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Imagem Mental

Por Antônio Rogério da Silva

Perante tudo que foi dito sobre percepção visual, afinal, ainda restam dúvidas quanto ao fato de existirem ou não imagens mentais. Há quem diga que tais imagens não passam de descrições verbais e abstratas, cujo significado não pode ser apreendido senão pela linguagem. Pesa contra a imaginação seu caráter subjetivo, que a torna inacessível a outros indivíduos além de quem imagina. Falta saber também se a imaginação é ativada, caso ela realmente exista, pela mente como a percepção normal ou se ela sofre outras influências.

Assim, para responder o número certo de janelas do prédio no qual se encontre, uma pessoa percorrerá mentalmente a imagem das fachadas contando uma por uma. Nessa tarefa, a soma total das janelas dependerá da visualização interna, bem como do conceito abstrato de número. É provável que o uso de imagens mentais seja necessário sempre que um problema envolva coordenadas espaciais ou, como já foi dito antes, a procura de coisas, aproximação de um detalhe, criar um trajeto de locomoção mais curto etc. Porém, quanto a avaliar a justiça de uma conduta, imaginar a curvatura do espaço, a "mãe de todas as guerras", recordar o nome de uma pessoa ou objeto e negar a verdade de um enunciado, talvez o recurso a figuras não sirva para apontar uma resposta adequada. Tais restrições podem indicar que a imagética seja ilusória, pois no fim das contas, enquanto uma representação pictórica pode ser descrita numa grande quantidade de sentenças ou equações algébricas, o inverso já não ocorre, isto é, existem problemas que não podem ser resolvidos apenas por imagens.

Excerto por essa pequena vantagem reducionista em favor da linguagem verbal do pensamento, experiências recentes comprovam que o uso da imagem, apesar de suas limitações, efetivamente é empregado, não só pela mente humana, como pela de outros primatas, pelo menos. Recursos a mapas corticais, esboços em duas e meia dimensões e memória visual são evidências dificilmente questionáveis, a não ser por céticos radicais que não admitem provas empíricas.

Os amantes do cinema mudo sabem o poder que as imagens têm para gerarem sensações táteis, auditivas, gustativas, estimular o intelecto e provocar emoções. A aceitação universal do cinema como arte deve-se muito ao fato histórico de que, em sua fase inicial, as legendas eram dispensáveis para a compreensão correta da narrativa. Contava-se uma história apenas por imagens que seguiam uma gramática própria que passou a ser conhecida por linguagem cinematográfica, repleta de planos de aproximação diferentes, enquadramentos específicos, movimentos de câmaras suficientes para darem a dramaticidade exigida pela encenação. A integração dos imigrantes de diversos países que se dirigiram para os Estados Unidos, no início do século XX, em muito é devida ao cinema mudo que não exigia o domínio da língua inglesa aos italianos, poloneses, russos, chineses que acabavam de chegar.

O Retorno à Imagética

A habilidade em criar e experimentar situações virtuais, de combinar informações de forma pouco comum ou de inventar imagens mentais é alvo de muita controvérsia entre filósofos e psicólogos. A relutância em aceitar os quadros pictóricos da mente não atinge somente as evidências exibidas pela maioria das pessoas, mas também a capacidade criativa de artistas e pensadores não-lingüísticos. Os primeiros psicólogos, como Wilhelm Max Wundt (1832-1920) e Edward Titchener, perscrutavam os relatos de seus pacientes sobre suas imagens internas, visões e sonhos, no final do século XIX, para sugerirem uma teoria imagética inicial.

Entretanto, a hegemonia das pesquisas behavioristas, no período que vai das primeiras décadas do século XX, até o início dos anos 70, impediu a continuidade da investigação das representações mentais. As pesquisas sobre rotação das imagens elaboradas por Roger Shepard, na universidade Stanford, reintroduziram o tema das representações pictóricas no centro das atenções da ciência cognitiva. Os resultados observados por Shepard trouxeram de volta as questões sobre o mecanismo serial de computação, já que elas demonstravam uma passagem ordenada por uma seqüência de estados para compreensão das figuras expostas em suas diversas posições.

Steven Kosslyn partiu da iniciativa de Shepard para empreender novos testes que visavam ampliar o número de provas empíricas sobre a existência e flexibilidade da imagética mental. Kosslyn demonstrou que procurar propriedades geométricas de um objeto ausente, localizar coisas em um mapa ou responder perguntas sobre fatos cotidianos apresentam uma relação de tempo linear entre a distância dos objetos a serem localizados, freqüentemente diferente de uma busca real. Num espaço virtual, as perguntas inesperadas exigiam uma inspeção cuja resposta dependia do tamanho da parte a ser identificada. Objetos menores e mais distantes levavam mais tempo que os maiores e mais próximos para serem encontrados. Quando as questões recaíam sobre fenômenos familiares para o ouvinte, a rapidez das respostas resultaria da nitidez da imagem gravada na memória.

Kosslyn propôs, então, uma teoria imagética sobre as representações mentais figurativas, na qual as imagens são tão importante para compreensão da cognição quanto o método proposicional. Inicialmente ele concebeu um modelo de um tubo de raios catódicos -os tubos de imagem dos monitores de TV e computadores- acionados por um programa de computador, explicando assim o surgimento de figuras na mente. Em 1992, esse modelo computacional foi substituído pelo modelo conexionista das rede neurais, onde o estímulo visual flui entre as conexões sinápticas que interpretam a informação obtida pelo ajuste de pesos que as ligam a outras unidades cerebrais(1).

Experiências Contra Argumentos

O psicólogo canadense Zenon Pylyshyn não ficou nada satisfeito com o retorno do modelo imagético. Para Pylyshyn, o processo cognitivo é totalmente computacional e o comportamento do sistema pode ser explicado por propriedades intrínsecas de leis biológicas. Assim, as imagens não estariam fixadas no equipamento físico, mas no programa que seria composto por um conjunto de símbolos ou proposições abstratas manipuláveis. Portanto, as representações visuais não passariam de um epifenômeno -evento superficial, produto acidental de um processo, que não tem efeitos próprios- secundário à execução das regras algorítmicas(2).

Embora admitindo um nível proposicional de codificação básico, Kosslyn realizou experimentos com intuito de provar que as áreas visuais do lobo occipital são a sede das imagens. Usando o tomógrafo por emissão de pósitrons (PET), ele pediu a seus pacientes que com a cabeça no interior da câmara de irradiação, de olhos fechados, respondessem perguntas sobre letras maiúsculas e minúsculas do alfabeto. O córtex visual foi ativado em diversas localizações, na periferia pelas maiúsculas e no centro da fóvea as letras menores. Curiosamente, por vezes, as representações visuais imaginadas, mobilizavam uma maior área do córtex, do que a percepção direta da imagem, refutando a concepção de uma atividade tênue da imaginação, que, pelo contrário, pode ser muito intensa(3).

Numa experiência decisiva quanto a atividade imagética no cérebro, Roger B. H. Tootell coloriu o córtex visual de um macaco e demonstrou que, quando o animal via uma figura qualquer, os neurônios ativados formavam um mapa topográfico semelhante à estrutura do que estava sendo visto(4). Por sua vez, o neurologista francês Jean-Pierre Changeux, partindo das hipótese de Kosslyn, definiu imagem como "um objeto de memória autônomo e fugaz cuja evocação não exige uma interação direta como o meio"(5).

Mapas corticais, representações visuais, memória fotográfica proporcionam um instrumental cognitivo poderoso para o processamento de raciocínio espacial e na solução de problemas relacionados à aparência das coisas. Ao invés de utilizar uma longa lista de operações lógicas, o recurso a imagens permite a elaboração de um plano de curso desde o início até o final da tarefa a ser executada. As soluções gerais de problemas obtêm mais êxitos pela utilização de diagramas que tornam os objetos mais compreensíveis. As tomadas de decisões, freqüentemente, empregam recursos imagéticos que simulam as opções disponíveis, antecipando as conseqüências, para só então comprometer o agente com a mais viável. Entre muitas outras aplicações, incluindo lingüísticas e na aprendizagem, o uso de imagens torna o processo de compreensão mais ágil. Muitas metáforas são originalmente visuais, enquanto no processo de generalização de uma categoria a representação por imagens pode ignorar as informações singulares, mantendo a estrutura geral e as propriedades relevantes para o conceito. A linguagem pictórica dos ideogramas do dialeto mandarim que constitui a base da língua chinesa, ao lado da linguagem de sinais dos surdos, são exemplos autênticos de que o raciocínio pode operar exclusivamente por imagens.

"Pá" de Idéias

Em Como a Mente Funciona (1997), Pinker cita o caso de Edward Titchener, um psicólogo experimental norte-americano que, no início do século XX, aceitou o desafio de criar imagens de idéias abstratas. O conceito de vaca ele definiu por "um retângulo alongado com uma expressão facial, uma espécie de beiço exagerado", enquanto o próprio significado, segundo Titchener, era representado como "a ponta azul-cinzenta de uma espécie de pá côncava, com um pedacinho amarelo acima (provavelmente uma parte do cabo) e que está cavando em uma massa escura do que parece ser um material plástico"(6).

Exageros à parte, é possível que nem todos possuam uma "pá" de idéias na cabeça, como Titchener. Nos casos mais restritos, muitas vezes, será conveniente manter o método do cálculo lógico-lingüístico. A avaliação da justiça de uma norma moral, ou relações causais entre objetos que não possuam propriedades visuais claras, como o "cérebro segrega o pensamento", ou "o gato de Schorödinger está 50% morto e 50% vivo", ou ainda "a gravidez da virgem" exigem algo mais além da imaginação fértil. Operações lógicas, como as do cálculo proposicional e dos predicados, precisam de uma descrição verbal ou algébrica para um entendimento melhor, não obstante a possibilidade de se criar exemplos aproximativos que de fato já são aplicação da própria regra de construção lógica.

Nem sempre as imagens mentais reproduzem com exatidão o objeto da representação. Caso isso ocorresse, não seria possível distinguir a imaginação da realidade. Mesmo assim, elas preservam um caráter concreto que as representações proposicionais não podem alcançar. Elas captam a geometria do objeto e não apenas o seu significado, o que as tornam vulneráveis às ambigüidades observadas nas ilusões de ótica. Além disso, o registro de imagens é fragmentado, dependendo do ponto de vista em que foram memorizadas. Para formar-se a imagem completa, uma coleção de várias representações faz-se necessária, o que resulta num arranjo pouco fiel à percepção original. Os artistas plásticos tiveram de enfrentar diretamente esse problema, sendo o cubismo a tentativa radical de expressar a figura percebida, tal como sua representação mental.

Por outro lado, as representações visuais são facilmente influenciadas por uma organização conceitual lingüística estabelecida ou pelas emoções e sentimentos. Para evitar esse problemas de definição, é preciso que o pensamento disponha de conceitos unívocos que façam as representações coerentes. Embora uma imagem valha mais do que mil palavras, as fotografias de jornal vêm sempre acompanhadas por legendas que privilegiam uma interpretação adequada do fato.

As representações visuais desempenham um papel fundamental para a compreensão humana. Elas permitem a observação direta de informações visuais e espaciais, evitando uma longa descrição verbal. Os processos computacionais que podem ser realizados por imagens facilitam a busca de objetos, a visualização de detalhes, a transformação de instruções verbais em pictóricas, a memorização de conceitos e a rotação espacial, entre outras tarefas. Contudo, ao gerar planos e explanações esquemáticas que não devem ser ambíguas, o pensamento tem de recorrer a descrições verbais que sigam regras de execução consistentes, como as fornecidas pela lógica. Destarte, imagens e conceitos podem interagir com objetivo de proporcionar um raciocínio mais ágil, criativo e preciso(7).

_Imagem Mental;

_Texto: PINKER, S. Como a Mente Funciona, cap. 4, "Imagine!", pp. 303-317.

 

Referência Bibliográfica

CHANGEUX, J-P. O Homem Neuronal; trad. Artur J. P. Monteiro. - Lisboa: Dom Quixote, 1991.

DAMÁSIO, A. R. O Erro de Descartes; trad. Dora Vicente e Georgina Segurado. - São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

GARDNER, H. A Nova Ciência da Mente; trad. Cláudia M. Caon. - São Paulo: Edusp, 1995.

PINKER, S. Como a Mente Funciona; trad. Laura T. Motta. - São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

THAGARD, P. Mente; trad. Mª Rita Hofmeister. - Porto Alegre, 1998.

Notas

1. Veja GARDNER, H. A Nova Ciência da Mente, part. III, cap. 2, pp.344-348 e PINKER, S. Como a Mente Funciona, cap. 4, pp. 303-312.

2. Veja GARDNER, H. Op. Cit., idem, pp. 350-354.

3. Veja PINKER, S. Op. Cit., idem, p. 308.

4. Veja DAMÁSIO, A. R. O Erro de Descartes, part. II, cap. 5, p. 131.

5. CHANGEUX, J-P. O Homem Neuronal, cap. 5, p. 144.

6. TITCHENER, E. Lectures on the Experimental Psychology of the Thought Process, apud PINKER, S. Idem, idem, p.315.

  1. Veja PINKER, S. Ibdem, ibdem, pp. 312-317.

Fonte: http://www.geocities.com/discursus/

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