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Globalização: Riscos de Grande Conseqüência

A IDADE DA TERRA

No artigo de Curiosidades de janeiro de 2003, descrevemos brevemente alguns aspectos relacionados com a Teoria da Tectônica de Placas e processos da dinâmica interna e externa do planeta.

Este mês, o assunto a ser abordado foi motivo de grande controvérsia durante boa parte do século XIX, envolvendo um dos mais conceituados nomes da história da Ciência e da Tecnologia: o irlandês William Thomson. Se esse nome não lhe é familiar, iremos adotar neste texto o título que foi a ele conferido pelo Governo Britânico, quando Thomson foi elevado à nobreza em 1892: Lorde Kelvin. Primeiro cientista britânico a receber essa honraria, e bem sucedido cientista, professor, engenheiro e homem de negócios, Kelvin é autor da escala de temperaturas absolutas, que se demonstrou extremamente útil na física de baixas temperaturas, sendo chamada de escala Kelvin. Mas qual teria sido a participação desse renomado físico e engenheiro em eletricidade, presidente da Royal Society de Londres por 5 anos consecutivos, autor de mais de 600 artigos e detentor de 70 patentes, em discussões relativas à idade da Terra?

É o que contaremos a seguir, tendo por base trechos do Capítulo 6 - Lorde Kelvin contra geólogos e biólogos - A idade da Terra, do livro de Hal Hellman denominado Grandes Debates da Ciência, indicado pela revista Ciênciaonline deste trimestre. Estão em itálico os trechos do livro transcritos integralmente.

Sob o ponto de vista científico, a estimativa da idade da Terra era motivo de pouca discussão, por ser assunto que, como muitos alegavam, estava claramente enunciado nas Escrituras, que a Terra tem por volta de 6 mil anos. Usando uma complexa combinação bíblica, relatos históricos e ciclos astronômicos, James Ussher, bispo irlandês do século XVII, refinou as antigas estimativas e, em meados da

1650, chegou ao resultado de 4004 a. C. como a data da Criação. Durante 200 anos esse número apareceu nas edições inglesas subseqüentes da Bíblia. Além da idade da Terra, outro aspecto geológico fortemente carregado pelos enunciados bíblicos era que cataclismos e catástrofes, tais como o Dilúvio do tempo de Noé, eram considerados o principal modo de formação das características topográficas terrestres. De acordo com o catastrofismo, a Terra é ao mesmo tempo jovem e imutável.

Novas observações e teorias começariam porém a contradizer essas idéias baseadas na Bíblia. Georges-Louis Leclerc de Buffon foi possivelmente o primeiro naquela era intensamente cristã que tentou alargar esses limites para mais de 6 mil anos. Calculando o tempo de resfriamento da Terra a partir de uma massa primitiva em estado de fusão, ele chegou à estimativa de 75 mil anos.

A refutação mais eficaz e digna de crédito da idéia cristã de uma Terra jovem moldada por catástrofes foi a do respeitado geólogo britânico, Sir Charles Lyell (1797-1875). Lyell afirmou que o catastrofismo não era necessário e que os traços topográficos da Terra podiam ser explicados por forças que continuam atuando. Ele acreditava, de fato, que tudo o que se vê na Terra é o resultado de forças e agentes ordinários, atuando todos de uma maneira uniforme. (Sua teoria foi, portanto, chamada "uniformitarismo".) O uniformitarismo significava que o passado poderia ser explicado por termos do que vemos ocorrendo hoje.

Desde seus dias de estudante, Lorde Kelvin tinha um interesse especial para o assunto do calor. Ele sabia que Leibniz havia sido, antes, um importante defensor de uma Terra inicialmente em estado de fusão, e que Newton tinha estudado a perda de calor e o resfriamento dos corpos. Em sua cabeça, uma tentadora pista para a determinação da idade da Terra residia em uma observação comumente feita na escavação de minas e poços: quanto mais fundo se cava, mais quente a Terra fica. Embora seja possível explicar o fenômeno de outras maneiras, Thomson acreditava que isso revela que o calor está fluindo para fora a partir do interior do planeta. Em seus cálculos, ele partiu da suposição de que a Terra fazia inicialmente parte do Sol, estava originalmente à mesma temperatura que este, e vem se resfriando de forma contínua e uniforme desde então. Em 1846, no mesmo ano de sua designação para a Universidade de Glasgow, aos 22 anos de idade, Thomson comunicou seu cálculo da idade da Terra com base em princípios físicos: algo em torno de 100 milhões de anos. Admitindo que o número era uma aproximação, ele ampliou o leque para algo entre 20 milhões e 400 milhões de anos.

Mas se Thomson estivesse correto, diversas teorias de importância se tornariam então inexeqüíveis. Os geólogos, por exemplo, olhavam ao redor e viam uma Terra torturada, que clamava por uma história estendendo-se bilhões de anos para trás. A teoria da evolução de Darwin, ainda lutando para afirmar-se, também requeria uma pré-história muito mais longa do que a permitida pelos números de Thomson.

Após a apresentação de seus estudos e a estimativa da idade da Terra, debates se sucederam até o final do século, mas os cálculos de Kelvin foram usados por 30 anos como exemplos clássicos em aulas de física por estudantes de todo o mundo.

 

Sabemos hoje que os geólogos e os biólogos estavam corretos em suas alegações de uma Terra muito mais antiga do que Kelvin tinha inicialmente calculado. É irônico, contudo, que tenham sido necessários métodos inteiramente novos, desenvolvidos por físicos, para fornecer as provas de que ele estava errado. O que Kelvin não sabia, e que ninguém em sua época podia saber, é que há, na verdade, uma imensa fonte adicional de calor no interior da Terra.

O começo do fim para os cálculos de Kevin veio com a descoberta da radioatividade pelo físico francês Antoine Henri Becquerel em 1896. Pierre Curie e Albert Laborde mostraram em 1903 que, graças a essa radioatividade, o elemento rádio tinha a espantosa capacidade de irradiar calor continuamente. Descobriu-se, além disso, que os vários elementos radioativos não eram elementos independentes, mas podiam, de algum modo, descender uns dos outros. O rádio, por exemplo, descende do urânio, e o chumbo é o produto final estável da desintegração do urânio. Em 1907, Bertram Bordem Boltwood, um químico e físico americano, sugeriu que, dado que conhecemos a velocidade de desintegração do minério de urânio em chumbo, se determinarmos a quantidade de chumbo em uma amostra particular de minério de urânio, será possível determinar a idade das rochas na qual o minério foi encontrado. Quanto maior for a porcentagem de chumbo no minério, mais antiga será a rocha.

O desenvolvimento subseqüente de tais métodos produziu o conjunto muito mais acurado de datas de que dispomos hoje. A data mais antiga para uma amostra de rocha encontrada na Terra está por volta de 4,3 bilhões de anos. Parece sensato assumir que a Terra é mais velha que as mais velhas amostras de rocha. Quão mais velha? Evidências provenientes de meteoritos sugerem uma idade para a formação do sistema solar de mais ou menos 4,6 bilhões de anos.

Outras descobertas trouxeram à luz fatos sobre a Terra dos quais mal se poderia suspeitar nos dias de Kelvin. Sabemos, por exemplo, que o calor proveniente de diversas fontes - energia gravitacional e bombardeio por meteoritos, assim como radioatividade interna - causou e tem mantido um estado de fusão parcial no interior da Terra. O resultado é um poderoso processo de convecção, uma mistura e sublevação de rocha fundida, além da condução de calor de dentro para fora com a qual Kelvin trabalhou. O resultado final de todos esses processos, que prosseguem ainda hoje, é uma fina crosta exterior de rocha, um manto rochoso de maior densidade, e um núcleo ainda mais pesado de ferro e níquel.

Além disso, os poderosos processos de convecção exercem, sobre as várias partes de nosso planeta, forças enormes que dobram, encobrem, rompem e levantam grandes áreas da superfície terrestre. O resultado é que não é provável que nenhuma das rochas mais primitivas tenha sobrevivido, e por essa razão nem mesmo as mais velhas das rochas datadas podem contar toda a história.

Apesar de Kelvin ter-se recusado a aceitar a realidade da radioatividade, sua reputação e influência continuou por um longo tempo. Até 1906, ele estava ainda mantendo que a radioatividade não poderia explicar o calor da Terra. Muitos geólogos foram igualmente incapazes de ajustar seu pensamento. Demorou ainda uma década até que uma nova geração de cientistas foi capaz de livrar-se da influência de Kelvin.

Artigo escrito por Agostinho T. Ogura (Coordenador de geologia do ICOL) e publicado no mês de Setembro de 2003 na Revista de Ciência On-line: http://www.cienciaonline.org/