Por Gertrude B. Elion
O DNA representa papel fundamental entre as macromoléculas biológicas, pois suas seqüências nucleotídicas determinam as estruturas primárias de todos os RNAs e proteínas celulares. Estes em ação conjunta às enzimas determinam tamanho, forma e função de todos os seres vivos. A esta ação atribui-se o termo "metabolismo", que vai a partir do processo em que se dá origem às novas moléculas de DNA (replicação), juntamente de processos que afetam esta estrutura de informação (reparo e recombinação). A união de um nucleotídeo com o seguinte, parece ser aparentemente simples, no entanto para que haja uma transmissão segura de informações na síntese de uma nova molécula, são necessários dispositivos complexos, pois deixar prosseguir erros, tem-se graves conseqüências, persistindo durante todas as sínteses posteriores, caso não venham a ser reconhecidos. As enzimas que fazem as cópias, o fazem com grande fidelidade e velocidade. Por apresentar grande número e complexidade o DNA se depara a grandes riscos de acidentes, motivo que induz a esta macromolécula a ser a única a possuir múltiplo sistema de reparo.
Os genes foram detectados e analisados pela primeira vez por Mendel e muitos outros cientistas. Logo após, soube-se que estes normalmente localizavam-se nos cromossomos. A descoberta de que nele encontrava-se a base da hereditariedade, fez despertar em muitos cientistas o interesse em investigar a composição bioquímica dos cromossomos. O gene estrutural é uma seqüência de nucleotídeos que leva a informação a um RNA ou proteína específicos. O gene regulador é um segmento de nucleotídeos que altera a expressão de um gene estrutural. Esta questão envolvia duas vertentes: a função genotípica ou replicação, e a função fenotípica ou expressão gênica.
A manipulação e expressão do DNA e de seus produtos protéicos facilitaram importantes avanços na medicina. Hormônios e fatores de crescimento puderam ser expressos, purificados, estudados e usados para a terapêutica humana.
Constituição do cromossomo
Os cromossomos são constituídos por dois tipos de moléculas orgânicas grandes, ou seja macromoléculas: proteínas e ácidos nucléicos. Sendo os ácidos nucléicos de dois diferentes tipos: ácido desoxirribonucléicos (DNA) e ácido ribonucléicos (RNA). (Figura 1.)
Figura 1 – Filamento de DNA
Nas estruturas de DNA estão contidas grande parte da informação genética, embora haja uma pequena porção contida nas mitocôndrias e cloroplastos, que estão fora do núcleo. Estas informações, podem ser duplicadas (replicadas) ou transcritas sob a forma de RNA, que se traduz em proteína.
Replicação DNA
DNA
Transcrição RNA Tradução Proteína
O DNA é responsável pela expressão fenotípica através da transcrição de moldes de DNA produzindo mRNA.
Gene RNA Polipeptídeo Fenótipo
O DNA em dupla hélice de Watson e Crick
A estrutura correta do DNA, foi deduzida pela primeira vez, nos anos 40, pelos cientistas James Watson e Francis Crick. O processo de criar cópias e produzir cópias idênticas destas complexas macromoléculas, baseava-se em um molde molecular, sobre o qual surge um novo alinhamento de moléculas (uma vez que o DNA é constituído de duas fitas unidas entre si por pontes de hidrogênio), seguindo uma ordem previsível. Esta nova cadeia agora denominada dupla hélice. (Figura 2.) Figura 2 – Dupla Hélice
Sabe-se no entanto, que as moléculas de DNA possuem flexibilidade conformacional devido suas estruturas mudarem em função do ambiente oferecer-lhes diferentes condições fisiológicas. Reforça-se a hipótese de que tais moléculas apresentam variações estruturais dependendo do ambiente com o qual interajam.
Governada por um conjunto de regras fundamentais, Watson e Crick propuseram que a replicação do DNA é semiconservativa, devido cada um de seus filamentos dar origem a uma nova molécula. Assim apenas a metade da molécula é sintetizada, e cada uma desta sendo constituída de um filamento novo e outro antigo. Esta teoria foi provada através de experimentos de Matthew Meselson e Franklin Stahl, em 1957. Segundo o experimento, as células crescidas por muitas gerações em meio contendo apenas 15N, fez com que todos os Nitrogênios do DNA, tornassem 15N ao invés do normal 14N. Em seguida as células foram transferidas a um outro meio contendo apenas 14N, onde acompanhou-se as duas seguintes gerações de replicação. A análise do experimento, foi feito por auto-centrifugação, utilizando-se solução concentrada de cloreto de césio, para que fossem isolados os dois tipos de DNA existentes 15N(DNA) e 14N(DNA). Devido à molécula parietal original, constituída de 15N e o meio contendo 14N, surgem dois híbridos 15N/14N(DNA), na primeira geração. A segunda geração deu origem a mais duas novas moléculas, somando-se agora um total de quatro moléculas, das quais duas são híbridas e duas formadas de 14N leve.
O DNA é primeiro desenrolado e replica-se em seguida, segundo experimentos de John Cairms. Para isso, Cairms utilizou técnicas de auto-radiografias (localização de uma substância radioativa com base na fotoativação de um filme de raios X adjacente) para observar DNA radioativo (devido destas terem crescidos em meio radioativo contendo timidina) de E. coli, marcadas com trício (3H). Assim pode concluir que para a formação das fitas filhas que complementariam a fita parietal, haviam pontos dinâmicos na extremidade das alças, chamadas forquilhas de replicação (ou replicating forks, local com formato de letra Y) que desenrolavam e separavam as fitas a serem replicadas. A separação é feita pela enzima helicase e a proteína ssp (single strand proteins) mantém os filamentos separados. Uma outra enzima, é a DNA-topomerase que catalizam interconverções de isômeros topológicos de DNA (relativos ao grau e natureza de super-helicoidização), incluindo mudanças no estado de super-helicoidização. O DNA de ocorrência natural apresenta super-hélice negativa com giro anti-horário. A DNA-topomerase atua após ter ocorrido quebra e nova reunião da estrutura. Nos humanos, é alvo para agentes anti-cânceres,e nas bactérias, para antibióticos. Podem ainda ter papel na regulação da transcrição e em condensação e descondensação de DNA. Existem duas classes de DNA-topomerases: I e II. O tipo I catalisa a clivagem de um filamento de DNA para formar um corte pelo qual passa o filamento complementar. O tipo II pode relaxar tanto super hélices negativas quanto positivas em um processo dependente de ATP. (Figura 3.)
Figura 3 – Forquilha de Replicação
As enzimas DNA-polimerases, atuam no processo de sintetizar DNA a partir de seus precursores. A principal enzima de duplicação é a DNA-polimerase III (com 10 moléculas/célula), embora apresente número bastante inferior à DNA-polimerase I (com 300 a 400 moléculas/ célula) e DNA-polimerase II (com 40 moléculas/ célula),a precisão estimando-se apenas um erro na replicação de 10000000000 bases, é devido principalmente, a uma propriedade especial da DNA-polimerase III: ela é capaz de conferir e remover as bases erradas, à medida que as adiciona ao novo filamento de DNA. A atividade do DNA-polimerase III se processa da seguinte maneira: 1) os precursores do DNA devem estar presentes sob a forma de desoxirribonucleotídeos trifosfato, que apresentam 4 diferentes tipos: dATP, dCTP, dTTP e dGTP, com bases adenina, citosina, timina e guanina. Os precursores fornecem energia, para a síntese de novos filamentos, derivado do processo de ruptura das ligações trifosfato, tornando estes fosfatos inorgânicos; 2) síntese do novo filamento e 3) organização dos desoxirribonucleotídeos complementares (AT e CG) nas bases do filamento antigo. As duas fitas do DNA são antiparalelas uma com a outra. O pareamento entre as bases que as mantém unidas, varia em quantidade de pontes de hidrogênio: Adenina e Timina dependem de 2 pontes de hidrogênio, e Citosina e Guanina são arranjados de modo a permitir a formação de 3 pontes.
A síntese do DNA prossegue em direção 5’ 3’ contínua, e é semidescontínua 3’ 5’ em uma das fitas. A descoberta de como ocorria a síntese desta fita, foi feita por Reiji Okasaki. Esta ocorre em pedaços curtos de modo descontínuo, cada pedaço é denominado fragmento de Okasaki. A fita líder ou contínua é sintetizada continuamente seguindo a mesma direção do movimento da forquilha de replicação, sendo a fita descontínua ou atrasada, progredindo em sentido oposto ao movimento da forquilha. Estes fragmentos variam muito de comprimento.Em bactérias, por exemplo possuem 1000 a 2000 nucleotídeos, já nas células eucarióticas de 150 a 200 nucleotídeos cada.
O DNA-polimerase III, não consegue iniciar a síntese de DNA sem o auxílio de um iniciador ou primer de RNA. Este RNA é naturalmente sintetizado sobre moldes de DNA, pela ação de uma RNA-polimerase denominada primase. A DNA-polimerase III, estende esta molécula iniciadora de RNA (primer), formando um segmento de DNA que contém um segmento mínimo de RNA. Posteriormente, a molécula mista, com o pequeno pedaço de RNA (primer) e uma longa extensão de DNA sofre a remoção do RNA, que é degradado, e o espaço deixado é preenchido por DNA por atividade da enzima DNA-polimerase I. Ao final, os fragmentos sofrem fusão por uma ligação de fosfato diéster devido a ação da enzima DNA-ligase, dando origem a uma fita filha contínua de DNA.
O interessante é que as células eucarióticas possuem múltiplos sítios de replicação, iniciados por estruturas denominados replicons, em cada cromossomo, se não fosse assim a fase "S", seria muito extensa. Estes atuam independentemente em vários pontos, propagando-se para os dois lados (replicação bidirecional), até encontrar o segmento do local vizinho(Figura 4.). A replicação é assinorênica isto é, apesar de replicons vizinhos replicarem simultaneamente, diferentes grupos de replicons no mesmo cromossomo, replicam em períodos diferentes da fase de síntese de DNA (fase "S"). Graças à precisão com que atuam as enzimas DNA-polimerases e a discriminação entre nucleotídeos corretos e incorretos (que dependem das pontes de hidrogênio estarem pareadas de modo correto entre as bases complementares), as bases incorretas são rejeitadas antes que se formem as ligações fosfodiésteres. Nos vertebrados, pelo menos cinco diferentes tipos de enzimas DNA-polimerase foram descritas: DNA-polimerase alfa, beta, gama, mitocondrial e induzida.
Figura 4 – Crescimento Bidericional
Nas células eucarióticas a replicação é mais complexa, devido serem maiores que a das bactérias, suas estruturas nucleoprotéicas são mais complexas. A velocidade do movimento da forquilha de replicação é apenas 1/10 quando comparada às da E. coli, no entanto ela é bidirecional e há presença de múltiplas origens.
Reparo de DNA
Em todas as células há presença de um elaborado sistema de reparo, codificados a partir do DNA. Estas informações são capazes de fazer com que as células substituam a proteína e RNA lesados. Estas lesões podem ocorrer a partir de variados processos, alguns espontaneamente, alguns catalizados por agentes ambientais físicos como: radiações ionizantes de alta energia, tais como raios X, raios gama, nêutrons, partículas beta e alfa, bem como radiações não ionizantes. de baixa energia, luz ultravioleta (esta exercendo ação sobre o DNA), como também por bases mal pareadas, ou diversos e complexos agentes químicos.
Figura 5 – Reparo de DNA
Quando o DNA lesado não sofre reparo, esta ao replicar transmite às futuras gerações a lesão inicial, tornando-se permanente tal alteração, é denominada mutação. A mutação quando ocorrida de modo a não alterar a função do gene, é chamada mutação silenciosa. Há casos raros em que estas mutações conferem vantagem à célula possibilitando que a seleção natural atue contribuindo para a evolução das espécies. No entanto, a maioria são deletérias às células, como a formação de dímeros de pirimidina devido a ação de UV no DNA. Ocorre indução de ligações C – C entre as pirimidinas adjacentes, isso faz diminuir a distância existente entre os nucleotídeos, alterando o mecanismo de duplicação que é então corrigido por um mecanismo de reparo. A correção do DNA defeituoso é feito em duas fases: a primeira específica para cada tipo e a segunda geral, igual para todos os casos. 1) Reconhecimento e corte da cadeia feito pela endonucleose (enzima que catalisa a hidrólise de ligações fosfodiéster que estão no interior de um ácido nucléico); 2) corte e ampliação da falha por exonucleose (enzima que catalisa a hidrólise de ligações fosfodiéster que estão na ponta de um ácido nucléico); 3) preenchimento da falha pela duplicação de reparo; e 4) ligação do polinucleotídeo pela ação da ligase (Figura 5.). Nas células humanas, existem mecanismos de reparo sendo importantes na doença Xeroderma pigmentosum, caracterizada por grave intolerância à luz solar, causando pigmentação, fibroses até cânceres de pele, por apresentar defeito nas enzimas que reparam o dano causado pelos raios solares.
O gene de uma célula, está possibilitado a sofrer um acúmulo de lesões, que não adquirem dimensões amplas graças ao sistema de reparo. Alguns exemplos, foram obtidos através de experimentos em E.coli, como: reparo de despareamento, em despareamentos; reparo de excisão de bases, em bases anormais, bases alquiladas, dímeros de pirimidina; reparo de excisão de nucleotídeos, em lesões de DNA que provocam grandes alterações estruturais, como dímeros de pirimidina; e reparo direto, sobre dímeros de pirimidina O6 – metilguanina. A possibilidade de reparos se dá principalmente, graças ao DNA ser constituído de dupla fita, pois a lesão em uma dessas fitas pode ser removida e substituída, seguindo o molde da fita complementar.
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