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Consciente e inconsciente

Por Malomar Lund Edelweiss 

Pode comparar-se o processo chamado consciência com a percepção da luz. Quando digo que vejo, refiro-me a uma capacidade sensorial bem definida: o sentido da visão. Em termos exatos, o que realmente vejo é um objeto iluminado e não a luz em si mesma. Mas, sem ela, eu não o veria. Assim, quando afirmo que estou consciente, sempre o é de alguma coisa. Esta ‘coisa’ não precisa ser um objeto material. Posso estar-me ocupando com um pensamento, por exemplo: por que é que não consegui ajudar melhor alguém que recorreu a mim?

Tomar consciência do que quer que seja é função complexa. O conscientizar é um ato mental, um processo de natureza psicológica. Posso entendê-lo sob mais de um aspecto: traçar, num mapa, uma linha para designar uma estrada que deva criar-se entre dois pontos é diferente dessa mesma comunicação (via aérea, rodoviária, fluvial, etc.) enquanto ela é construída, de fato, com o emprego de material, instrumentos e operações para realizá-la.

Consciente

Foi vulgarizado, pela psicanálise, o termo consciente como adjetivo e como substantivo. Da mesma forma o seu oposto: inconsciente. Pierre Janet, para expressar o mesmo, preferia o vocábulo subconsciente. Posso dizer que estou consciente, neste momento, do fato de que estou lendo ou escrevendo. Estaria inconsciente se estivesse em coma, num transe hipnótico profundo, num êxtase, desmaio, etc. Mas também estou inconsciente daquilo que esqueci, p. ex., do que almocei há uma semana, do sonho que tive a noite passada e não recordo.

Nestas frases, vigora o adjetivo. Se eu falar de "o consciente", substantivação do adjetivo, estou-me referindo, em sentido próprio, a: o conjunto de representações que estão, no momento, no meu campo de consciência. Em sentido figurado - isto vem de Freud - é como um ‘território’ onde residem as minhas percepções atuais*. Da mesma forma, o inconsciente seria o ‘espaço’ onde se acomodam todas as representações que não me são percebidas aqui e agora.

Uma estrada de comunicação a erigir-se entre dois pontos requer operações diferentes, coordenadas, para construí-la. Estas dependerão da natureza da própria comunicação em si, da espécie de terreno, do material adequado ao caso, etc. O trabalho será fácil ou árduo, conforme as circunstâncias do todo e de cada um dos elementos necessários. O trânsito pode ser ágil, difícil ou, até, emperrado. Posso figurar que algumas coisas em minha mente, estão mais longínquas, nas últimas fronteiras do inconsciente com o biológico, têm maior percurso a fazer, portanto, demoram mais a chegar até a consciência; também outras, por própria natureza do ‘material’ que as constitui, são de mais difícil locomoção, que tem de ser mais cuidadosa e lenta. Ou, ainda, a própria estrada pode estar em piores condições de tráfego num momento dado. A conscientização se perfaz, dependentemente de vários e sucessivos procedimentos. Na evolução do indivíduo humano, o itinerário natural da conscientização se desdobra a partir do inato inconsciente (cujo grau desconhecemos, até hoje) a um ‘crescendo’ consciente. Junto com isto, vai-se formando, também, natural de ida e volta. O que é, no seu modo e ritmo próprios, conscientizado, pode retroceder, de novo, ao inconsciente. Sem isto, nem a memória poderia funcionar, pois tudo o que foi vivido até um certo instante viria coletivamente ao campo da consciência, e o sujeito não teria como pensar, especificamente, uma só coisa. Seria impossível, destarte, orientar-se.

A comunicação em dois níveis, freqüentemente citada em psicologia e, em especial em terapias com o emprego da hipnose, de modo habitual se subentende que o seja nos níveis consciente e inconsciente. É o normal no relacionamento cotidiano. Se eu enviar a alguém a fotografia de uma bela zebra, o destinatário, com toda propabilidade, não necessitará de fazer extraordinárias elucubrações filosóficas para entender uma ou muitas coisas. Estamos envolvidos nessa comunicação, ele e eu, de acordo com circunstâncias de que ambos participamos. A comunicação em dois (não mais ...?) planos é tão idosa quanto os ditados populares que há muito a expressam: "para bom entendedor, meia palavra basta"; "para quem sabe ler, um pingo é letra"; e outros.

Em quantos níveis, em geral, são as palavras entendidas? Dependerá da capacidade de compreensão de quem as ouve ou lê, do significado atribuído a elas, de um lado, pelo emitente e, do outro, pelo receptor. De certo, não coincidem nunca de modo total. Essa pluralidade do sentido de um vocábulo é efeito da analogia, que opera desde que o ‘homo sapiens’ existe**. Ela supõe, entre duas coisas, traços idêntidos acompanhados de outros diferentes. Semelhanças entre dissemelhanças. Tomemos o termo "pé". Todo ser humano, de corpo normal, o tem. Também são providos de pés os mamíferos e as aves, mesas e cadeiras, plantas, etc. Com absoluta veracidade não são, simplesmente, intercambiáveis. Ainda que a linguagem do homem os use, quando esse mesmo homem (que pode ser, pessoalmente, um assim chamado ‘pé-de-boi’) se tiver a infelicidade de perder um pé num acidente, não o substituirá pelo correspondente membro de um bovino. Que é um ‘pé-de-cabra’? É, lieralmente, o da cabra, fêmea do bode? Tais locuções, com os seus diferentes termos e o que eles dizem, em vários níveis ou sentidos, pertencem à diária realidade de cada um. A palavra, enquanto sinal verbal (oral ou escrito) ou gestual - remete a outra coisa por ela representada. Por isto, ela nos é significante ou significativa, pois nos conduz a um significado. Ela também é, por isto mesmo, um estímulo. Este pode atingir o que é imediatamente conscientizável. É o que sucede durante a maior parte de um diálogo normal. Mas pode, igualmente, acenar para outros sentidos que, só mais tarde, serão alcançados, porque só então eles se farão presentes ao campo da consciência. A distância, no tempo, entre aquele estímulo que me é transmitido e o que me venha a surgir dentro de mim, por via desse estímulo (de fato, o meu interlocutor pode desejar que eu entenda, ou não), pode ser curta, longa ou a perder-se de vista.

Inconsciente

Num sentido muito amplo, pode abranger tudo que está como em latência, semelhante ao germe de uma semente que ainda não brotou e se pudesse perceber o que continha. A um adolescente de seus quinze anos, certa vez, perguntei qual sua música preferida. Respondeu que heavy metal e outras do estilo. Pus-lhe, então, para ouvir, o terceiro movimento da nona sinfonia de Beethoven. Ficou estasiado, em profundo silêncio, e, ao fim, declarou: "Como isto acalma a gente!". Respondi-lhe: "Note, você descobriu algo que tinha dentro de si; você não sabia que sabia gostar de música clássica". Faltara-lhe, apenas, até então, a oportunidade adequada para que o potencial existente se revelasse.

O recalcamento expulsa do campo da consciência representações vividas, com suas cargas intoleráveis. Entra-se, aqui, no terreno dos afetos, e não é em vão que seja intensamente relembrado, em nossos dias, o conhecimento sobre o efeito das emoções que, entre outras coisas nada raras, inibem a inteligência. Acrescente-se o automatismo psicológico. E há mais do que isto.

Para o estudo de quanto aqui se aglutina e vislumbra, os fenômenos hipnóticos ressurgem com todo valor. Eles haviam tornado manifesto o inconsciente como algo real, tangível e objeto da experiência (1923 - Breve Ementa de Psicanálise - GW XIII 407/08 - SE XIX 192). Anos mais tarde, em pleno viço da psicanálise, o mesmo Freud declara ainda não haver-se achado nenhum sucedâneo para a hipnose (1937 - A análise finita e a análise infinita - GW XVI 74 - SE XXIII 230). Isto é, nada havia sido descoberto que produzisse seus bons efeitos conhecidos, sem as conseqüências indesejáveis que Freud lhe atribuia e pelos quais a abandonara. É implicitamente claro. Aos olhos de seu fundador, a psicanálise, com seus magníficos atributos, não sepultava a hipnose. Permaneceu evidente "a genuinidade de certos fenômenos hipnóticos..." - (1938 - Some Elementary Lessons in Psycho-Analysis -GW XVII 46 - SE XXIII 285 ).

Ignore-se? Ou: estude-se!

(*) No caso, émetonímia, uma figura de pensamento, que substitui um conceito por outro, analógico, sob aspectos como:

a - o continente pelo conteúdo: "O Canadá fala duas línguas, o inglês e o francês". De fato, é a população que fala.

b - a parte pelo todo, por exemplo: o namorado que pede a mão da filha de alguém em casamento.

c - o sinal pela coisa significada, p. ex.: a toga, pela magistratura.

(**) Analogia não se confunde com metáfora. Existem analogias na atividade trabalho de todos os profissionais liberais. Mas a atividade de nenhum deles não é metáfora da do outro.

Mais densa é a homologia, que designa características iguais de função. A cirurgia feita por um odontólogo tem a mesma função que a de um médico. A psicoterapia exercida por um psicólogo é, enquanto tal, a mesma que é exercida por um psiquiatra. Na fronteira todos os processos psicológicos, entretanto, não existem linhas geométricas a separá-los.

Há anos, em Porto Alegre, um pediatra narrou o seguinte fato. Era cliente seu um menino de sete anos, cuja família, de tanto em tanto, recebia a visita de um senhor a quem haviam psssado a chamar de doutor "Roubinat" (a grafia pode estar incorreta), nome de um purgante francês muito em voga na época. Certa noite, anunciado de antemão, chegou o doutor. À mesa, na hora do cafezinho, ficou assentado numa das cabeceiras. Na outra, bem defronte, instalou-se o menino, que dava mostras de estar pensativo, silencioso, como que preocupado, a ruminar algo. De repente, os olhos do garoto brilham, ele aponta o dedinho para o visitante e pergunta, jubiloso e vivaz: "O sr. é que é o Dr. Magnésia?"

Fonte: http://www.malomar.com.br/

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