Por: Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Contra Kerry, acusado de "fraco" em defesa e
segurança nacional para enfrentar o terrorismo, o falcão que ainda repete a
mentira das armas do Iraque retoma o discurso de uma nova Guerra Fria. Já não
invoca o fantasma do "império do mal" comunista. Na embalagem nova,
amedronta a nação com outro "mal", o terrorismo, para manter ou
elevar o orçamento militar multibilionário e garantir a supremacia militar no
mundo.
As imagens das torres em chamas e do Pentágono atingido
ajudaram a falsificar a de George W. Bush, outro que teve proteção para fugir
do serviço militar, como uma espécie de herói de guerra. Se ele continua a
ser o terno vazio com o bolso recheado com milhões de dólares, como em 2000,
Cheney é bem mais do que isso - é um dos formuladores do novo pensamento
militar e estratégico de dominação mundial.
A visão estratégica dos
"neocons"
A estratégia de segurança nacional do governo Bush já
existia antes dos ataques de 11 de Setembro - antes mesmo de a direita
republicana recrutar o atual presidente, de recursos intelectuais limitados,
para o papel que desempenha agora. E Cheney, secretário da Defesa no primeiro
governo Bush e um dos arquitetos da Guerra do Golfo de 1991, foi partidário da
estratégia desde que ela começou a ser formulada.
Enquanto alguns sonhavam com potenciais efeitos positivos
do fim da Guerra Fria e da ameaça vermelha, que justificara os orçamentos da
corrida armamentista que se seguira à II Guerra Mundial, o sonho do complexo
militar-industrial era outro. Uma nova visão de política externa emergia no
grupo de ideólogos neoconservadores (os "neocons") que serviram ao
primeiro Bush e voltaram com o segundo.
Obviamente não estavam alheios a ela as poderosas
corporações de petróleo com grandes interesses no Oriente Médio ou com seus
próprios planos potenciais para essa região, da Chevron à Haliburton,
passando pela Bechtel e outras, mais as beneficiárias de contratos bilionários
do Pentágono. Não por acaso executivos delas passaram a integrar cargos
críticos na atual equipe de segurança nacional.
Receita de uma nova Guerra Fria
A receita ideológica assumida pelo atual governo, na
política externa e na estratégia de segurança nacional, começou a nascer
logo depois da primeira Guerra do Golfo, no grupo neocon de que participavam
Cheney e seu chefe de gabinete I. Lewis Libby e onde se destacava o atual
secretário Adjunto da Defesa Paul Wolfowitz - número 3 do Pentágono ao tempo
de Cheney, número 2 sob Donald Rumsfeld.
Eles redigiram em 1991 o documento Defense Planning
Guidance (Orientação de Política de Defesa), que expressa uma visão de
dominação militar unilateral dos EUA. A visão foi reciclada e aprofundada
pelos mesmos neocons em 1997, com seu Projeto do Novo Século Americano (PNAC),
retomando expressão lançada ainda na década de 1940 pelo fundador da revista
"Time", Henry Luce.
É sintomático que dois documentos do governo Bush
produzidos como respostas ao desafio terrorista do 11 de Setembro, o secreto
"Rebuilding America's Defenses: Strategy, Forces and Resources for a New
Century" (RAD: Reconstruindo as Defesas da América) e "National
Security Strategy" (NSS: Estratégia de Segurança Nacional), oficializem o
que, na verdade, já estava no DPG e no PNAC, anos antes do 11/9.
Fica claro, assim, que os ataques ao World Trade Center e
Pentágono foram usados como pretexto pelos neocons, no governo. Impingiu-se,
com base neles, a receita ideológica de uma nova Guerra Fria, garantindo a
dominação global americana. Diz o NSS, ao expor os novos desafios à
segurança nacional, que o inimigo já não precisa, como no passado, de grandes
exércitos e capacidade industrial para por a América em perigo.
A doutrina, muito antes do pretexto
Agora, segundo o NSS, grupos de indivíduos podem
"trazer caos e sofrimento ao nosso território a custo inferior ao de um
único tanque". Nessa guerra assimétrica (nova expressão do Pentágono),
"os terroristas se organizam para dirigir contra nós o poder das
tecnologias modernas". Mas a estratégia já existia antes do 11/9. Não se
tentou adotá-la antes porque os neocons sairam do governo com a derrota de Bush
em 1992.
É compreensível a proliferação de teorias
conspiratórias na Internet. Seria tão difícil arranjar pretexto para a nova
doutrina como o foi para a Doutrina Truman em 1947, quando o governo, para
convencer os americanos sobre a ameaça vermelha, teve de amedrontar o país -
"scare hell out of the American people", conforme a frase célebre, na
época, do republicano Arthur Vandenberg, que deu apoio a Truman.
Osama Bin Laden, enfim, realizou o sonho dos neocons. A
imagem das torres em chamas é ameaça até mais concreta, para os americanos,
do que a do comunismo na Guerra Fria. Diante dela a Pax Americana, com guerras
sem fim ("guerras perpétuas para paz perpétua", como disse Gore
Vidal), ocupação militar, tropas espalhadas pelo mundo todo, garantindo os
interesses econômicos, pode parecer menos criminosa.
argemiroFerreira@hotmail.com
Ainda que tenhamos muito a lamentar quanto ao ocorrido no
dia 11 de setembro de 2001, devemos nos lembrar que nas torres do World Trade
Center pereceram não apenas americanos cristãos, como também ateus, judeus, e
mesmo árabes e ocidentais mulçumanos. Se houve fanatismo cego da parte dos
perpetradores de tal crime hediondo, não menos fundamentalista foi o discurso e
as ações das autoridades civis norte-americanas. A guerra contra o terrorismo
no Afeganistão - onde certamente a maior parte da população não se vinculava
à Al Quaeda de Osama Bin Laden, embora globalmente sofressem já há muito
tempo nas mãos dos Talibãs (sem que,a té esta data fatídica, o ocidente
fizesse muito caso disso) - acabou por se apresentar como um show exagerado de
demonstração de poderio bélico e da punjunça de quem detem o poder
econômico (ironicamente, a família Bin Laden, riquíssima por suas empresas de
Engenharia, possuem ótimas relações com os Estados Unidos, inclusive com a
família Bush). E pelo que notamos, os cabeças não pretendem parar sua luta
contra o "terrorismo" por aqui. Certamente o Iraque será a bola da
vez.
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