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AMOR
E PAIXÃO
Tenho
ouvido muitas definições de amor e paixão:
"Amor é legal, paixão é doença";
"Paixão é imaturidade, coisa de
adolescente, mas amor é sentimento
maduro"; "Amor é o que sobra
depois que acaba a paixão". Costumo
defini-lo como um instinto, separado do
sexual, que busca a sua realização por
meio do estabelecimento de uma relação
estável com outra pessoa. Ou seja, o amor
é paz e harmonia ao lado de alguém
especial, com o qual voltamos a nos sentir
completos – talvez como estivemos um
dia, no útero ou no colo de nossas mães.
Quanto mais qualidades esse escolhido tem,
mais fortes ficam nossos sentimentos por
ele. Quanto mais defeitos, mais forças
surgirão para nos afastar desta criatura.
Todos
nós, ou quase todos, temos o sonho romântico
de mergulhar por inteiro numa relação
desarmada com outra pessoa e, de uma certa
forma, reconstruirmos a simbiose uterina.
Ao mesmo tempo morremos de medo desta
diluição, desta perda de limites e de
individualidade na relação com o outro.
Esse
temor não é uma emoção ilógica e
covarde. Nossa individualidade fica
efetivamente ameaçada na fusão romântica
– o medo reflete este perigo real. O que
fazem as pessoas? Costumam se encantar por
alguém com uma certa quantidade de
qualidades – fatores de atração – e
também uma certa dose de defeitos –
fatores de repulsão. Desse modo se compõe
um equilíbrio estável, onde os defeitos
são tão necessários quanto as
qualidades! Sim, porque eles nos afastam e
garantem nossa identidade, nossa
individualidade.
A
afirmação de que o amor é o que sobra
quando acaba a paixão tem sido na
seguinte situação: uma pessoa se encanta
por outra e fica tão deslumbrada por ela
que só vê suas qualidades. A emoção
cresce e, com ela, o medo de perder a
individualidade. Esta forte emoção se
chama paixão. Porém, com o convívio, a
pessoa vai deixando de ser tão cega e
passa a ver os defeitos do amado. Aí
diminui a emoção e o medo da fusão com
o outro. Acabou a paixão e sobrou –
quando "sobra" – o amor.
Vamos
supor agora uma situação diferente. Não
é nada incomum que uma pessoa conheça e
se encante por outra que efetivamente
quase não apresente defeitos (é claro
que estou aqui chamando de defeito as
coisas que aborrecem, desagradam, irritam
e subtraem a confiança da outra pessoa).
Surge o encantamento forte e ele tende a
crescer cada vez mais, uma vez que não
existem problemas para agir como forças
contrárias ao amor. O sentimento é fortíssimo
e o medo é brutal, porque parece que
estamos sendo sugados pela pessoa amada.
Isto é paixão: a mistura de um amor de
intensidade máxima com um enorme medo. O
coração não bate de amor, bate de
pavor! Vivemos um estado de alarme, quase
de guerra.
Acordamos
de madrugada já pensando nisto, não
conseguimos nos alimentar e pensamos
obsessivamente no amado. Tememos perder
nossa individualidade e também o amado
que, sabemos, vive pânico igual ao nosso
e pode não suportar a ameaça do amor e
decidir romper a relação. Na paixão não
se suporta ficar junto nem separado! Ao
estar junto, falta o ar. Ao se afastar,
falta o sentido da vida. Não é à toa
que as pessoas se apaixonam mais
facilmente quando há obstáculos
externos: distância geográficas, pessoas
que sejam casadas, etc. Eles garantem um
certo espaço de afastamento e, portanto,
de exercício da individualidade.
Não
é sem razão que a maioria das paixões não
se transforma em relação estável. Na
ausência de defeitos, o amor não
diminui, nem o medo. Este último acaba
por predominar e, sob vários pretextos,
as pessoas acabam se afastando dos seus
amados. Não é sem razão também que a
maioria das pessoas se casa com parceiros
ricos em defeitos e com os quais se
irritam bastante. É para que o sentimento
que os une não seja forte o suficiente
para perturbar a individualidade. Palavras
como imaturidade, doença e outras que se
usam para definir a paixão devem, também,
ser estendidas para o amor! Ainda temos
muito o que aprender sobre este assunto.
Artigo
de Flávio Gikovate, publicado no
endereço: http://www.flaviogikovate.com.br/
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