediatamente precisamos
de afeto para nosso processo de crescimento emocional, da mesma forma que
precisamos de cuidados para nos desenvolvermos fisicamente. Recebemos da figura
materna o amor incondicional, aquele tão buscado em nossa vida: ser amado pelo
que somos, o pacote completo.
E o que isso significa? Significa que buscamos em nossas relações, na maioria
das vezes de forma inconsciente, essa sensação primária de plenitude e
segurança, refletida em maior grau nas relações de intimidade.
Intimidade é a possibilidade de relação mais próxima que implica em confiança.
Confiar significa acreditar que seremos aceitos como somos, mas, não apenas pelo
outro; para isso é preciso confiarmos em nós mesmos, em nossa capacidade de
sermos genuínos, percebendo o que temos para oferecer numa relação tranqüila e
prazerosa com o mundo. Contudo, é necessário o sentimento de esperança e fé no
bom que existe no humano. Confiança se adquire através das relações e pela forma
de relação que se estabelece, é um sentimento delicado e dinâmico, ela é como
planta: se não regar morre.
Intimidade também implica em entrega. É uma via de mão dupla, ser íntimo é ser
cúmplice, é estar ao lado do outro e não misturado ao outro. Trata-se de uma
proposta de relação mais profunda, que implica em envolver-se, doar-se e saber
receber o outro, aceitar e aceitar-se, é troca plena, é Encontro no sentido
Moreniano.*
Você pode ser íntimo de um amigo com quem conversa sobre varias coisas e não ser
íntimo da pessoa com quem você dorme. Os medos, crenças e as inseguranças são os
grandes responsáveis pelas dificuldades de envolvimento. Algumas pessoas
confundem intimidade com submissão, alienação e mistura, outras entendem como
fraqueza, falta de individualidade ou demonstração de carência.
Nossa sociedade competitiva, capitalista e violenta, torna as pessoas cada vez
mais acuadas e descrentes no humano e consequentemente em si próprias. O medo e
a competição, fazem com que as pessoas se relacionem apenas com parte do outro -
àquela que deseja superar – o que impede que a relação seja verdadeira.
Geralmente quando pergunto: porque não assumir que é uma dificuldade sua? ... a
resposta é na maioria das vezes: ...”eu??? falar de dores, limites,
angústias... para que? Vou estar só me expondo! Ninguém vai resolver minhas
questões!”.
Em parte é verdade, nossas dificuldades, na grande maioria das vezes só podem
ser resolvidas por nós mesmos, mas nem sempre temos os instrumentos ou
conhecemos os caminhos para resolve-las, aí que entra o outro, com sua vivência
e experiência de vida.
V. já pensou se cada um tivesse que reinventar a escrita e a palavra sozinho,
para poder se comunicar???... imaginem.. e se não tivesse ninguém disposto a
aprender, só a ensinar??? Quanta perda de tempo!!!
Quando nos relacionamos percebemos que não estamos sós, não somos os únicos a
ter dificuldades e sofrimentos; temos a capacidade de aprender com nossos erros
e acertos e com os erros e acertos dos outros. Por isso que a relação de
intimidade deve ser cultivada, escolhida a dedo. Faz parte de nosso
desenvolvimento emocional aprender a escolher entre as pessoas de nosso
convívio, aquelas que merecem nossa confiança, ou seja trata-se de uma questão
de auto proteção, da capacidade de aprender a cuidar de si mesmo.
Ser íntimo significa compartilhar tudo? Dizer tudo, o que pensa e sente?
até os pensamentos? Se pensamentos fossem para ser ouvidos eles aconteceriam em
alto e bom som!
Você deve estar pensando, mas então eu não deveria compartilhar minhas idéias,
sentimentos e pensamentos? É claro que sim!, mas escolhendo com quem e o que
compartilhar, nem sempre o outro “agüenta” ou está preparado para o que estamos
pensando ou desejando.
Aqui retornamos na questão da individualidade. Costumo brincar dizendo que, até
dentro do útero materno temos a proteção de ”uma bolsa”, sabiamente colocada
pela natureza. Na verdade nascemos concretamente de dentro de outra pessoa, mas
não ficamos fisicamente em nenhum momento misturados ao outro, apenas
emocionalmente. Talvez seja por isso que é tão comum a confusão entre capacidade
de se envolver intimamente e a mistura relacional.
Segundo a visão de desenvolvimento humano proposto por J.L. Moreno, criador do
Psicodrama, a Matriz de Identidade emocional normal se estabelece a partir das
relações que o indivíduo faz. Através de nossas vivências caminhamos de um
momento de total Indiferenciação com o mundo (nascimento) para uma relação
télica e plena onde seja possível trocar de lugar com o outro entendendo suas
motivações pelos seus olhos (maturidade emocional), sem com isso, desrespeitar
nossas crenças, valores, e individualidade. Moreno chamou o ápice dessa fase de
Encontro, onde podemos “novamente”- lembrando nosso nascimento - nos misturar
com o outro, sem nos perdermos – porque agora existe um eu delimitado - e
sair revitalizados, enriquecidos. Seria o ponto máximo de diferenciação de
identidade.
Cada pessoa tem suas motivações, resultado de sua história de vida e sua
educação, somada às suas características inatas. A saúde emocional e mental de
cada indivíduo é que determina como cada um vai suprir essas necessidades. Esta
saúde interna se desenvolve como resultado de um processo de maturação do
indivíduo, e obedece uma seqüência de desenvolvimento humano, segundo a teoria
do desenvolvimento Moreniana.
Para nos envolvermos em qualquer tipo de relação, seja uma relação de amizade,
profissional, amorosa ou simplesmente social, primeiro temos que conhecer nossa
individualidade e o que significa um mínimo de noção de nossos desejos,
características, medos, dificuldades e gostos; enfim, um pouco de nossa
singularidade. Falei em mínimo, porque trata-se de uma busca de AUTOCONHECIMENTO
que acontece durante nossa vida. Não acredito que alguém possa esgotar esse
processo, porque somos seres dinâmicos e estamos aprendendo e consequentemente
em transformação todo o tempo.
A maturidade enriquece e modifica.
Portanto para que você possa construir uma relação de intimidade com alguém deve
estar atento a esse processo de busca de si mesmo, à sua capacidade para amar
e principalmente, para sentir-se amado.
* de J.L. Moreno, criador do Psicodrama
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