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Computador e Cognição

Por Antônio Rogério da Silva

A aplicação do conceito de compreensão computacional das representações mentais levantou novos problemas que, de outro modo, não seria possível os conceber. Por causa das diversas tentativas de simular o pensamento através dos computadores, descobriu-se que os seres humanos raciocinam diferente das máquinas seriais digitais e mesmo do processamento totalmente em paralelo. A superação do dualismo platônico e cartesiano não isentou as correntes materialistas de maiores explicações sobre o funcionamento correto da mente, gerado por uma estrutura física.

Hoje, já tem-se a nítida impressão de que, para entender adequadamente as atividades cognitivas humanas, se faz necessária uma interpretação que integre os aspectos empíricos e psicológicos das emoções, imagens, narrativas, consciência, do meio ambiente, bem como o processamento dessas informações. A perspectiva computacional e representacional precisa expandir-se e ser suplementada. Desse modo, para manter sua hegemonia na ciência cognitiva, essa corrente, deve buscar na neurologia e na biologia os temas indispensáveis para uma compreensão ampla do funcionamento da mente humana.

Resta ainda muito a ser dito sobre a consciência e influência ambiental nas tarefas mentais do indivíduo. Os filósofos cognitivistas costumam identificar os estados de consciência sob o conceito de qualia -as qualidades sentidas ou fenomênicas ligadas às experiências, tais como as sensações dos cinco sentidos e das vontades internas. Assim, quando alguém tem consciência sobre suas crenças e desejos, ou sobre uma sensação física (dor ou prazer), se diz que essa pessoa possui um quale de cada um desses estados mentais. Todas essas sensações formam uma série de estágios interligados pela história individual, com os qualia constituindo uma unidade própria. A consciência é, portanto, construída por uma grande quantidade de peças que montam um "quebra-cabeça" centrado no sujeito consciente de seus estados mentais e que possui uma história que os integra.

A Consciência de Si Computada

Ao lado das emoções e sentimentos, que auxiliam o processo deliberativo, chamando atenção para as características negativas e positivas de uma ação, a consciência identifica as representações e os cálculos computacionais como sendo aqueles de um indivíduo em particular. Os qualia classificam com maior precisão as representações mentais que descrições verbais e pictóricas não conseguem detalhar. Todos sentem o sabor amargo e rascante do chocolate puro e do vinho tinto seco, mas só os especialistas conseguem captar a qualidade superior do chocolate amargo e do vinho tinto seco sobre o chocolate ao leite e os vinhos suaves (tinto, rosado ou branco).

A consciência tem a tarefa de focalizar aquilo que é mais importante para um determinado indivíduo. Afinal, "gosto não se discute". Nesse sentido, a consciência pode ser interpretada como um sistema cerebral que orienta o processamento de informação para o aspecto prioritários, sempre sob a perspectiva subjetiva. As experiências neurológicas sobre a memória de curto prazo e da atenção apontam para vinculação de algumas atividades cerebrais e os estados de consciência.

No início da "Década do Cérebro" (os anos 90), cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) sugeriram a primeira teoria neurofisiológica sobre a consciência. De acordo com essa teoria, várias regiões do cérebro ligam-se por pulsações sincronizadas que atravessam os circuitos neurais responsáveis pelas ações voluntárias. Não haveria um centro específico para a consciência, mas o resultado da atuação de diversas áreas especializadas na percepção dos sentidos, no estado de atenção e vigília, na memória de curto prazo e nas emoções. Essas funções integradas constituem o agente que procede à escolha por um determinado comportamento a ser desempenhado(1).

Existem cerca de cem trilhões de conexões sinápticas no córtex cerebral. Uma interpretação materialista deve considerar que todas atividades mentais são desenvolvidas por redes neurais, concebidas por modelos computacionais simplificados que se aproximam das ligações e realizações complexas existentes no cérebro. Por conta disso, a teoria da computação representacional pode abranger as considerações biológicas da neurologia, além dos testes implementados pela psicologia experimental. Essa integração promove uma melhor compreensão da cognição em alto nível, resolvendo problemas empíricos ligados à consciência e emoções por exemplo(2).

Um Corpo Pensante

A despeito dessas observações, a crítica ambientalista também deve ser considerada pela ciência cognitiva, para uma completa explicação dos fenômenos mentais. É verdade que, para um "eu" emergir, ele precisa estar desperto, atento e imaginando coisas. Porém, para que este sujeito seja reconhecido como alguém dotado de consciência, racionalidade, responsável por seus atos, portador de direito e deveres, é preciso ainda um envolvimento ambiental e a participação social na formação desse indivíduo. Destarte, uma pessoa pode ser reconhecida esteja ela dormindo ou acordada.

Quando um sujeito neural é concebido, não se supõe que todo conteúdo representacional da mente seja acessível a um centro da consciência localizado apenas num setor do cérebro. O sujeito pode, entretanto, inspecionar a maior parte de suas representações, embora não todas. A estabilidade e coerência biológica depende da constante regularidade do organismo e seu ambiente, numa interação que acompanha a lenta e contínua transformação de sua história pessoal. Tal narrativa pode ser desenvolvida através do uso dos instrumentos representacionais dos sistemas sensoriais e motores no espaço e no tempo. A narrativa verbal comumente observada em terceira pessoa constitui uma capacidade de segunda ordem que parte dos relatos não verbais. Essa é a forma mais apurada da subjetividade humana a qual todos os outros tem acesso numa comunidade lingüística(3).

A interação do agente racional com o meio é mais um desafio que a teoria computacional tem de enfrentar. Até pouco tempo, a inteligência artificial (IA) restringiu o processo de raciocínio a tarefas computáveis que ignoravam a maior parte das reações recíprocas entre os seres humanos e o mundo. Por conseguinte, essa negligência no interior da ciência cognitiva foi alvo de muitas objeções por parte de filósofos existencialistas e pesquisadores que não se adequaram ao modelo padrão da IA.

Hubert L. Dreyfus foi um dos primeiros a esboçar uma crítica ontológica e fenomenológica, apoiada na filosofia do alemão Martin Heidegger (1889-1976) e do francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Terry Winograd, o inventor do emblemático SHRDLU, mudou radicalmente sua visão cognitiva sob a influência do político chileno Fernando Flores. Ambos desenvolveram juntos uma interpretação não representacional da linguagem, adotando uma perspectiva pragmática que visa reexaminar as estruturas lingüísticas motivadoras da ação. Os atos ilocucionários formam o campo de estudos para o qual está voltada a pesquisa atual de Winograd e Flores.

Acompanhando essa tendência, Rodney A. Brooks chefia a equipe do MIT, que inclui o filósofo Daniel Dennett, no desenvolvimento do projeto COG, cujo objetivo é construir um robô com feições humanas, capaz de interagir com a natureza e os seres humanos. Ao invés de operar regras codificadas sobre como agir, COG aprende com as pessoas como deve-se comportar, sem utilizar representações mentais clássicas. O robô foi projetado para crescer desde a infância. As informações adquiridas por cada versão do mecanismo são registradas e passadas a geração seguinte, como se fossem inatas. Dessa forma, as diversas versões do COG -1,2,3 etc.- atravessarão em pouco tempo os quatro milhões de anos de evolução enfrentados pela espécie humana.

Do mesmo modo que as pessoas interagem com o meio, o computador, para poder simular a mente humana, deve ser lançado no mundo. As informações são transmitidas pelo ambiente através dos sentidos até a mente. Psicólogos de tendência ecológica consideram que equipamento perceptivo está em harmonia com a natureza, de modo que as sensações são transmitidas para o cérebro, sem necessidade da intermediação das representações. O corpo passa a ter um papel fundamental nesse processo, pois, sem ele, todo o sistema neural teria uma estrutura diferente da humana, tal como ela é entendida, talvez fosse semelhante aos computadores atuais. Através do corpo, o ser humano adapta-se ao mundo e responde a seus estímulos. Para aprofundar o conhecimento da estrutura do mundo, a teoria computacional tem pela frente a tarefa e incluir o mundo, o corpo e suas potencialidades. Uma interpretação integral do raciocínio humano deverá unir operações não representacionais -como o contato direto com a natureza- e os procedimentos computacionais -baseados em regras(4).

A Sociedade Mundial da Mente

A vida em sociedade proporciona alguns comportamentos que também não podem ser meramente explicados por uma teoria computacional clássica. Os estudantes de história, ciências sociais e filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, muito provavelmente, quando marcam encontro com alguém no centro da cidade do Rio de Janeiro, preferem um local próximo às cercanias do largo de São Francisco. Quando se pede a um grupo de pessoas para citar uma quantia de dinheiro, que todos ganharão se acertarem individualmente qual a soma que o outro escolherá, 12 em 41 pessoas mencionam a cifra de um milhão, enquanto os demais aceitariam qualquer valor que fosse uma potência de dez -cem milhões, dez mil, um bilhão etc. Isso porque, tal como no ponto de encontro comum aos estudantes do IFCS, um milhão é uma quantia que simboliza convencionalmente a riqueza, segundo os critérios de uma comunidade, no caso a sociedade ocidental(5).

Psicólogos e antropólogos vêm defendendo a noção de uma cognição distribuída, na qual não participariam apenas mentes individuais, mas um programa partilhado por muitos indivíduos cooperadores, que agem tendo em vista um fim qualquer. Num empreendimento cooperativo, as pessoas precisam desenvolver uma representação comum da tarefa a ser executada. Para tanto, elas precisam comunica-se de algum modo, para garantir a realização coerente do projeto coletivo. Comunicação e cooperação sempre são necessárias em atividades que envolvam mais de uma pessoa.

No início da IA, os computadores eram poucos e executavam trabalhos discretos sem a participação de outros equipamentos externos. Hoje em dia, cada vez mais os computadores são interligados uns aos outros, em uma rede que já assumiu proporções planetárias, a INTERNET -rede internacional. A INTERNET conecta milhões de máquinas em todo mundo que atuam como vários componentes de inteligência artificial especializados. O desafio para essa inteligência artificial distribuída é coordenar os esforços de uma malha gigantesca, no intuito de que todos cooperarem no desenvolvimento de um trabalho unificado, a partir de banco de dados diferentes, próprio de cada computador. Tal como uma enorme rede de conexões neurais artificiais, esses computadores especialistas podem trabalhar em paralelo, para solução geral de problemas, ressalvando a peculiaridade desse sistema que é o fato de que cada computador isolado, já constitui um sistema limitado inteligente, que pode operar mensagens complexas e não como uma mera conexão que só ativa outra unidade interligada.

As representações mentais de um indivíduo são constituída para atenderem as necessidades de cada um e para serem partilhadas e aprendidas socialmente. A linguagem atua, portanto, como um processo comunicativo interpessoal, pelo qual as representações são parcialmente transmitidas em sociedade. Por intermédio de protocolos, os computadores podem trocar entre si, em linha, os dados que fazem parte de um correio eletrônico, transferindo informações sem muita dificuldade. Uma abordagem das representações mentais completa também deve levar em conta, agora, os conceitos sociais, culturais e comunicativos, além das emoções, consciência e integração com o meio ambiente. Isso quer dizer que considerações biológicas, sociais, psicológicas e computacionais devem encontrar um lugar pertinente de compreensão mútua. Só essa integração de esforços cognitivos, aparentemente divergentes, poderá fornecer uma explicação eficiente da vasta gama de acontecimentos mentais. Nesse contexto, a mente e a sociedade são concepções complementares que não precisam necessariamente estar em oposição. As dimensões sociais do raciocínio dependem de uma descrição representacional dos procedimentos mentais individuais para a compreensão adequada da maneira como os problemas são resolvidos, o que ocorre por meio de uma aprendizagem e linguagem próprias dos seres inteligentes(6).

_Computador e Cognição;

_Texto: THAGARD, P. Mente, II, caps. 9 e 10, pp. 141-167.

 

Referência Bibliográfica

DAMÁSIO, A. R. O Erro de Descartes; trad. Dora Vicente e Georgina Segurado. - São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

GARDNER, H. A Nova Ciência da Mente; trad. Cláudia M. Caon. - São Paulo: Edusp, 1995.

PESSIS-PASTERNAK, G. Do Caos à Inteligência Artificial; trad. Luiz P. Rouanet. - São Paulo: Unesp, 1993.

PINKER, S. Como a Mente Funciona; trad. Laura T. Motta. - São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

RAPOPORT, A. Lutas, Jogos e Debates;trad. Sérgio Duarte. - Brasília: UnB, 1980.

THAGARD, P. Mente; trad. Mª Rita Hofmeister. - Porto Alegre, 1998.

Notas

1. Veja PINKER, S. Como a Mente Funciona, cap. 2, p. 151.

2. Veja THAGARD, P. Mente, part. II, cap. 9, 141-152.

3. Veja DAMÁSIO, A.R. O Erro de Descartes, part. 3, cap. 10, pp. 269 e 274.

4. Veja THAGARD, P. Op. Cit, idem, cap. 10, pp. 155-160.

5. Veja RAPOPORT, A. Lutas, Jogos e Debates, part. II, cap. XIII, p. 165.

  1. Veja THAGARD, P. Idem, ibdem, cap. 10, pp. 161-165.

Fonte: http://www.geocities.com/discursus/